Deu certo

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Das narrativas visuais ao ensaio que rodou o mundo
"Fotojornalista premiado, egresso e ex-professor da Unisinos, Bruno Alencastro fala sobre sua trajetória e comenta os bastidores dos momentos mais emocionantes da carreira"
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Bruno é um entusiasta das narrativas visuais, como ele mesmo se define. Com uma extensa lista de prêmios ao longo da carreira, o fotojornalista de 37 anos já trabalhou com as mais diversas formas e possibilidades da imagem. Em 2021, viu seu ensaio obs_cu_ra conquistar o mundo, ao receber colaborações de 80 fotógrafos de mais de 20 países, além de apresentar o trabalho em vários desses lugares. Bruno é formado em Jornalismo e mestre em Ciências da Comunicação, pela Unisinos. Ele também já foi docente da Uni em vários cursos da Escola Criativa, como Fotografia, Jornalismo, PP, RP, Design, Moda e Gastronomia, de 2014 a 2018. O Mescla conversou com Bruno por mensagem de áudio. Confira a íntegra do bate-papo, recheado de histórias enquadradas pelas lentes do fotógrafo. 


Mescla: O que lhe atraiu na fotografia? 


Bruno: [Isso] é curioso… Entrei no jornalismo pensando em reportagem cultural, achando que trabalharia com a parte cultural. Aí, já tinha alguma pista de que futuramente trabalharia com as artes visuais de uma maneira geral, ainda não sabia disso. Mas acho que, logo na primeira cadeira de fotografia, no Jornalismo, vi essa possibilidade de contar história em imagem. Simples assim. Vi que aquilo que eu imaginava que contaria em texto tinha um potencial muito grande para explorar e narrar através de uma sequência de imagens, através de fotografia. Futuramente, descobri o vídeo também como uma possibilidade de contar história. A atração foi por esse poder sintético, universal e ao mesmo tempo complexo, de vários sentidos que a gente pode colocar. Através da estética, através da linguagem, trabalhar com narrativas visuais. Foi isso que me encantou.

Não consigo mais sintetizar em um conceito o que eu trabalho. Gosto de me considerar assim: uma pessoa que foi se especializando em narrativas visuais e hoje não vê muito onde termina uma e começa outra. Eu me sinto mais completo e podendo desenvolver minha criatividade ao máximo transitando entre todas essas linguagens, relacionadas à imagem.


Mescla: Como surgiu a ideia do ensaio obs_cu_ra? 


Bruno: O obs_cu_ra foi justamente um momento em que todos nós estávamos trancados em casa e eu sempre sou muito inquieto [em termos] de produção e produtividade. Sempre gosto de estar me desenvolvendo e me desafiando, do ponto de vista criativo e de inovação, a pensar algo [de um jeito] diferente. Estava, naquele momento, vendo vários trabalhos sendo produzidos durante a pandemia e pensando que eu também tinha que fazer um trabalho sobre esse período histórico e único, para a nossa geração. E foi isso, um insight de olhar para as paredes brancas do meu apartamento e pensar “bom, vou primeiro experimentar essa ideia de uma câmera obscura”, que era algo que eu conhecia do ponto de vista teórico. Li sobre esse período de formação da imagem, do desenvolvimento técnico da fotografia, mas eu nunca tinha explorado essas questões analógicas, sempre fui um cara muito digital.


Eu [pensei] “ah, vou fazer um teste, já que estou em casa, tenho tempo para isso e vou explorar o que tem de potencial ao construir uma câmera, transformar a minha casa numa grande câmera”. E foi o que fiz, testei e achei a fotografia muito potente. Essa é a primeira fotografia do ensaio, em que aparece eu, a minha mulher e o nosso bichinho de estimação ali, o cachorrinho, o nosso mascote. Achei muito potente essa foto e pensei “isso aqui fala muito sobre esse período que a gente está vivendo, deixa eu transformar essa foto única num ensaio fotográfico e ver o que comunica, o que essas fotos podem comunicar sobre esse período que a gente está vivendo”. Sozinho eu não conseguiria desenvolver esse trabalho, então fui em busca do coletivo, convidei vários fotógrafos e fotógrafas para participarem junto comigo e aí deu no que deu.

