Por dentro

O estudante que amava aliar jornalismo e arte
"O Núcleo de Atenção ao Estudante da Unisinos (NAE), e a coordenação do curso de Jornalismo organizaram um momento para celebrar a vida do aluno Guilherme da Rosa Machado. A cerimônia serviu também para vivenciar o luto pelo colega, amigo, aluno e ex-repórter do Portal Mescla, que faleceu no último dia 31 de outubro. "
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O encontro ocorreu no início da noite de segunda (8) pelo Teams, e foi mediado pela assistente social da Unisinos, Angélica da Costa, que teve um intenso contato com o Guilherme no último ano. Por ela, o grupo foi instigado a pensar sobre as lembranças que guardam do Guilherme, e a emoção tomou conta do espaço virtual. Ao longo dos 60 minutos de encontro foi possível perceber que ele se tornou uma referência em sensibilidade, acolhimento e generosidade, seja para os colegas de faculdade, como para os do colégio, no ensino médio, que também se fizeram presentes. Guilherme viveu durante 23 anos, sendo cinco deles no curso de Jornalismo da Unisinos de Porto Alegre.  Os depoimentos mostraram que ele se permitiu ser e viver a vida com a intensidade que pulsava nele, provocando o mesmo, no melhor sentido, naqueles que estavam ao seu redor.


As pautas que produziu, os textos que escreveu, as coreografias que dançou (ele participava do grupo de dança “Arte e Dança” em Canoas, destacando-se no hiphop), as fotografias que registrou, revelavam um apaixonado pela vida, até pelas faces mais difíceis dela. Gui lutava contra o preconceito, militava a favor da diversidade, da liberdade, da livre expressão da sexualidade e do ser humano.


O momento, apesar de dolorido, vai ficar marcado pela troca de lembranças de uma pessoa muito amada, que se tornou exemplo de um bom observador, que aceita a si e ao outro, que permitiu que conhecêssemos suas fraquezas, vulnerabilidades e sua força. Há pouco mais de um ano ele foi diagnosticado com um tumor cerebral, e mesmo sofrendo com as sequelas, com a quimio e radioterapia, seguiu assistindo as aulas até o fim.  Foi nosso Pequeno Príncipe, frágil, e muito belo em suas atitudes.


Guilherme entrevistando Luana Carvalho na disciplina de Audiovisual e Reportagem (Reprodução: Instagram)


A contribuição do Guilherme ao Portal Mescla merece ser rememorada. Com pautas instigantes, criativas e originais, o Gui deixou tons especiais para saborearmos e refletirmos. Em seu próprio portfólio, entregue há algumas semanas para a coordenadora do curso de Jornalismo de Porto Alegre, Débora Gadret, ele se definiu da seguinte forma: “Estudante de jornalismo com interesses em arte. Gosta de trabalhar com abordagens humanas. Desenvolver narrativas que abordam peculiaridades, estereótipos de raça, gênero ou condição social”, e ao falar de seus interesses “Apaixonado pela cultura hip hop, dentre seus quatro elementos gosto mais da dança ou “break”. Meu interesse pela arte está tanto no jornalismo quanto na vida. Não tenho um livro ou filme favorito, mas destaco a obra de George Orwell, além dos filmes “Gravidade” e “Interestelar”.”


Alguns semestres atrás, o colega do curso de jornalismo Paulo H. Albano produziu um perfil do Guilherme, através de uma entrevista. Era o ano de 2019 e o Gui estagiava como repórter multiplataforma da Agexcom. Paulo escreveu: “O sonho de Guilherme é aliar as duas coisas que mais gosta – o jornalismo e a arte – e trabalhar como repórter na editoria de cultura. Por enquanto, ele está se desenvolvendo na Agência Experimental de Comunicação da universidade, onde ingressou em março deste ano. ‘Hoje vejo que quando comecei a estagiar na Agex, me redescobri como estudante de jornalismo. Não me achava bom o suficiente e ficava constantemente comparando meus trabalhos com o de outros colegas que tiravam uma nota maior’, diz o entrevistado, usando os termos síndrome de impostor ao descrever esta angústia. Em sua opinião, os maiores méritos do estágio são a construção de portfólio, a troca com os professores e a liberdade para falar de assuntos que ele realmente acha importantes”. 


