Deu certo

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“A democratização da moda é um caminho longo e difícil”, acredita Rener Oliveira
"Redator-chefe da Nordestesse, o jornalista compartilha experiências e perspectivas sobre a moda brasileira"
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Por Laura Santiago (*) 


Rener Oliveira, 25 anos, trabalha com comunicação desde 2013, e já atuou em áreas diversas, como assessoria de imprensa, social media, portais de moda e notícia, revistas, coluna social e audiovisual. Morador de Natal, no Rio Grande do Norte, atualmente ele é redator-chefe da Nordestesse, plataforma colaborativa que busca fomentar a Indústria Criativa no Nordeste, com foco em moda, design, artes visuais, gastronomia e hotelaria.  


Formado em Jornalismo pela Universidade Potiguar (UnP) e pós-graduando em Comunicação, Marcas e Consumo, Oliveira relembra o começo da trajetória profissional e fala sobre os principais desafios do jornalismo de moda atual, desde apropriação cultural até as relações do jornalismo com a publicidade. A entrevista foi realizada de forma remota. Confira: 


Laura – Qual a sua primeira memória com o jornalismo de moda? 

Rener – A memória mais antiga vem da infância. Na loja da minha tia, que revendia peças da Colcci, a gente recebia muitas revistas institucionais. Na época, a Gisele [Bündchen] era garota-propaganda da marca, e uma das capas me marcou. Guardo ela até hoje. O contato com os textos das revistas despertava em mim esse interesse por jornalismo, mesmo que eu ainda não soubesse disso, de maneira indireta. Minha paixão sempre foi moda, e quando vim morar em Natal, a faculdade de Moda já não existia mais. Uma das recordações mais importantes e significativas é de quando compareci a um evento no Teatro Riachuelo, em 2013. Através de um amigo que trabalhava lá, fiquei sabendo que estava acontecendo o movimento HotSpot, uma incubadora de novos talentos que existia dentro da SPFW [São Paulo Fashion Week]. Era uma feira itinerante que rodava algumas capitais do Brasil. Então, com 16 anos, coloquei em uma pastinha meus desenhos de moda e fui. Lá, conheci nomes importantes, em especial o Paulo Borges, idealizador do SPFW. Foi graças ao evento HotSpot também que tive a minha primeira oportunidade de escrever sobre moda através de uma indicação. Então, passei a me interessar e me encontrar cada vez mais no jornalismo. 


Laura – Durante o período de formação, você já sabia em que área do jornalismo queria atuar? 

Rener – Dentro da faculdade, eu fazia de tudo para falar sobre moda, mesmo que, às vezes, eu fosse quase “obrigado” a variar o assunto. Embora nunca tenha existido pretensão alguma de atuar em qualquer outra área dentro da comunicação, me permiti tentar [outras], mas percebi que aquilo não era o que eu queria por não me identificar. 


Laura – A moda brasileira se concentra no Sudeste, em São Paulo, mais especificamente. Como é para você acompanhar a ascensão do Nordeste como um polo promissor no Brasil? 

Rener – Tem sido um momento de redescoberta para mim também, pois eu estaria mentindo se dissesse que sabia de tudo que existe no Nordeste depois que comecei a trabalhar para a Nordestesse. Acho que vivemos tanto a nossa própria rotina que, muitas vezes, não dá tempo de você explorar. Nesse momento, a Nordestesse tem sido um grande marco para mim, pois estou descobrindo e aprofundando um conhecimento que até então era muito superficial. Hoje, vejo essa ascensão da moda “made in Nordeste” já nascendo grande, com potencial. Entendo que a Nordestesse vai ser uma das grandes responsáveis por redescobrir a região, porque toda essa influência que a Daniela Falcão [idealizadora da plataforma digital] tem devido, principalmente, à sua trajetória, impulsiona esse movimento. O eixo Rio-São Paulo ainda é muito forte, mas já é, sim, possível perceber a inserção do Nordeste na Fashion Week, por exemplo. Marcas nordestinas, designers pretos estão ganhando espaço. Apesar de ser apenas um começo, ele já é muito bacana. E não se limita ao Brasil, pois a moda nordestina já marcou presença na semana de moda de Milão [Itália]. Outra preocupação é que as marcas do Nordeste não reconhecem seu próprio valor, dessa forma acabam desvalorizando seu trabalho. Estamos em um momento de efervescência, para que esses impactos sejam gerados de uma maneira confortável para toda a cadeia de produção, não só para quem vende, mas para quem faz também. 