A imagem que deu início ao ensaio obs_cu_ra (Foto: Bruno Alencastro)


A gente lançou um ensaio, e rapidamente outras pessoas começaram a me perguntar sobre ele, como é que elas poderiam também participar. E aí, em um segundo momento, fiz isso: abri uma convocatória para receber fotos de quem tivesse a fim de participar do ensaio. E cheguei nesse quantitativo maluco: mais de oitenta participações de vinte e poucos países. E aí toda a repercussão que teve, publicado em vários lugares, ali no meu site eu coloco os principais lugares, os continentes, só na Oceania que não (risos). É mais fácil falar em continente do que em país, de tanto lugar em que ele repercutiu.

Levar o meu trabalho para um nível inimaginável, para um lugar em que nunca imaginei que poderia ter uma repercussão, como os grandes centros e festivais de fotografia ao redor do mundo: o convite para ir à Eslovênia apresentar o meu trabalho presencialmente.


Mescla: No seu site, há a premiada fotografia “Encontro de Super-heróis”. Poderia contar um pouco mais sobre a história daquela imagem? 


Bruno: Eu guardo um carinho muito especial sobre essa foto, o Encontro de Super-heróis, porque foi com ela que eu ganhei o principal prêmio de Jornalismo que tem aqui no estado, que é o prêmio da Ari [Associação Rio-Grandense de Imprensa], na categoria Fotojornalismo. Essa foto foi premiada naquele ano [2016], e também teve um concurso nacional de fotografia em que ela foi premiada [Prêmio Fundação FEAC de Jornalismo, de Campinas/SP]. Os bastidores dela são bem interessantes, porque é um plantão, eu estava num plantão de final de semana [na Zero Hora], em um sábado. E, assim, esperando o tempo passar, né… A gente em um plantão de final de semana quer mais é que passe logo, voltar pra casa, descansar um pouco. Então, nem tinha grandes expectativas de fotografia naquele dia, até que uma repórter passou ali na fotografia e pediu um fotógrafo para acompanhar ela nessa pauta. Era uma ação que estava tendo no Dia das Crianças e eu acabei indo com ela, por decisão da equipe, de que eu a acompanhasse. Fui com ela, e chegando no local, a ação até já tinha começado. A gente desceu do carro do jornal e olhou a fachada do Hospital da Criança Santo Antônio [em Porto Alegre], na parte de oncologia e já tinha esses super-heróis. 


Eram vários, tinha o Super-Homem, o Homem Aranha, o Batman, vários desses alpinistas ali pelo lado de fora do prédio descendo de rapel. E eu rapidamente peguei a minha câmera, a lente de maior distância que eu tinha, que era uma teleobjetiva, para pegar de longe, e fiz as fotos do lado de fora, pela fachada, porque já estava acontecendo. E aí pensei comigo “puxa, essa foto seria muito legal se ela fosse feita lá de dentro, pra mostrar as crianças dentro, e não dar tanto protagonismo pros super-heróis e dar mais protagonismo para as crianças, interagindo com eles”, mesmo que através do vidro. E pra minha sorte, depois que eles terminaram o rapel pelo lado de fora, a gente conseguiu se aproximar mais da equipe da assessoria de imprensa e a assessora nos falou que eles iam fazer uma nova descida. E aí, tive a chance de entrar no hospital e poder produzir fotos do lado de dentro. 


Uma outra sorte, por conta disso, é que toda a equipe de televisão (tinham vários veículos de imprensa lá), todo mundo já estava lá do lado de dentro, nessa primeira descida que eles fizeram. E foram pro lado de fora, para daí fazer imagens do lado de fora. Quando fui pra dentro do hospital estava praticamente sozinho. Então, por isso consegui essa foto bem limpa, bem plástica, bem estética, sem grandes informações, sem grandes ruídos para desviar a atenção. Imagina que eu ia ter que estar disputando essa imagem com cinegrafista, com câmera, de repente não ia conseguir fazer ela tão clássica assim, tão bonita e potente do jeito que ela é, por ter conseguido essa liberdade de trabalhar praticamente sozinho lá. Sou muito grato a ela.

