O mercado de jogos está num ótimo momento e um dos motivos é a modificação dos hábitos de vida imposta pelo isolamento social. E o Rio Grande do Sul vem se constituindo como um polo importante para a produção nacional, sendo um dos estados com maior número de empresas na área. Um dos trabalhos importantes neste campo, é o de programação de gameplay, função desempenhada por Alice Abreu.
Alice é egressa do curso de Jogos Digitais da Unisinos e programadora da Aquiris, uma das principais empresas gaúchas de criação de jogos. O Mescla foi conversar com a Alice para entender como ela iniciou sua trajetória como programadora num espaço tão competitivo e ainda tão dominado pelo gênero masculino. Vale a pena ler.
Mescla: Qual o seu trabalho atual e como ele se desenvolve?
Alice Abreu: Atualmente trabalho na Aquiris, como programadora de gameplay. O gameplay de um jogo é formado por todas as possibilidades de ações que o jogo oferece ao jogador. Essas ações são definidas pelos game designers, e o time de programadores de gameplay trabalha implementando todas essas possíveis ações que o jogador pode ter dentro do jogo, como movimentação, interação com outros personagens e itens, etc.
Mescla: Nos fale um pouco sobre a sua trajetória.
Alice Abreu: Então, meu contato com tecnologia começou no ensino médio, pois me formei no Técnico Integrado em Informática (ensino médio e técnico juntos) no Ifsul Campus Charqueadas. De lá, eu sabia que queria seguir na área de TI, e então estava pesquisando quais cursos existentes e olhando o currículo deles, pra ver qual me agradava mais. Em 2013, no último ano do ensino médio, eu estava apresentando um projeto científico na Mostratec, em Novo Hamburgo, e várias empresas de jogos estavam apresentando seus trabalhos. Uma delas era a Aquiris, que estava expondo o Ballistic, um dos projetos dela na época.
Foi conversando com a pessoa que estava disponível para falar com os visitantes da feira que eu pude conhecer mais sobre o universo de jogos e descobrir que existiam alguns cursos voltados para o desenvolvimento de jogos aqui no RS, o que eu ainda não sabia na época. Pesquisei por esses cursos e me apaixonei pelo currículo do curso de Tecnologia em Jogos Digitais, na Unisinos.
Ingressei na Unisinos em 2014 e no final de 2017 finalizei o curso. Desde o início de 2018 comecei a procurar por oportunidades na área de jogos e foi então que conheci a Kobe. Uma startup focada no desenvolvimento de aplicativos para smartphone e também experiências com realidade aumentada e virtual.
Em abril de 2018 ingressei para o time da Kobe como desenvolvedora de jogos e trabalhei lá até junho de 2020. Participei de desenvolvimento de jogos, e também experiências de realidade virtual lá, e foi uma experiência incrível, de muito crescimento profissional e pessoal também. Aprendi muito tecnicamente e também fiz muitas amizades.
Em junho de 2020 parti para uma nova oportunidade, desta vez na Aquiris, a empresa através da qual eu conheci o curso de jogos. Sempre tive a Aquiris como referência e ter a oportunidade de poder contribuir nos projetos da empresa que me inspirou a fazer jogos é muito incrível. Apesar de estarmos todos distantes, trabalhando de home office devido a pandemia, fui muito acolhida desde a minha chegada e mal posso esperar para conhecer todos os meus colegas pessoalmente.
Mescla: Quais os seus hobbies?
Alice Abreu: Gosto de jogar videogames no tempo livre (obviamente hahaha), ler livros, assistir séries e filmes, andar de bicicleta e quando voltar a ser possível (né Covid?), sair com os amigos e viajar.
Mescla: Quais seus projetos futuros?
Alice Abreu: Pretendo fazer um intercâmbio no Canadá para estudar inglês e conhecer Vancouver, cidade que sou fã pelas paisagens e imensa variedade cultural. Além disso, quero ganhar mais experiência técnica como programadora de gameplay, que é uma área que eu estou adorando trabalhar, para quem sabe no futuro poder ajudar programadores juniores a se desenvolver tecnicamente e crescerem também.