Laura – Qual o limite da apreciação e da apropriação cultural? 

Rener – É um assunto muito delicado, pois existe uma linha tênue. Vemos essa cultura de perfis de denúncia, como o Diet Prada, que acabam promovendo um certo linchamento virtual do qual eu não concordo. Meu questionamento é muito sobre a valorização dos símbolos. Muitos dizem que não foi o Nordeste que inventou a xilogravura, ou até mesmo a bolsa de crochê, ou a sandália de couro, mas são símbolos que estão totalmente ligados à nossa cultura. Inspiração existe, não tem como negar, pois, na moda, praticamente tudo já foi criado. Então, creio que o limite entre apreciação e apropriação seja justamente a dosagem, é você saber “beber” daquela fonte, mas sem fazer igual. 


Laura – A moda, tanto no Brasil como no resto do mundo, sempre foi elitista e excludente. Com o “boom” das redes sociais, em especial o TikTok e o Instagram, o debate sobre moda alcançou um público muito maior e variado, mas ainda assim é nítida a falta de uma democratização. O que falta para isso acontecer e qual o papel do jornalismo nessa busca? 

Rener – Acredito que essa democratização não vai acontecer tão rapidamente como imaginamos. É um caminho longo e difícil. Antes de chegar às pessoas, existe uma cadeia de processos enorme, existem fatores financeiros altíssimos. Como fazer uma calça que seja democrática em seu acesso, mas que também seja confortável para cadeia produtora? Assim como Ronaldo Fraga já citou há alguns anos, não tem como você comprar um tênis ou uma calça por 30 reais sem ter sangue nela. Por isso, acredito que a democratização acontece quando as marcas entendem seu papel na pirâmide. A democratização vai muito mais para o lado social, para o lado do acesso à informação. O papel do jornalista nessa busca percorre um caminho muito perigoso e solitário. Se esse profissional tem coragem para levantar essas questões, ele vai viver sempre naquela linha. O jornalismo de moda brasileiro atual praticamente não existe. Não existe crítica de moda, a um desfile, a um estilista, isso não existe mais! Durante meu período no ClubHouse junto de personalidades da moda nacional, vários jornalistas apareceram e tenderam para um lado muito mais publicitário, em virtude do dinheiro. A moda é uma bolha, e as conversas rolam lá dentro! Existe essa carência do que o jornalismo já foi antes das influenciadoras: crítico e que ditava tendências.


Laura – Você acredita que existe ainda espaço para esse jornalismo crítico voltar

Rener – É o que eu vivo. Trago meus pensamentos para as minhas publicações de uma maneira que eu vejo o mundo, e acredito que poderia ser uma maneira melhor de trabalhar. O jornalismo independente traz críticas, mas esse espaço em portais e veículos tradicionais não vai mais dar lugar a esse tipo de conteúdo, mantendo essa superficialidade.

 


Laura – Como funciona a rotina do jornalista independente? 

Rener – Eu não tenho rotina, na verdade. Minhas publicações fluem muito. Existem dias em que eu não consigo achar uma pauta. Não é algo pragmático. Acredito que o principal desafio do jornalismo digital esteja relacionado ao fator financeiro. O meu caso se difere, pois não vivo exclusivamente do meu Instagram. Tenho outro trabalho para além da moda. Sou gerente de marketing digital em uma rede de supermercados e, pontualmente, atuo como assessor de imprensa e social media. A rotina conta muito com o apoio de quem lê e consome o seu conteúdo.


Laura – As revistas ainda exercem influência no público? 