Encontro de Super-heróis (Foto: Bruno Alencastro)


Depois que ganhei esse prêmio, procurei a família do menino. Achei que nada mais justo do que dividir este prêmio com a família, com ele, era perto do Natal, Dia das Crianças, então perguntei o que ele queria de Natal, e ele queria uma moto elétrica. Com parte do dinheiro do prêmio, comprei uma moto elétrica, fui levar lá na casa dele. Rapidamente ele já conseguiu alta do hospital, se recuperou e estava muito feliz com o brinquedo novo. Então, é uma história, acima de tudo, com um final feliz. Naquele momento que estava super pesado, ele tratando um câncer que tinha na época, e felizmente saiu dessa. Até hoje tenho contato com a família, e o Vicktor Gabriel está firme e forte. 


Mescla: No seu site, você se apresenta como diretor de fotografia, não fotógrafo ou fotojornalista. Como aconteceu essa diferenciação?


Bruno: Sobre fotógrafo, diretor de fotografia, fotojornalista… Eu nunca consegui me enquadrar numa categoria, numa caixinha ou numa gaveta, em que a gente coloca ali o que a gente é de fato. Ah, “sou jornalista”, ou “sou fotojornalista”, ou “sou repórter fotográfico”, ou “sou diretor de fotografia”, ou “sou filmmaker”… Tem muita terminologia para quem trabalha com imagem, e para mim é sempre uma crise quando eu chego, tenho que fazer check in em algum hotel, tem que preencher um formulário e colocar profissão e sempre fico em crise pra saber o que escrevo. Na verdade, sou um entusiasta das narrativas visuais, acima de tudo. 


Gosto de trabalhar com as narrativas visuais, sou inquieto, estou sempre tentando produzir coisas que nunca fiz e me testar e me desafiar em áreas em que ainda não fui desafiado. Gosto de viver as artes visuais, a fotografia e o vídeo, o cinema, o filme, por completo. Transito por todas elas. É claro que no mercado a gente vai ter categorias, vagas, salários, profissões, mas hoje para mim isso está muito misturado. Na verdade, não consigo mais sintetizar em um conceito o que eu trabalho. Gosto de me considerar assim: uma pessoa que foi se especializando em narrativas visuais e hoje não vê muito onde termina uma e começa outra. Eu me sinto mais completo e podendo desenvolver minha criatividade ao máximo transitando entre todas essas linguagens, relacionadas à imagem.


Mescla: Você passou pela Unisinos na Graduação em Jornalismo, depois no Mestrado em Ciências da Comunicação e ainda como docente. De que forma a trajetória acadêmica contribui para o profissional que é hoje? 


Bruno: Me formei em Jornalismo, mestrado em Ciências da Comunicação, especialização depois, que fiz em Barcelona, dentro do fotojornalismo e da fotografia social. A trajetória acadêmica contribuiu totalmente para a minha trajetória profissional e vice-versa. Nunca tive esse “ranço” que a academia tem com o mercado e o mercado tem com a academia, sabe? Um achando que é mais que o outro e um criticando o outro. Me sinto completo pela trajetória que eu fiz em cada uma dessas frentes, teorizando, pensando, refletindo e agindo, produzindo e tendo experiência prática mesmo. A importância é mútua, é um equilíbrio que tem entre as duas. 


Mescla: Daria alguma dica para jornalistas também identificados com a fotografia que estejam em início de carreira?


Bruno: A dica que tenho vai justamente ao encontro do que eu falei antes, desse profissional que hoje é híbrido, transita entre várias áreas. Eu diria para quem está interessado em fotografia não ficar fechado na fotografia, se abrir para a imagem como um todo. Mais do que fotografia, pensar em imagem: imagem estática, em movimento, imagem que é tecnológica, e que ganha outra cara quando está presente nas redes sociais. Imagem expressa em narrativas curtas do story ou do Tik Tok, e presente em narrativas longas no cinema, e presente numa fotografia para ser plástica, admirada e contemplada numa galeria de arte. Enfim, pensar imagem das mais variadas formas, dos mais variados formatos e linguagens, e transitar por esse maravilhoso mundo das narrativas visuais sem preconceito. […] Acho que é um grande atalho para conseguir se desenvolver nesse mercado de trabalho híbrido e complexo que a gente tem hoje.

Gosto de trabalhar com as narrativas visuais, sou inquieto, estou sempre tentando produzir coisas que nunca fiz e me testar e me desafiar em áreas em que ainda não fui desafiado. Gosto de viver as artes visuais, a fotografia e o vídeo, o cinema, o filme, por completo. Transito por todas elas.


Mescla: Destacaria em especial algum projeto ou etapa da sua carreira? 


