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A diversidade no Oscar 2021 e sua influência no cenário brasileiro
"Mescla convidou professores do CRAV e cineasta para discutirem a representatividade na produção audiovisual do Brasil e do RS "
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O Oscar de 2021 mais uma vez foi centro da discussão sobre diversidade no cinema ao indicar mais profissionais de grupos e etnias subrepresentados, algo que vem sendo cobrado pelo menos desde 2016 com a polêmica do Oscar so white (Oscar tão branco) iniciado nas redes sociais. Neste ano, a festa foi marcada pela quebra de alguns tabus, como o fato de pela primeira vez na história, duas mulheres terem sido indicadas ao prêmio de melhor diretor(a). Chloé Zhao (filme Nomadland) foi a segunda mulher a levar esta estatueta, e a primeira asiática a erguer levar o Oscar em 93 edições. 


Além disso, a premiação teve como fato inédito a indicação de melhor ator para um muçulmano (Riz Ahmed, O Som do Silêncio) e para um asiático-americano (Steven Yeun, Minari: Em Busca da Felicidade). Foi também a primeira indicação na história do Oscar de uma asiática na categoria de melhor atriz coadjuvante (Yuh-Jung Youn, Minari: Em Busca da Felicidade). Ela acabou levando a estatueta. Também foi a primeira vez que um longa-metragem produzido por negros foi indicado a melhor filme (Judas e o Messias Negro). Os  dois atores negros do mesmo filme disputaram  o prêmio de Melhor Ator Coadjuvante.


A busca por mais diversidade fez com que a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas que organiza o Oscar decidisse  que a partir de 2025, todas as produções que desejarem concorrer à categoria de melhor filme deverão acatar pelo menos uma das seguintes regras: 


“Ter um ator ou atriz de grupos étnico-racial subrepresentados num papel de protagonismo; 


30% do elenco e da equipe de produção, ou direção, ser de  minorias sociais; 


Tema central do filme sobre essas minorias; 


Igualdade de pagamento entre brancos, negros, mulheres e LGBTQIA+


Produções locais já se orientam por diversidade” 


O coordenador do Curso de Realização Audiovisual da Unisinos (CRAV) Milton do Prado vê como muito positivo o o fato do Oscar estar mais atento a inclusão de grupos minoritários ao prêmio.  “As indicações e votações do Oscar representam tendências de debates sociais, tanto que o júri, atualmente, já possui participação maior de estrangeiros, por exemplo”, completa. 


Mas, apesar de ser o evento mais popular de cinema no mundo, Milton, que também ocupa a cena da realização audiovisual a partir de seu trabalho de montagem e crítica de cinema,  entende que o Oscar tem quase nenhuma influência na produção e no debate social e cultural do cenário brasileiro de cinema.Para ele, é o Oscar que está sendo influenciado.  “Isso mostra uma evolução no debate em Hollywood e no mainstream. A discussão pode ter mais influência no público que assiste aos filmes, mas quase zero em quem realiza projetos aqui no Brasil. Isso é só mais uma tentativa do mainstream em não perder terreno e público”, entende Milton. 

Fatimarlei Lunardelli. (Foto: Arquivo Pessoal)


A professora do CRAV e presidente da Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (ACCIRS), Fatimarlei Lunardelli, concorda que a discussão sobre diversidade na equipe e nos temas de filmes está mais adiantada aqui no Brasil do que na cena norte-americana.  “A websérie Confessionário: Relatos de Casa, sobre violência doméstica e de gênero, com direção de Deborah Finocchiaro e Luiz Alberto Cassol, é mais um dos exemplos de como a produção no estado discute sobre esses tipos de tema”,“

Teaser da 3ª temporada Confessionário: Relatos de Casa. (Youtube/Confessionário)


“Cheguei a ouvir que protagonistas mulheres não tinham a capacidade de atrair muito público”



A cineasta e ex-aluna do CRAV Tatiana Nequete é uma das realizadoras gaúchas preocupadas com o tema diversidade no cinema. Tatiana é diretora e criadora da série Oráculo das Borboletas Amarelas, da TV Brasil, que aborda temas como machismo, racismo, feminismo, além de ter maior número de personagens femininos como protagonistas. “Por conta dos temas abordados, sofremos e demoramos muito para colocar o projeto em ação. Cheguei a ouvir que protagonistas mulheres não tinham a capacidade de atrair muito público”, relata a diretora.