Durante as homenagens, a partir deste perfil, ficamos sabendo o quanto a Agex e o Mescla foram importantes para o Guilherme se identificar como jornalista. Nós do Mescla soubemos disso assim que ele começou a trabalhar no Portal. Para que se possa lembrar do excelente repórter que era, o Mescla separou algumas das matérias que mais o orgulhavam, e que ele fez questão de colocar no portfólio. Confira aqui o trabalho dele.


Especiais

A cultura DJ e a voz feminina 

Uma pesquisa lançada pelo female: pressure, uma rede internacional de artistas femininas que atua nos campos da música eletrônica e das artes digitais, revelou que apenas 13% das performances realizadas em eventos de música eletrônica do mundo são femininas. Nesse cenário, DJs como as gaúchas Manuela, Nina, Fernanda e Carola são minoria.


Mil Tons de masculinidades 


Coletivo de homens negros criado pelos jornalistas Airan Albino, Bruno Teixeira e o psicólogo Cainã Nascimento discute questões de raça, masculinidade e negritude. Conheça os integrantes e o trabalho do coletivo. 




Re-escrevendo o mercado editorial

O evento “O negócio do livro” reuniu mais de 200 empreendedores de todo o país no Teatro Unisinos para falar sobre iniciativas inovadoras em editoras e livrarias, uma vez que o mercado editorial brasileiro enfrenta uma crise marcada pela retração.


Blogs: um meio de inclusão

Como um dos primeiros formatos de publicação na internet existe até hoje e dá voz a temas diversos.


Por Dentro – uma seleção 

Uma jornalista apaixonada por rádio 

Formada em Jornalismo pela Unisinos, Andressa Xavier acumula duas competências que dão um monte de trabalho:a de gestora e a de apresentadora dos programas “Chamada Geral: Segunda Edição” e “Supersábado”. 


Um clique no metrô 

Com técnica de fotografia furtiva, Thiéle registra figuras peculiares no trem. Sua exposição “Estranhos Íntimos” mostra figuras encontradas no trem sendo transportadas a outros universos. 


A poética do invisível 

Conheça o trabalho de Tuane Eggers, fotógrafa que desenvolve uma pesquisa a respeito dos fungos dentro das poéticas visuais. A obra esteve em exposição durante o festival Kino Beat, em Porto Alegre.


“A ousadia de não lutar, mas conviver na floresta”  

O artista gaúcho Tomaz Klotzel, desenvolveu um trabalho artístico a partir da história de dois defensores da floresta amazônica que foram assassinados.




O estagiário Guilherme, pelos professores da Agex

Cybeli de Almeida 

Um colega do Gui escreveu, ao redigir um perfil dele como exercício de aula, que o sonho do Guilherme era aliar as duas coisas que ele mais gostava – o jornalismo e a arte. Fico muito feliz em descobrir essa fala depois da passagem dele, pois ao menos sei que a Agexcom, agência experimental que tenho tanto prazer em coordenar, contribuiu para sua formação, autoconfiança e também felicidade ao ser um espaço, via portal Mescla, no qual ele podia se expressar por meio da escrita, da foto e do audiovisual. Além da alegria, sensibilidade, leveza e sorriso acolhedor do Guilherme, guardarei comigo uma lembrança, que aconteceu em uma das aulas da única atividade acadêmica que fizemos juntos, Jornalismo Opinativo. Nela, o Gui escreveu um lindo texto, que também foi gravado em vídeo, expondo experiências muito verdadeiras e doloridas. Lembro-me de ter pensado: “que guri de coragem, e que guri que cresceu!”. O texto aconselhava ao final: “Não desiste e aceita o medo”. Creio que o Gui aceitou os medos dele, acolheu os desafios e viveu cada dia ao máximo, com muita generosidade e verdade. Que vida linda, não?

