Especial

#bots #jornalismo de dados #Robô #Twitter
Em terra de Twitter, quem reina é o bot
"Robotox, Rui Barbot e Fátima bot são robôs que auxiliam na checagem de dados e na supervisão do poder judiciário"
Avatar photo

No jornalismo brasileiro, três Bots desbravam um território virtual chamado Twitter. São eles: Robotox, Fátima Bot e Rui Barbot. Esse trio de bots são repórteres em tempo integral que fazem vigilância constante na plataforma mencionada. Robotox é freelancer na Agência Pública, Fátima trabalha para a Aos Fatos enquanto Rui presta serviço ao site O JOTA.

Um estudo de 2012 da International Data Corporation (IDC), intitulado “A Universe of Opportunities and Challenges” (Um universo de oportunidades e desafios – livre tradução), traz a estimativa de que em 2020, o volume de dados na internet terá crescido até alcançar a margem de 40.000 Exabytes – equivalente a 40 trilhões de Gigabytes. Outro estudo, este da IBM, criou um infográfico que apresenta outro dado sobre 2020: 35 zettabytes (4,13 trilhões de gigabytes) serão gerados anualmente a partir dessa data.

Todos esses números indicam uma coisa: o repórter que atua com jornalismo de dados nunca deixará de ter trabalho. Isso não precisa ser um problema, ainda assim, enquanto o profissional interpreta toda essa informação, uma ajudinha é sempre bem-vinda. E essa ajuda pode se materializar na forma de um Bot.

Robô dizendo olá em inglês
Ilustração: Reprodução

Como todo Bot, Robotox, Fátima e Rui nasceram da criatividade de três mentes humanas. O primeiro, das ideias do designer e desenvolvedor, Babak Fakhamzadeh. Ela, do consultor de dados e tecnologias, Pedro Burgos. O último, do editor e cientista de dados, Guilherme Jardim Duarte.

Tá… mas o que é Bot?

Bots são robôs. O termo é uma abreviação da palavra em inglês (robot). Mas eles não têm corpo físico, por isso não se assemelham àqueles figurões do cinema, como o Exterminador do Futuro ou C-3PO. Bots existem no mundo virtual, na grande rede. Pode parecer estranho, mas as chances de conviver com um Bot, hoje, são grandes – e as chances de pelo menos um deles viver no teu smartphone talvez sejam ainda maiores. Alguns dos Bots famosos pelo mundo são Siri (Apple), Cortana (Microsoft), Alexa (Amazon) e, para abrasileirar a competição, tem a Magalu (Magazine Luíza).

É complicado encontrar uma definição exata para o que é um Bot. Se jogar essa palavra no dicionário Informal ou no Aurélio, as respostas não são exatamente satisfatórias:

Dicionário informal / Imagem: Reprodução
Dicionário Aurélio / Imagem: Reprodução

Mas é possível, sim, explicá-los. Bots são robôs programados para cumprir uma função. Essa função pode ser conversar com alguém para cumprir um objetivo (caso da Siri), atender um cliente (Magalu) e analisar dados e informações (Fátima e Rui). Eles substituem o ser humano em tarefas extremamente mecânicas ou em algum trabalho que levaria muito tempo para ser feito, afinal a capacidade processual e a agilidade de um bot supera a humana com facilidade.

Fátima e Rui são dois exemplos de como o jornalismo brasileiro pode se apropriar de técnicas pertencentes a outras áreas, e utilizá-las para si. A dupla atua no Twitter, uma rede social que permite acesso parcial a sua API. API significa Interface de Programação de Aplicativo. Essa interface permite que programas distintos conversem uns com os outros – como se cada um deles tivesse um número de telefone e a API é o sinal. Nessas conversas, são trocadas informações.

Rui e Fátima são programas que acessam o Twitter através da API. É dessa maneira que eles podem utilizar bancos de dados, comparar informações e publicar na plataforma – ou até conversar com os perfis que dela fazem parte.