Quero continuar ajudando na organização da Women Game Jam e contribuir para o crescimento do evento. Se eu puder passar motivação e conhecimento para que cada vez mais mulheres entrem para a área de jogos, estarei feliz.
Mescla: Como você avalia o mercado de games gaúcho?
Alice Abreu: O mercado de jogos gaúcho está a pleno vapor, eu diria. Temos mais de 100 jogos desenvolvidos no estado, e temos empresas daqui que são referências em todo país.
Em 2018, o RS já era considerado o quinto estado do Brasil com maior número de empresas de jogos, e esse número não para de crescer. Além disso, temos muitos cursos de desenvolvimento de jogos no estado, então o número de profissionais na área está sempre aumentando.
Ainda são cursos novos, e muita gente ainda não conhece o curso quando você comenta que se formou em Jogos, mas o pessoal está vendo que cada vez é algo que está crescendo mais e mais, e que profissionais dessa área certamente terão oportunidades tanto dentro como fora do país.
Mescla: Você acredita que este é um ambiente com oportunidades de emprego? Por quê?
Alice Abreu: Acredito que sim. Ainda mais durante a pandemia, em que os jogos se tornaram um dos principais meios de entretenimento do pessoal que está ficando em casa. Há muitos projetos em desenvolvimento e diversas vagas são divulgadas todos os dias em redes sociais como o LinkedIn, por exemplo.
O mercado está precisando cada vez mais de novos projetos disponíveis para o público que está ansioso por novidades em casa, e acho que isso não só mantém os projetos que estão em desenvolvimento ativos, como cria oportunidades de novos projetos serem lançados e isso sempre traz novas vagas disponíveis, pois com a demanda de projetos, surge a demanda de profissionais.
Mescla: Como as mulheres se encaixam neste cenário?
Alice Abreu: As mulheres infelizmente ainda são minoria no mercado de jogos, mas buscamos mudar esse número. Segundo o II Censo Brasileiro da Indústria de jogos, desde 2013 o número de mulheres trabalhando com desenvolvimento de jogos no Brasil triplicou, mas ainda assim, segundo esse mesmo censo ainda somos 20% dos profissionais que desenvolvem jogos no Brasil.
Mulheres gostam de jogar (segundo a Pesquisa Game Brasil 2019, mais de 50% do público que joga videogame no Brasil são mulheres) e mulheres querem trabalhar desenvolvendo jogos. Porém, o ambiente não é muito acolhedor. Temos notícias de diversas empresas internacionais com líderes sendo denunciados por assédio a colaboradoras, ou colegas fazendo listas “das mais gostosas da empresa”, e isso é muito complicado. Inclusive durante a faculdade, muitas vezes mulheres são assediadas pelos colegas, não têm suas ideias ouvidas, enquanto outro colega quando diz a mesma coisa, é reconhecido e elogiado dentro de um grupo. E isso é muito desencorajador. Temos colegas que não vão até o final do curso pela toxicidade do ambiente, e quando vão, muitas vezes encontram o tóxico na indústria.
Mas, estamos trabalhando para mudar esse cenário. Desde quando eu estava na faculdade, fazia algumas palestras sobre o assunto. Falando sobre como as mulheres estão presentes no mercado de jogos (e de computação) em geral, desde o seu início e também contribuíram de forma muito forte para o seu desenvolvimento. Desde os anos 80 estamos contribuindo com a indústria. Um dos eventos em que já tive o prazer de palestrar foi a Women Game Jam, uma maratona de desenvolvimento de jogos voltada para mulheres e pessoas não binárias. É divulgado um tema no início do evento, e as participantes têm um certo tempo para desenvolver um jogo que aborde aquele tema. Em 2020, tive a felicidade de ingressar no time de organização do evento, como organizadora nacional do Brasil e também colaborei na organização do evento na América Latina. Realmente é muito incrível fazer parte da organização de um evento assim, pois pode ser o primeiro contato de mulheres com a área de jogos, ou quem sabe a chance de uma pessoa mais experiente que geralmente é a única mulher da equipe, conhecer outras mulheres que também trabalham no mercado, e ter esse conhecimento de podemos ser poucas nas nossas equipes, mas somos muitas no geral.