Uma carreira iniciada por inquietações e silenciamento. Assim Rosana Paulino define o começo de sua trajetória na área das artes, pesquisa e educação. Participante da mesa sobre “Arte, Feminismos e Emancipação – Exclusão e Inclusão no âmbito da arte brasileira”, na 64ª Feira do Livro de Porto Alegre, a pesquisadora ressaltou os critérios excludentes da produção brasileira contemporânea.
Rosana Paulino é bacharel em gravura e doutora em Artes Visuais pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), e tem especialização em Gravura pelo London Print Studio, de Londres. Ela conta que, na época em que iniciou a graduação, havia um “achatamento da formação” em que não se questionava o papel da arte na sociedade brasileira.
“Quando eu entro na USP, eu percebo que não há essa presença do simbólico na formação do artista, ou não era aceitado que o artista trouxesse outras camadas dentro da sua obra”, conta. Para ela, esse achatamento de origens artísticas era inconcebível. As raízes católicas e africanas e suas respectivas materialidades faziam parte de quem Rosana era e, assim, também de sua produção. Ao tentar trabalhar com obras manuais, ela ouvia que a questão da manualidade na arte contemporânea “já estava superada”. Então, questionava: “superada por quem?”
O simbolismo virou marca da arte de Rosana. Usando tintas, linhas, costura, esculturas e fotografia, ela abraça questões sociais, étnicas e de gênero. Nesse contexto de tensionamento das obras da artista, surgem trabalhos que colocam o papel da mulher negra no centro da discussão. Um dos exemplos é a série “Bastidores”, em que Rosana utiliza de forma irônica o bordado.
“Quando a gente pensa em uma mulher bordando, surge uma imagem idílica de um ambiente protegido. Mas o que acontece dentro dessas quatro paredes? Qual a violência vivida que não se vê?”, questiona. Rosana transformou essa dúvida em arte ao utilizar fotografias de mulheres de sua família e bordar por cima de bocas e olhos para representar o silenciamento da violência doméstica. “Como são imagens da minha família, são mulheres negras e a gente vai tomar outra faixa de leitura para eles, que é a questão do racismo institucional”, complementa.
O racismo também é foco da obra de Rosana no livro ¿História Natural?, lançado em 2016. Segundo ela, o livro representa uma confluência de seus 23 anos de trabalho. Ao analisar as imagens que representavam o Brasil no período da colonização, ela percebeu que ciência e arte ajudaram a construir o racismo que perdura até hoje.
“Nós somos um país que se formou a partir dos olhos dos outros. Essas imagens eram feitas para ser enviadas, muitas vezes, para fora do país”, explica a artista. Dividido em três capítulos, nomeados “O Progresso das Nações”, “A Salvação das Almas” e “O Amor pela Ciência”, o livro mistura fotografias com costuras, tecidos e linoleogravura.
Ela explica que as abas costuradas por cima das imagens representam as questões do racismo vedado no país, mas também sobre realidades díspares “suturadas” a força nas mesmas páginas da história. As gravuras também são uma forma de trabalhar a imagem do país, quesito que a artista considera não estruturado. “No Brasil, a gente desconhece um pouco o contexto que a imagem tem sobre a formação de identidades”, comenta.