Rener – Elas estão passando por um momento de ressignificação, no sentido de ninguém mais acreditar naquela modelo belíssima na capa, mas nas páginas internas, o conteúdo ser pura publicidade. Eu acho que existe, sim, essa relevância, até por essa questão dos títulos. Quem é que não quer trabalhar em uma Vogue, Elle ou Harper’s Bazaar? Existe essa autoridade. No entanto, acho que as revistas devem se adequar a essa nova realidade, e atender a necessidade de um conteúdo significante. Quando houver o discernimento entre o que é apenas publicidade e o que são pautas com um significado real, essa relevância para o seu público com certeza será retomada. Claro que a publicidade é necessária, tudo é muito caro, mas existe uma equipe para atender, deslocamentos, a produção em si, enfim, por isso também busco entender esses dois lados. Ainda assim, precisamos cobrar um direcionamento mais urgente para essas publicações.  


Laura – As poucas referências que temos sobre jornalismo de moda são produções de cinema super glamourizadas, como, por exemplo, o filme “O diabo veste Prada”. Quais os principais diferenças dessas romantizações com a realidade? 

Rener – Na verdade, não é tanta romantização. O “Diabo veste Prada” existe de várias maneiras. Para mim, isso é muito tranquilo, no sentido de saber o que eu quero, o que eu suporto e o que eu não aceito. Já trabalhei com uma personificação da Miranda Presley – protagonista do filme –, mas não me atingia, porque não levava isso para casa. A romantização da moda existe, e podemos ver isso em “Cruella”, “A baronesa”, e na própria Miranda, que, quando analisamos por outro lado, enxergamos uma pessoa totalmente fragilizada. Existem coisas inaceitáveis, mas ou você se blinda dessas situações e foca no progresso ou não consegue seguir em área alguma. Nossa geração está passando por uma fragilidade muito grande, na qual as pessoas não aceitam críticas. Nenhum trabalho é perfeito. Cabe à pessoa discernir uma situação ruim antes de julgar o próximo como um indivíduo tóxico. Temos que começar a ser mais realistas e não pensar em utopias dentro da moda e na comunicação. 


Laura – Olhando para o começo da sua trajetória profissional, lá em 2013, no Movimento HotSpot, se você pudesse alterar algo, faria alguma coisa diferente? 

Rener – Me dedicaria mais em algumas circunstâncias nas quais não me dediquei. Mas, como um todo, não faria nada diferente. Cheguei até aqui graças à soma de tudo que passei. Meus dramas, as pessoas que me passaram a perna, as que não foram legais, enfim, tudo isso me fortaleceu. O meu “eu do passado” está muito feliz com o do presente, porque tudo é uma construção, um aprendizado. Questões pessoais, como a separação dos meus pais, depressão da minha mãe, mudança de colégio, a faculdade que ingressei através de programas públicos, todas essas realidades que eu vivi me fizeram ser quem eu sou hoje. 


Laura – Você daria um conselho para quem está começando a trajetória no jornalismo? 

Rener – Se especialize! A concorrência existe e, para você se destacar, não precisa estar necessariamente em uma revista. Pautei minha carreira na garra, através da minha voz. Não é do dia para noite. Tenha material, tenha um portfólio, isso vai gerar oportunidades! Ou você está preparado e agarra essa oportunidade ou alguém vai fazer. A comunicação é uma área incrível, trabalhamos com a emoção, com pessoas! 


Laura – Gostaria de indicar um livro ou filme sobre o tema? 

Rener – Acredito que ainda tenha na Netflix o documentário sobre Franca Sozanni, editora da Vogue Itália entre 1988 e 2016, “Franca: caos e criação”. Ela trabalhava moda criticamente em um lado sentimental. É muito mais do que apenas moda, é sobre informar e informar de uma maneira não óbvia, passar uma mensagem poderosa e excluir esse estigma da moda como futilidade. E indicação para livro seriam as obras de André Carvalhal, ele é incrível! 


(*) Aluna de Jornalismo. A matéria foi produzida originalmente no segundo semestre de 2021 para a disciplina de Profissão Jornalista. Todas as informações foram atualizadas recentemente por Laura. 

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