Com vocês: Robotox

Do trio de bots, a iniciativa mais recente foi a criação do Robotox. Ele surgiu de uma parceria entre a Agência Pública e a Repórter Brasil. Ele publica no Twitter, diariamente, todas as vezes em que o governo federal concede liberação para uso de um novo agrotóxico.

Foto de Babak Fakhamzadeh
Babak Fakhamzadeh , criador do bot Robotox / Foto: Reprodução

Robotox é estrangeiro, foi criado em linguagem PHP (Hypertext Preprocessor) por um holandês que reside no Brasil há mais de 3 anos. Babak Fakhamzadeh tem 45 anos, o português carregado de sotaque (até na escrita), é mestre em ciências (Masters of Science, no original) em matemática e atua como freelancer em design e programação. Ele é responsável por quase todas as “coisas online” da Pública.

Segundo Babak, o Robotox surgiu de uma necessidade. “Queríamos fornecer acesso fácil a informações sobre quais agrotóxicos são autorizadas para uso na indústria alimentícia no Brasil”. Ele também ressalta que essas informações são públicas, mas não possuem fácil acesso.

Robotox / Ilustração: Bruno Fonseca – Agência Pública

O trabalho do bot é unicamente publicizar essas informações. Ele não faz value statement (declarações de valor, em tradução não literal).

“Estamos preocupados com a extensão em que as agrotóxicos podem ser usadas no Brasil. As informações publicadas pelo bot tornam mais fácil para aqueles que estão interessados investigar mais, jornalistas ou não”, conta Babak.

Robotox não interage com os usuários. Algumas vezes ao dia, ele verifica o Diário Oficial da União e analisa os textos disponibilizados. Cada um desses processos leva, em média, uma hora. O Twitter, de acordo com Babak, não apresenta dificuldades. O maior problema do bot é a análise de linguagem (Natural Language Processing), pois é dessa maneira que o robô interpreta as publicações governamentais.

Publicações do Robotox no Twitter / Imagem: Reprodução
Publicações do Robotox no Twitter / Imagem: Reprodução

“Acho que a maior conquista do bot é que ele reduz a barreira para o público, para participar do debate sobre o uso de agrotóxicos no Brasil”, comenta Babak.

Com vocês: Fátima

Um dos grandes desafios de agências de checagem é manter um diálogo com perfis que compartilham notícias falsas. Foi esse o pensamento que Pedro Burgos teve enquanto trabalhava com a API do Twitter. Com isso em mente, ele iniciou um projeto que, no futuro, criaria a Fátima Bot.

Fátima respondendo perfis no Twitter / Imagem: Reprodução
Fátima respondendo perfis no Twitter / Imagem: Reprodução

A Fátima é integrante da Aos Fatos, uma das maiores agências de checagem de informação do país. Cofundadora do site, Tai Nalon conheceu Pedro em um encontro sobre jornalismo de dados feito pela Google. Tai se interessou pelo projeto do Pedro e assim teve início a parceria.

Pedro Burgos, criador do bot Fátima / Foto: Reprodução

Para entender como a Fátima funciona, é preciso compreender a Aos Fatos. Além das checagens, a agência possui debunkings (não existe uma tradução exata do termo para o português, mas a palavra simboliza o ato de desmentir boatos). A função da agência é checar e desmentir informações, armazenando os resultados em seu próprio site. Essas checagens servem para refutar informações falsas compartilhadas por usuários no Twitter. A ligação entre o site e a rede social é a Fátima.

Segundo o próprio Pedro, uma maneira simples de entender esse bot é pensar numa planilha do Google Sheets (que é o irmão do Microsoft Excel, mas de mães diferentes).

Exemplo de uma planilha do Google Sheets
Exemplo das colunas do Google Sheets / Imagem: Reprodução

Em uma das colunas estão os links das notícias falsas, na outra estão os debunkings. Tendo acesso a essas informações, Fátima vasculha o Twitter de hora em hora procurando por perfis que tenham compartilhado pelo menos um dos links da primeira coluna. Quando encontrados, a Fátima responde a publicação avisando o usuário sobre a mentira, além de acrescentar na resposta o link para a informação apurada.