Bruno: Sempre gostei desses marcos que foram me dando a certeza de que eu estava no caminho certo. Tem um primeiro marco na graduação, na forma de concursos de fotografia que fui ganhando, todos eles estão no meu site. Tem uma área da minha bio onde eu deixo relacionadas as minhas exposições e os prêmios que ganhei. Então, já foi uma certeza de que eu poderia desenvolver algum trabalho relacionado à imagem, ainda na graduação. Depois, cada trabalho pelo qual passei, sou extremamente grato [a eles] e às conquistas que tive, as histórias que pude contar dentro deles. A história desse menino no Encontro de Super-heróis, a história do jovem contrabaixista, o Weslei, que é um menino que eu acompanhei desde o início, se formando em Música Clássica na escola de música da Ospa [Orquestra Sinfônica de Porto Alegre], e agora ele está lá em Genebra estudando música em um dos maiores conservatórios de música do mundo.

O contrabaixista Weslei Felix Ajarda (Foto: Bruno Alencastro/Agência RBS)


Esses marcos de histórias pessoais que eu fui podendo contar e compartilhar com outras pessoas e que a profissão me possibilitou. Até, claro, chegar ao maior deles, que sem dúvida foi o obs_cu_ra. Levar o meu trabalho para um nível inimaginável, para um lugar em que nunca imaginei que poderia ter uma repercussão, como os grandes centros e festivais de fotografia ao redor do mundo: o convite para ir à Eslovênia apresentar o meu trabalho presencialmente, e no International Center of Photography de Nova Iorque, enfim… Todos esses lugares que ainda hoje eu paro e fico pensando “puxa, o Bruno lá da graduação nunca poderia imaginar que um dia iria conseguir levar o trabalho dele para tantos lugares que sempre olhei com encanto, com admiração e não tinha noção, não tinha capacidade de imaginar que um dia poderia estar lá também”, participando e expondo meu trabalho nesses lugares.


Mescla: Podemos esperar novos projetos em breve? 


Bruno: Com certeza, como falei antes, sou um inquieto das narrativas visuais. […] É um constante estágio de estar procurando oportunidades para me desenvolver mais e mais dentro das narrativas visuais. Ainda continuei inscrevendo o obs_cu_ra em vários festivais de fotografia nesses últimos meses, então é possível que ele seja selecionado para alguns desses eventos que ainda estão falando sobre a pandemia. E, também, a partir de agora, eu começo a mirar editais e convocatórias, já pensando em desenvolver outros trabalhos. 


Tem uma agora aqui na minha cidade mesmo. Moro em Canoas, e tem um edital aberto do município na área cultural, em que inscrevi um projeto. A gente brinca que Canoas é a cidade do avião, [por causa] da praça do avião, até foi aprovada uma lei no ano passado que coloca a cidade como a capital do avião. Aí, pegando esse gancho conceitual, inscrevi um projeto na Secretaria de Cultura justamente para, a partir de fotografias aéreas, a partir de fotografias obtidas com drone, documentar essa cidade e mostrá-la dentro de um ponto de vista que ela se coloca, dentro desse ponto de vista aéreo, pensando a capital do avião. Está concorrendo em um edital público, vamos ver se vai ser aprovado.


O obs_cu_ra também está concorrendo em um edital aqui do estado, não do município, para ser exibido para as pessoas na forma de exposições a céu aberto, em projeções fotográficas, que é algo que acho que tem absolutamente tudo a ver com o projeto, que ele já nasce de fotografias obtidas através dessa projeção analógica, da câmera obscura, apresentar ele agora para as pessoas na forma de projeção digital. O projeto foi classificado, vamos ver se ele vai conseguir ser selecionado, dentro dos projetos que serão contemplados neste edital. Esses são dois editais públicos que estão, neste momento, aguardando aprovação. 


E daqui pra frente, é isso. É encontrar inquietações e motivações para seguir me desenvolvendo dentro das narrativas visuais, seja como for. Como foi com o obs_cu_ra, um projeto arcaico, rudimentar, analógico, seja com vídeo, com produção de conteúdo para as redes sociais, com fotografias aéreas, enfim, o que essa mente inquieta e criativa permitir e desejar e imaginar daqui pra frente, pra continuar de novo nessa fantástica vida e privilégio que é a gente pode viver das narrativas visuais.

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