Crystom Rodrigues está no primeiro ano do curso de Realização Audiovisual da Unisinos (CRAV) e já orgulha a comunidade audiovisual da Universidade e o cinema gaúcho. Isso porque ele foi um dos selecionados no edital da Lei Paulo Gustavo que, por todo o Brasil, destina quase R$ 4 bilhões para produções audiovisuais nacionais.
“Aconteceu à luz da lua”, curta-metragem de ficção que será produzido a partir do prêmio conquistado por Crystom, contará a história de um adolescente periférico que quer ter o direito de sonhar. A previsão é de que tudo fique pronto ainda em 2024.
O “craviano” fez o Ensino Básico no Colégio Protásio Alves, da Capital, e sempre se interessou pelas artes, principalmente a música, tanto que chegou a estudar para o vestibular da UFRGS dessa área. Acabou prestando o ENEM e entrando na Unisinos como estudante bolsista do ProUni. Hoje, em paralelo à carreira de artista e com o mundo audiovisual, Crystom trabalha como motorista de delivery.
Pioneiro na família e no cinema gaúcho
Primeiro da família a ingressar em um curso superior em uma universidade particular, Crystom vem da zona leste de Porto Alegre para ocupar um espaço no mundo acadêmico – mais um dentre tantos dos quais vêm se apropriando. Apesar de estar começando os estudos agora, ele já possui experiência com trabalhos envolvendo grandes marcas. No currículo, a produção de making ofs de campanhas para Nike, Huggies e Disney. Em um deles, o jovem documentou a experiência de participar de ações da Nike para divulgação da camiseta da seleção brasileira na última Copa do Mundo.
Crystom já atuou também como assistente de direção do filme “Samba às avessas”, de Pâmela Amaro; assistente de câmera do filme “O tempo”, dirigido por Ellen Correa, e que participou do Festival de Cinema Gramado; e continuísta em “Flora”, da Bactéria Filmes, produtora da egressa Daniela Israel – que já foi entrevistada aqui no Mescla. Ele enfatiza que todas as produções das quais participou são feitas por pessoas como ele. Os filmes citados, por exemplo, são todos dirigidos por mulheres negras.
Do Morro da Cruz ao Projac
Mas o seu trabalho no YouTube, com o canal Justiça Poética, foi o que acabou dando uma virada de chave em sua vida. Acontece que, em 2021, produtores da TV Globo descobriram o trabalho de Crystom e o convidaram para participar do especial do Dia da Consciência Negra chamado Falas Negras.
Ele conta que essa oportunidade de presenciar o trabalho de uma equipe de televisão de alto nível o motivou a fazer o mesmo. “Me peguei pensando: ‘como assim eu posso me expressar através da arte, ainda por cima com uma equipe toda igual a mim?’. Foi muito bom ver que isso é possível.”
O canal Justiça Poética acabou virando uma produtora audiovisual de divulgação do trabalho de pessoas negras habitantes do sul do país. “Começou com a minha comunidade no Morro da Cruz, depois foi abraçando toda Porto Alegre, depois a Região Metropolitana da Capital e, no fim, acabamos abrangendo o Estado todo.”
Com toda essa visibilidade, Crystom inspirou outros membros da comunidade, principalmente os mais novos. Vários desses indivíduos aparecem em outro projeto, o ensaio fotográfico intitulado “Favela Presente”, que o artista mantém em seu Instagram pessoal. Os planos futuros são, inclusive, de transformar as fotografias em uma exposição física.
Por muitos anos, ele teve como ferramenta de trabalho o celular e câmeras emprestadas por outras pessoas. Hoje, possui uma câmera semiprofissional. “Já é um começo”, orgulha-se.
O poder da luz da lua
Agora, com o resultado do edital, Crystom vai poder desfrutar de recursos um pouco mais avançados para a execução de seu primeiro filme, “Aconteceu à luz da lua”. Ele revela ao Mescla que escreveu o roteiro vencedor do edital Paulo Gustavo – o primeiro de sua vida – em três dias. Esse é o poder de inspiração, segundo Crystom, que a lua lhe dá.
O diretor estreante vai contar com uma equipe formada apenas por pessoas com as quais ele se identifica, duas delas colegas suas do curso: Isabella Corrêa Bauer, primeira aluna PCD do CRAV, como diretora de arte; Fernanda Gregório Fernandes no som; e Maicon Ferreira da Silva, que será o assistente de direção.
“Ideias surgem e eu vou anotando, sempre. Temos que apresentar nossas narrativas. Essa é a chance de transformar o cinema nacional em uma indústria”, enfatiza. Ele pretende, ainda, “chacoalhar o Estado” com seu filme. Quer que seus iguais se reconheçam, ao mesmo tempo em que os que não falam muito sobre o assunto se conscientizem.
E os planos do diretor e roteirista para depois do filme? “Quero fazer mais e mais, inspirar os meus iguais e os diferentes de mim também.”