No domingo (9), às 17h57, o Brasil se deparou com uma bomba jornalística. A versão brasileira do The Intercept deu início a uma série de publicações que revelam conversas pessoais entre o atual Ministro da Justiça, Sérgio Moro, e o procurador da república, Deltan Dallagnol. Das matérias já divulgadas, foram exibidos diálogos entre ambos nos anos de 2015 a 2017.
À época, Moro era o juiz responsável por analisar o caso do Tríplex do Guarujá, que envolve o esquema de corrupção entre o ex-presidente Lula e a empresa OAS. Dallagnol era um dos procuradores que denunciou o ex-presidente.
Mas o que é o The Intercept?
Já conhecidos pelo meio jornalístico, mas ainda novos na visão popular, o The Intercept se autodefine como uma agência de notícias. Ela tem origem americana, tendo sido criada pelo filantropo e fundador do eBay, Pierre Omidyar, em 2013. The Intercept é uma publicação da First Look Media, mas o site também se sustenta com doações e assinaturas digitais. Na terça-feira (11), constavam registradas na publicação 3381 assinaturas e um total mensal arrecadado de R$ 93.029.
De acordo com a pesquisadora da Unisinos, Maria Clara Bittencourt, o The Intercept não pode ser entendido como uma mídia alternativa quando se pensa na maneira como é financiado. Por fazer parte de uma agência, Maria Clara classifica a publicação como de Jornalismo Investigativo. Segundo ela, o site tem um histórico de trabalho com “jornalismo de dados, informações disponíveis online e pedidos de Lei de Acesso à Informação (LAI)”.
Um escândalo internacional
As publicações do site The Intercept Brasil (conhecido também como TIB) já são comparadas aos grandes furos de reportagem, como a icônica entrevista com Pedro Collor de Mello, publicada na revista Veja, que denunciava o irmão, Fernando Collor de Mello. Todo o alvoroço criado culminaria no impeachment do, à época, presidente.
O TIB é um veículo novo, e nos últimos três dias foi responsável por pautar não só todos os veículos da imprensa brasileira, como Folha de São Paulo, O Globo e Estadão, mas alguns dos mais populares no mundo.
O anônimo digital
Alexandre de Santi, editor, repórter do TIB e participante ativo das matérias publicadas no domingo (9), conta que o papel da agência foi apenas receber o material (textos, chats, áudios e vídeos). A fonte anônima, que entrou em contato com Glenn Greenwald (editor fundador e colunista do The Intercept) e outros jornalistas da redação do site será mantida em sigilo – que é um direito constitucional (artigo 5º, XIV, da Constituição Federal).
Segundo Maria Clara, todas as publicações do The Intercept levantam “uma discussão sobre o papel da fonte”. Alexandre também comenta que a pessoa responsável por vazar as informações é um whistleblower (pode ser traduzido como “denunciante”), alguém que, na definição de ambos os entrevistados, decide, por razões pessoais, divulgar informações interessantes e reveladoras para o público, pois elas, em algum nível, afetam diretamente a vida de todo cidadão.
“A democracia precisa desses sujeitos para a gente saber o que está acontecendo nos bastidores, porque isso influencia muita coisa”, Alexandre de Santi.
O repórter imerso em dados
Algumas das pesquisas feitas pelos jornalistas do TIB resultaram em documentos com mais de 1700 páginas. Interpretar e checar a quantidade imensa de dados é um desafio, em especial pelos documentos entregues à agência serem únicos: não há como encontrá-los em outro lugar. Mas, para Alexandre, apurar o conteúdo não representa uma dificuldade: “dentro das conversas, eles se referem a eventos, pessoas reais e fatos que aconteceram, e sobre esses fatos, há documentos públicos com os quais a gente pode checar. A gente faz essa verificação externa sempre que possível”.
Uma das decisões do veículo foi não contatar as pessoas citadas nas matérias antes da publicação das mesmas. Essa escolha rendeu críticas, especialmente por parte dos envolvidos, mas Alexandre ressalta que, no entendimento da agência, os envolvidos são pessoas de muita fama e influência, e havia a chance de uma tentativa de bloquear o conteúdo antes de ele ser vinculado ao público. Para evitar esse tipo de barreira, os repórteres mantiveram-se focados nos documentos e afastados das fontes.
“Não é uma obrigação nossa ouvir o outro lado. Na verdade, é só uma boa prática jornalística, mas não tem nenhuma lei ou coisa do tipo que nos obrigue a fazer”, Alexandre de Santi.
A construção da matéria levou algumas semanas e contou com o apoio dos advogados do TIB e do The Intercept nos Estados Unidos, especialmente para que a agência pudesse definir uma posição geral sobre como tratar todo o material. Alexandre lembra que “tinham muitas questões jurídicas, os nossos advogados leram o material várias vezes, e tivemos muita discussão interna sobre o tom, o que nós estamos apresentando”.
“A nossa intenção foi tentar publicar os diálogos da forma mais direta possível. Dizer o que aconteceu, o que tem ali, mas sem abrir mão de colocar os pingos nos is, de dizer o que está errado, não só reportar de um jeito frio e deixar que o leitor vire-se para entender se é ilegal ou antiético”, Alexandre de Santi.
O que diz Glenn Greenwald
O jornalista Glenn Greenwald ganhou notoriedade após o caso Edward Snowden. Glenn, hoje, é uma das figuras mais conhecidas dentro do The Intercept. Ele vem manifestando-se em entrevistas e redes sociais sobre o caso. Abaixo, estão algumas falas do norte-americano, que vive atualmente no Rio de Janeiro:
“Temos mais materiais envolvendo o papel do Moro na Lava Jato, mostrando que ele é um chefe da força-tarefa, que criou estratégias para botar Lula e outras pessoas na prisão, e atuou quase como um procurador, não como juiz” – Glenn Greenwald, em entrevista ao Uol.
O que diz Leandro Demori
Editor executivo do The Intercept Brasil, Leandro Demori concedeu entrevistas na manhã de segunda-feira (10), às rádios Gaúcha e Guaíba. Abaixo, estão algumas das falas do repórter:
“É direito do público e da população brasileira ser informado de como a Lava Jato operou; muitas vezes, de maneira bastante duvidosa, por trás da máscara de isenção” – Leandro Demori, em entrevista à Rádio Guaíba, transcrita no site do Correio do Povo.
“A gente não está divulgando o tamanho do arquivo, mas é maior que o arquivo (do Edward) Snowden (ex-agente da Agência de Segurança Nacional dos EUA). Só para vocês terem uma ideia, em uma das reportagens a gente fala de um dos grupos, que é dos procuradores da Lava-Jato em Curitiba, que gerou 1.700 páginas de pesquisas. E tem centenas de grupos e conversas” – Leandro Demori, em entrevista à Rádio Gaúcha, transcrita no site da Zero Hora.
“O procurador ontem falou que as conversas são descontextualizada, negou veemente. O contexto está absolutamente claro, os chats são detalhados, extensos, com horários, com data. Não há dúvidas sobre o que eles estão falando. Agora estamos olhando para essas outras histórias” – Leandro Demori, em entrevista à Rádio Gaúcha, transcrita no site da Zero Hora.