Uma das especificações do bot é que Fátima responde pessoas que tenham um número considerado grande de seguidores. Um dos motivos para isso é que se a bot interagisse com centenas de usuários num curto espaço de tempo, ela poderia ser considerada um spammer.

Spam é uma palavra inglesa cujo significado é: receber uma mensagem eletrônica sem ter solicitado a mesma. Spammer é o nome dado a quem envia spams. Caso isso ocorresse com a Fátima, o perfil da bot seria bloqueado temporariamente ou suspenso permanentemente.

Apesar das constantes evoluções, Fátima lida com algumas dificuldades. Uma delas é que a bot não faz distinção entre um usuário que compartilhou uma notícia falsa daquele que compartilhou o link para avisar outras pessoas sobre a falsidade da notícia. Outra dificuldade está na atualidade dos links. Se a coluna de debunks e checagens não for atualizada com frequência, Fátima permanece corrigindo antigas mentiras.

Fátima é um bot que evolui com frequência, avanços esses que são resultado do empenho de Pedro (que tem grandes expectativas para a bot):

“Temos várias coisas planejadas. Abrir o código, ou ao menos trabalhar com outros parceiros que possam usar a tecnologia (já temos conversas para fazer isso em outros países da América Latina). Evitar que ela passe muito tempo corrigindo as notícias mais velhas (como faz agora). E no futuro, ao invés de buscar só por links de notícias falsas, buscar por frases, imagens, etc.”, comenta Pedro

Com vocês: Rui

Rui e Fátima são bots e foram criados com a mesma linguagem de programação – Python, mas Rui Barbot tem diferenças crônicas quando comparado à Fátima. Ele não procura notícias falsas, ele atua na direção oposta da robô de Aos Fatos O Rui não está preocupado com as questões atuais, seu negócio é denunciar processos judiciais que estão esquecidos. Quanto mais relegados, mais ele gosta.

Guilherme Duarte, criador do bot Rui / Foto: Reprodução

Guilherme Duarte é responsável pela criação do bot, Felipe Recondo pelo conceito. A inspiração para o robô vem de Rui Barbosa de Oliveira que, entre todos os títulos, também possui o de jurista. É dele uma das frases que simboliza o trabalho do bot.

O bot do O JOTA é inspirado em Rui Barbosa / Imagem: Reprodução

“O Rui consiste na ideia de que o tempo que processos judiciais levam é um fator importante para entender o Judiciário”, nas palavras de Guilherme. Atuar com o judiciário faz parte da rotina tanto do robô quanto do local de trabalho. O JOTA é um site jornalístico que atua na cobertura do Supremo Tribunal Federal (STF).

O STF abriga ações que foram propostas há anos e ainda não foram analisadas. O Rui faz a vigília e anuncia quando uma dessas ações atinge uma marca temporal significativa. Podem ser seis meses, um ano ou até registrar toda vez que a ação faz aniversário. O bot também alerta os repórteres do O JOTA. Com essas informações, os jornalistas produzem matérias específicas sobre cada caso.

Rui divulgando ação parada no STF / Imagem: Reprodução
Rui divulgando ação parada no STF / Imagem: Reprodução
Rui divulgando ação parada no STF / Imagem: Reprodução

Rui acessa o banco de dados do Supremo Tribunal Federal e monitora os processos lá armazenados. O JOTA não força o bot a analisar todos os processos, pois são milhares criados todos os dias. O robô foca em duas mil ações consideradas relevantes e ele consegue fazer a varredura delas em menos de cinco minutos.

Em termos de funcionamento, o Rui aparenta ser mais simples que a Fátima. Ele não se preocupa em interagir com os perfis no Twitter. O robô é focado em publicar as descobertas na timeline da rede social.

Assim como Fátima, Rui também olha para o futuro. Segundo Guilherme, existe uma meta para aumentar a capacidade de observação do robô, fazendo com que ele atue em bancos de dados de outros tribunais, não só do STF.

Matérias criadas com base nos avisos e tweets do Rui Barbot / Imagem: Reprodução
Mais recentes