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#moda #roupas virtuais #tecnologia
Você já ouviu falar em roupa virtual?
"Surgida no mundo dos games, a moda para uso estritamente digital atrai a atenção do público e de marcas consagradas"
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As roupas digitais talvez sejam o que há de mais inovador no campo da moda e se apresenta como aposta de negócio lucrativo nesse setor. Para termos uma ideia de como esse movimento está crescendo, famosas e renomadas empresas já apresentaram coleções que só existem e são comercializadas virtualmente. Isso mesmo! Quem comprar não poderá usá-las para sair na rua ou para se proteger do frio. Esse tipo de vestimenta só é uma experiência possível na internet. A grife italiana Gucci, por exemplo, criou alguns projetos com esse conceito. Em 2021, ela lançou um tênis que só pode ser usado nas redes sociais como um filtro. Além disso, a Gucci também colocou à venda exclusivamente na plataforma de games Roblox uma bolsa com valores entre 1.578 e 4.115 dólares.

Tênis The Gucci Virtual 25 é vendido pelo app como filtro para foto por 12 dólares (Instagram/Wanna Kicks)

Bolsa Dionysus à venda em plataforma de jogos online (Roblox/Divulgação)


O conceito de roupas virtuais fez com que novas empresas especializadas no tema fossem fundadas nos três últimos anos. É o caso da marca holandesa The Fabricant e da ucraniana Dress X. Em seus sites, os dois empreendimentos entendem roupas digitais como uma nova forma de se expressar através da moda, preocupada com sustentabilidade e com maior potencial criativo. 

O vestido vendido pela The Fabricant por 9.500 dólares também é usado como filtro para fotos (The Fabricant/Divulgação)


O preço das roupas da Dress X vão de 20 a 200 dólares (Dress X/Divulgação)

Mas é importante ressaltar que esse movimento, apesar de estar experimentando o seu auge durante a pandemia, surgiu a partir do começo do século 21, principalmente com a popularização do game Second Life, por volta de 2006, como conta o especialista em desenvolvimento de jogos Vinícius Cassol. “O jogo tem a proposta de ser uma simulação de sociedade, na qual você cria um avatar (personagem) do jeito que desejar e sociabiliza com outras pessoas através dele. Então, o jogador fica livre para personalizar seu personagem, seja na parte física ou na escolha das roupas”, explica Cassol, que é consultor de TI e criatividade e já coordenou o curso de Jogos Digitais da Unisinos. “Entendo que a criação do avatar seja uma forma de expor a personalidade da pessoa que está jogando. Por esse motivo, o uso das roupas pelos avatares se tornou tão importante”, reflete. A coordenadora do curso de Jogos Digitais do Senac-SP, Beatriz Blanco, entende que as roupas virtuais ganharam mais prestígio nos últimos dez anos também com games, principalmente com League of Legends e Fortnite. “Nesse tipo de jogo, é possível personalizar seu avatar através das skins, que é basicamente o que veste cada personagem, as suas roupas”, descreve Beatriz. 

Quando estava no auge, Second Life tinha mais de 600 mil jogadores simultâneos logados em todo o mundo. Hoje em dia, a média é de 60 mil (Second Life/Divulgação)


A professora explica que esse formato de jogo é, geralmente, adquirido de graça. Porém, as roupas dos personagens (as skins) não. Elas são chamadas de “itens cosméticos”. São acessórios que não são obrigatórios para jogar determinado game. As primeiras skins eram pensadas por temas. Eram roupas que homenageavam bandas, animes e filmes famosos. “O preço médio de cada skin, hoje em dia, varia entre 30 e 50 reais. É um mercado de diferenciação e experiência que gera muita arrecadação para os desenvolvedores”, observa Beatriz.  


A professora conta que, pela popularização e monetização gerada com o mercado de roupas para personagens de jogos online, nos últimos anos, grandes marcas especializadas em moda passaram a enxergar os games e o mundo geek com outros olhos. “A moda está começando a entender isso como uma oportunidade de mercado. As famosas grifes estão entrando nesse segmento muito porque videogames e geeks passaram a fazer parte do mainstream”, avalia Beatriz. Um exemplo é a produção e idealização de skins para o jogo League of Legends feito pela empresa francesa de moda Louis Vuitton.

Parceria entre Louis Vuitton e League of Legends existe desde 2018 (Divulgação/Louis Vuitton)


“No mundo virtual, não existe limitação. As pessoas não se deram conta desse potencial”


Para a professora do curso de Moda da Unisinos Paula Visoná, o movimento de roupas virtuais é irreversível. “Elas vieram para ficar. Não é algo passageiro, pois não está ligado ao produto, mas ao comportamento da sociedade”, acredita. Paula entende que a pandemia ajudou a acelerar esse processo de evolução. “Já que a circulação de pessoas nas ruas diminuiu e elas começaram a, cada vez mais, ‘viver’ no mundo online, dos jogos e das redes sociais, as marcas precisavam manter o contato com seus clientes. Isso explica o crescimento exponencial das roupas exclusivas para games ou como filtros para fotos no Instagram”, destaca. 


No entanto, mesmo entendendo que as roupas virtuais são o futuro da moda, Paula ainda vê um movimento de criação feito de forma muito conservadora por parte das grandes empresas. “Creio que o que está sendo levado para o virtual ainda é muito parecido com o que vemos no cotidiano com as roupas físicas reais. Ainda estou achando bem careta. No mundo virtual, não existe limitação de cor ou material. As pessoas não se deram conta desse potencial”, diz a professora, que projeta a mudança vindo dos consumidores, e não das marcas. 


Adriana Amaral, também professora do curso de Moda da Unisinos, vê as roupas virtuais como uma oportunidade de avanço na moda e na sociedade. “O movimento ajuda a mostrar que a moda é mais do que somente peças de roupas. É estilo de vida. Além disso, as roupas digitalizadas contribuem para uma mudança nas representações dos corpos na moda. Pode ser uma oportunidade para desconstruir padrões de beleza impostos”, afirma. 


A comunidade acadêmica e o olhar para novos movimentos na moda


Paula leciona disciplinas que abordam as novas tendências e afirma que a academia deve discutir o mais rápido possível temas sobre tecnologia na moda. “Teremos que incluir, por exemplo, aulas e disciplinas que falem de animação e uso de tecnologias de forma criativa na moda”, sugere a professora. 


Beatriz já percebe esse avanço na discussão ocorrendo entre os alunos. “Já participei de algumas bancas no curso de Moda como professora convidada para trabalhos sobre estilistas e figurinistas digitais para jogos. Mais uma tendência e nova profissão no mercado”, conta ela, que é também doutoranda em Comunicação na Unisinos. 


A tecnologia na moda também é assunto das produções de pesquisa na Unisinos. Bárbara Linhares, estudante de Publicidade e Propaganda, produziu seu TCC sobre tecnologias emergentes na moda. “Pesquisei bastante sobre iniciativas na moda que usam novas tecnologias. Percebi que as marcas estão começando a entender que devem ir além de apenas vender peças de roupas, devem estar sempre inovando seu conteúdo”, reflete a aluna. “A transformação digital está aí. Não tem para onde correr. Pra mim, ela vai democratizar a criação de tendências e, cada vez mais, as roupas serão projetadas para terem funcionalidades tecnológicas, além de apenas focarem no estilo”, acredita Bárbara.

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