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#reportagem #telejornalismo
Telejornalismo em Tempos de Coronavírus
"Jornalista do Grupo RBS conversou com alunos sobre carreira como repórter televisiva e as mudanças na prática profissional em meio à pandemia."
Rosto de Rodrigo Brum

“O que importa é a mensagem que a gente quer passar”, disse Cristine Gallisa em videochamada com estudantes da atividade de Jornalismo Audiovisual e Reportagem, da Unisinos. A repórter se referia à transformação dos padrões estéticos exigidos para das reportagens por parte dos editores de telejornais.

Com 27 anos de profissão, a jornalista contou histórias da carreira, falou sobre a importância da apuração no telejornalismo – especialmente para as grandes reportagens – e compartilhou as dificuldades enfrentadas por ela e por colegas nesse novo contexto.

Repórteres mascarados são o novo “normal” (Foto: Reprodução/Globoplay)

Gallisa diz que um aspecto positivo para o aprendizado neste período, são as sensações de incerteza frente ao que já achava estar dominado: “de repente eu ia fazer ao vivo no RBS Notícias com frio na barriga”. Ela entende que todos estão precisando agir  juntos sobre o problema, pois há  muita informação imprecisa circulando. Entre os temas que são discutidos no meio telejornalístico, a “infodemia” é uma preocupação comum. Junto com a epidemia viral, houve um processo semelhante, uma epidemia de informações falsas. Ela compara a situação à uma guerrilha, onde “a gente [jornalistas] está nesse front”.

Cristine Gallisa é formada pela Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC), com pós-graduação em Comunicação e Política. Começou a carreira como repórter na editoria de Geral e Política do Jornal do Povo de Cachoeira do Sul. Trabalhou por sete anos na redação da Gazeta do Sul, de Santa Cruz do Sul, e então passou a trabalhar para a emissora RBS TV em 2003. Em 2007, mudou-se para trabalhar em Porto Alegre, onde está até hoje. Participou de coberturas especiais, como eleições e o julgamento do ex-presidente Lula na Lava-Jato, e acompanhou por três meses as investigações sobre o incêndio da Boate Kiss em Santa Maria. Desde 2017 procura focar o trabalho como repórter na área de educação pública.

Reportagens Home Office

Com 80% da redação trabalhando em casa, o jornalismo precisou se adaptar, diz ela. Muitos tiveram dificuldades para aceitar que tudo precisa ser feito pelo computador, e a televisão, que sempre foi complexa, precisou ser simplificada.

Nem mesmo âncoras, como Elói Zorzetto, estão livres do Home Office (Foto: Reprodução/Globoplay)

Um exemplo desta mudança está na busca de cases, estratégia bastante usada no telejornalismo para contar histórias de pessoas para exemplificar problemas e dados. A necessidade incluiu novas formas de coletar as imagens e vídeos para a reportagem. Pessoas convalescentes, contaminadas pelo coronavírus, passaram a registrar sozinhas seus depoimentos e enviar os vídeos para jornalistas que compunham reportagens, explica Gallisa.

Até então, a prática de entrevistar pela internet era evitada: “não era uma coisa que colocaríamos em primeira mão, nunca”, explicou a jornalista. Por outro lado, agora o fazem sem nenhum problema. Além da qualidade da mensagem, o importante é que os jornalistas não tenham a saúde prejudicada: “não podemos adoecer”, enfatizou.

Exemplo de entrevista pelo celular em reportagem do RBS Notícias (Foto: Reprodução/Globoplay)

Novas técnicas e estéticas provocadas pela pandemia

Para entrevistas à distância, a câmera passou a captar o repórter segurando o celular, onde é possível ver a chamada em vídeo com a fonte. O microfone passa a apontar para o alto-falante do aparelho, ao invés de para uma pessoa. E a reportagem fica pronta e é entregue como for possível. “É o que a casa permite nesse momento”, brincou.

Aos poucos, os repórteres voltam para as ruas. Como medida de segurança, por exemplo, o uso da máscara acontece mesmo na gravação das passagens. Para conversar com fontes de forma presencial, ou se usam prolongadores, ou se fornece um microfone exclusivo para o entrevistado. Não é incomum que repórteres façam todas ou quase todas as funções da reportagem.

Microfones são aproximados da fonte pelo uso de prolongadores (Foto: Reprodução/Globoplay)

Gallisa relembra que anos atrás havia os chamados “abelhinhas”, repórteres que faziam às vezes de câmera. Depois de um tempo desaparecidos, voltam agora como vídeo repórteres, operando tripé, celular, microfone e fazendo o que for necessário para concluir a matéria. Apesar de ser uma tendência, ela alerta sobre as perdas inerentes a este processo, pois acredita que a qualidade do telejornalismo está principalmente no trabalho coletivo, que envolve muito o talento dos repórteres cinematográficos.

Cristine ainda falou sobre seu processo de produção, para os estudantes. O principal papel do repórter é fazer todas as perguntas, “levar conteúdo para dentro da redação”, disse. A jornalista contou que sempre teve dificuldade de se adaptar às regras rígidas de tempo impostas para as matérias, e que sempre “estoura”. “É melhor ter material demais do que de menos”. Apesar de sempre buscar mais tempo e mais espaço para as reportagens, ela admite que matérias de quatro minutos são “um latifúndio” na televisão. Com a experiência, se aprende que “nem toda matéria merece três minutos”.

Uma dica da repórter para os futuros jornalistas é que deixem algumas coisas para incrementar a mesmo assunto no dia seguinte. A repórter se refere ao fato das matérias precisarem ganhar novas novas versões em diferentes telejornais, uma prática mais comum hoje.

Crítica aos padrões preestabelecidos

Cristine aproveitou para lembrar sobre os padrões que volta e meia assolam o telejornalismo. Havia uma época, disse ela, em que não se gravavam passagens, a não ser em casos especiais. Depois, a passagem se tornou obrigatória e era necessário ainda que repórteres a fizessem caminhando, ainda que nada fosse mostrado por esse movimento. Por um tempo houve a obrigação de que as sonoras tivessem até 15 segundos, tornando mais difícil a contextualização dos temas. “A gente não pode ser refém da regra”, expressou.

Gallisa em videochamada com alunos da Unisinos registrada pela professora Luciana Kraemer

Perguntada pelos estudantes sobre como faz para construir suas matérias, a repórter compartilhou perguntas que os ajudem a decidir sobre o que incluir ou excluir da reportagem: “De tudo que eu tenho, o que é essencial para o telespectador? O que o cidadão precisa saber para que ele entenda que não pode se expor lá fora? Será que a pessoa vai entender o que eu estou falando?”. Com atenção a esses pontos se torna mais fácil saber se está no caminho certo.

Gallisa enfatizou que o repórter precisa ir na causa do problema, e não se contentar apenas em explorar os sintomas. Foi a partir de uma investigação mais profunda sobre as origens da criminalidade que surgiu uma série de reportagens chamada “Educar Para Mudar”, feita em 2017, sobre a educação pública no RS.

Série de reportagens para o RBS Notícias (Foto: Reprodução/Globoplay)

A repórter se deparou com dados que apontaram a baixíssima escolaridade da maioria dos presos. A partir disso, encontrou informações de que a educação também estava diretamente relacionada com a melhoria econômica do país e com a ascensão social. Temas como estes não costumam estar presentes em notícias sobre criminalidade. “Esse é o desafio hoje, sair da cacofonia de ver as mesmas matérias em todas as plataformas”, disse.

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