Daniel Pedroso 

Eu tive a oportunidade de conviver e trabalhar com ele em duas oportunidades. Na atividade acadêmica de Jornalismo Audiovisual e Notícias, o Gui foi muito dedicado ao trabalho, lembro que apontei alguns pontos que poderiam ser melhores na reportagem do grupo dele. Na conversa ele se mostrou muito interessado e o melhor, desafiado. Não deu outra, ele pegou o equipamento e voltou na pauta para captar mais entrevistas e imagens, voltou ainda mais animado para finalizar o trabalho. Na Agexcom, eu trabalhei com ele como prof. mentor de audiovisual. Lembro de uma pauta que fomos cobrir juntos, o lançamento da Fábrica do Futuro, que fica no Quarto Distrito em Porto Alegre. O evento foi grande, durou 6 horas,  estávamos em dois grupos. O Gui, inicialmente estava um pouco tímido, cada imagem que fazia, me mostrava o resultado. Mas, aos poucos, ele foi se soltando, ganhando confiança. Em função das várias atividades desse evento e do grande número de pessoas, nos separamos. Mas volta e meia a gente se via de longe, nesses momentos o Gui me olhava e abria aquele sorriso largo dele, como quem diz: tô curtindo muito, tô fazendo o meu melhor.  Hoje o Gui e luz, e com certeza, segue distribuindo aquele sorriso acolhedor no plano superior e nos inspirando a sermos melhores.

Débora Gadret 

Fui professora do Gui no seu primeiro semestre na Uni e em pelo menos mais 3 atividades, em etapas distintas do curso. O que, inicialmente, parecia ser uma certa timidez revelou-se uma escuta atenta e um grande poder de observação, essenciais a um bom jornalista. Quando falava de uma pauta em que acreditava, virava um gigante. Queria um mundo com mais arte, mais igualdade e mais respeito. Suas reportagens no Mescla mostram sua grandeza e coragem em abordar temas fora da curva. Na memória, ficarão sempre as conversas que tínhamos na salinha da Atomic sobre jornalismo, democracia, gênero, dança, fotografia. O brilho no olho e a vontade de ser repórter. Um viva ao Guilherme! Sua passagem foi intensa e luminosa. 

Luciana Kraemer

Convivi como mentora do Guilherme no Portal Mescla, ao longo de todo o ano de 2019. O Gui tinha sempre uma pauta legal para oferecer, e a sugeria de forma muito discreta, quase constrangida, um contraste com o vigor informativo da apuração que realizava. Lembro quando ele foi fazer a Virada Sustentável, e voltou contando sobre a conversa com o coletivo Mil Tons, formado por 12 homens e “diversos tons de negritude, com suas sexualidades, religiões e masculinidades”, como ele escreveu. Foi seu primeiro Especial para o Mescla, e foi um marco ao trazer diversidade temática e estética para a nossa publicação. A matéria ficou linda também porque um dos méritos dele era saber escutar e se conectar com a profundidade das falas que ouvia. Foi assim também o Especial das mulheres DJs, e tantos trabalhos em que se envolveu e reportou. O Gui tinha uma capacidade grande para o trabalho e era profundamente impactado pelas matérias que fazia.  Só posso agradecer por tanta partilha legal, pela entrega e motivação. E   pedir que ele siga nos iluminando, especialmente agora, como estrelinha que virou.  


Lirismo Aparente (por mim, Paola) 

No ano passado, no aniversário de 22 anos do Guilherme, enviei a ele um livro, “50 poemas de revolta”. O Guilherme e eu compartilhávamos  o gosto pela arte. Achei que a poesia era um bom ponto em comum. Sabendo da dificuldade que ele estava tendo para ler, pensei que a leitura de poemas seria mais fácil, ainda sim tendo a antítese “delicadeza” e “força” que a linguagem poética tem. A apresentação do livro começa falando sobre como a poesia é um ato de resistência, por si só. Nesse livro, há uma parte do “Poemas aos homens do nosso tempo”, da Hilda Hilst. Há o trecho: 

“[…] cantando amor, os poetas na noite

repensam a tarefa de pensar o mundo.

E podeis crer que há muito mais vigor 

No lirismo aparente 

No amante Fazedor da palavra  

Do que na mão que esmaga”

Apesar de não escrever poesia, o Guilherme foi um poeta. Ele foi o “lirismo aparente” materializado. Não sei se ele leu o presente, mas sei que sempre que eu olhar para esse livro ou ler esses versos, vou me lembrar dele. Ele se foi, mas nós seguiremos juntos… repensando o mundo. 


Gui em uma tarde na Agexcom/Porto Alegre (Josi Skieresinski)
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