Não importa a idade ou a época em que viveu, você, com certeza, já teve alguma briga com seus pais. Conflitos de gerações acabam se tornando parte da rotina de diversas famílias, principalmente, porque os pensamentos entre pais e filhos acabam divergindo. O filme de Jorge Furtado, “Rasga Coração”, trata sobre essa relação. Luca (Chay Suede) acusa o pai, Manguari Pistolão (Marco Ricca) de ser conservador, Por outro lado, Manguari, militante político contra a Ditadura Militar, se vê repetindo as mesmas atitudes do pai – avô de Luca. O filme faz esse paralelismo temporal entre o passado do pai – e os seus conflitos – com o presente do filho, além de contar sobre as diferentes lutas políticas e a história de um país em crise.
“Rasga Coração” chamou a atenção do público e da crítica e foi indicado em duas categorias no 18º Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, sendo elas: Melhor Trilha Sonora, com Maurício Nader; e Melhor Roteiro Adaptado, com Ana Luiza Azevedo, Jorge Furtado e Vicente Moreno. A premiação é organizada pela Academia Brasileira de Cinema e tem como diferencial o fato de que é votado pelos profissionais da área. Ou seja, é artista reconhecendo o trabalho de artista.
O Mescla conversou com um dos roteiristas do filme, o professor e coordenador do Curso de Realização Audiovisual (CRAV), Vicente Moreno. “Dá um certo calorzinho no peito ver que o trabalho tem algum reconhecimento”, comenta.
Aluno da primeira turma do CRAV, Vicente, que é mestre em Comunicação, diz que sua carreira está alicerçada em três especialidades: direção, montagem e roteiro, disciplinas que ele também ministra no curso. Em Rasga Coração, o professor conta que o processo de construção do roteiro, diferente do que muitos pensam, não é nada solitário e sim, coletivo. Junto com Jorge e Ana Luiza, Vicente participou do intenso trabalho de adaptação do roteiro original, já que “Rasga Coração” é uma adaptação de uma obra dos anos 70 de Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha.
Vicente conta que ver o projeto saindo do papel foi uma das partes mais emocionantes de todo o processo. Era novembro do ano passado, logo após as eleições do segundo turno, e o roteirista assistia o filme em público pela primeira vez, no Festival do Rio.
“Era um momento de extremo pessimismo entre a classe artística, por razões óbvias, mas, ao mesmo tempo, tinha uma espécie de chamado para a resistência, de esperança”, relata. Ainda sobre a experiência, ele conta que a melhor parte foi ver as coisas na tela e com outras pessoas, “me deu mais orgulho e carinho pelo projeto”.
Na montagem, mais um professor do CRAV
A montagem é a arte de juntar pedaços e gerar sentidos, diz o professor Giba Assis Brasil. Giba montou “Rasga Coração” e diz que um desafio adicional do trabalho foi a mistura de épocas. A adaptação trouxe o presente da peça, nos anos 70, para o presente dos dias atuais. Para Giba, essas diferenças temporais, que estavam descritas no roteiro, foram potencializadas pela filmagem e pela montagem. Ele conta que o processo exige que o filme seja visto muitas vezes, mas no caso de “Rasga Coração” a repetição não foi suficiente para esgotar o tema: “tem algumas cenas que nunca deixaram de me emocionar, acho que isso significa que ficou bom”, conta.
Entre o mercado e a academia
Apaixonado pelo curso, Vicente tem bastante proximidade com os alunos. Para ele, uma das grandes vantagens do CRAV é ter professores ativos no mercado “isso oxigena as aulas”, completa. As aulas refletem esta mistura “a gente começou a fazer um processo de escritura de série com os alunos e eu resolvi implementar um modelo de sala de roteiristas: dividir os alunos em quatro salas para ficarem debatendo as ideias em um quadro branco”, conta o professor de roteiro.
As experiências profissionais de Vicente tem impacto nas aulas dele “nada mais fresco do que vir com as tuas inquietações profissionais, como artista, e compartilhar com os alunos”.
Giba contou que também procura demonstrar o quanto gosta do assunto que está tratando, e como ele organizou o conhecimento “meus trabalhos são uma referência insubstituível para mim, mas, pros meus alunos, o que vale é o que estão assistindo no cinema e como isso se relaciona na vida deles”. Dessa forma, os projetos do Giba se refletem nas aulas, mas são uma referência entre muitas outras.
“Rasga Coração” foi assistido por diversas pessoas nas sessões ao redor do Estado. Os ex-alunos de Jornalismo da Unisinos, Fernanda Salla e Anderson Guerreiro, estavam presentes na sessão que ocorreu na Cinemateca Capitólio e contaram um pouco do que acharam do filme. “Ele é muito contemporâneo, apesar de ser baseado em uma obra do século passado”, conta Fernanda. Além disso, ela acredita que o filme é rico no desenvolvimento dos personagens. “A gente consegue se ver em todos eles e isso é interessante, porque são seres humanos e seres humanos têm contradições”, completa.
Tanto Fernanda, quanto Anderson saíram da sessão impactados e com um desejo de debater sobre o filme e os assuntos tratados. “É sempre um incômodo bom sermos confrontados com questões que nos rondam de maneira mais ou menos próxima”, revelou Anderson.