Tatiana Nequete. (Foto: Arquivo Pessoal)


Além disso, Tatiana conseguiu montar uma equipe muito bem representada por mulheres. Por isso, elas ocupam todos os cargos de liderança na equipe de produção. “Fizemos dessa maneira pensando, primeiramente, por se tratar de uma série que possui protagonistas femininas. Também para não corrermos o risco de ter um ambiente machista e tóxico, como é comum na grande maioria dos sets de filmagem no Brasil”, revela.


Falando especificamente sobre a presença feminina na produção audiovisual, a cineasta Tatiana acredita que isso só vai aumentar quando forem criados mecanismos sociais e políticos que permitam à mulher ocupar cargos de liderança no cinema. “Infelizmente, ainda há pouquíssimas mulheres como diretoras gerais e de fotografia. Por isso, as narrativas de homens brancos ainda predominam nos temas abordados nos filmes”, completa. 


A percepção de Tatiana pode ser comprovada pelos números. Segundo o levantamento da Ancine, Diversidade de Gênero e Raça nos Lançamentos Brasileiros de 2016, apenas 5% dos profissionais dos longas lançados comercialmente eram negros. Destes filmes, mulheres só estavam em funções de direção e roteiro em 19% e 16%, enquanto negros somente em 2,1% das realizações audiovisuais. Além disso, negros faziam parte de meramente 8% de elenco principais e mulheres eram diretoras de fotografia em 7,7% das produções. 

Trailer da série criada e produzida por Tatiana Oráculo das Borboletas Amarelas. (Youtube/ Fica EBC)


Em relação ao Oscar, Tatiana acredita que o ato da premiação em abrir espaço para um número maior de profissionais pouco representados deve ser mais valorizado. “Ter essa discussão no Oscar é um sinal muito importante e forte de que as coisas estão. Mostra que isso é uma tendência no cenário”, afirma a diretora, complementando que, apesar disso, ainda existe um longo caminho a ser percorrido para se chegar a uma igualdade de direitos e oportunidades no cinema. 


O debate sobre diversidade no cinema na sala de aula



Tatiana Nequete entende que o assunto está cada vez mais presente no ambiente acadêmico. Mas também revela que quando entrou no curso em 2003 a presença de grupos minoritários era baixíssima. “quando ingressei na universidade, o número de mulheres, negros e negras era muito pequeno. Além disso, existiam poucas mulheres no mercado como diretoras. Eu acabava tendo pouca referência que pudesse me inspirar”, relata a cineasta. 


O coordenador do curso da Unisinos, Milton do Prado entende que as discussões sobre diversidade cresceram bastante na última década. “O maior número de debates e conversas sobre diversidade podem ser explicados também por conta da presença dessas pessoas na sala de aula. A presença de mulheres e negros, por exemplo, aumentarou bastante na última década”, conta Milton


A demanda por debater essas questões fez com que o curso criasse o projeto CRAV Mais Diverso. “A ação, que foi pensada em conjunto com todos  os professores, acontece desde o ano passado e tem como objetivo trazer mais discussões étnicas-raciais, feminismo e de gênero para dentro da sala de aula”, conta.


O professor ressalta ainda que a preocupação com a representatividade na funções ocupadas na realização, e nos temas, deve ser seguida pelo olhar criterioso em todos os aspectos da produção. “O filme deve ser bem realizado. O produto deve ir além de ter apenas um bom tema central”, acredita Milton.

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