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Redes sociais viram local de ativismo político
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Patriotismo e fascismo. As palavras não são inversas, tampouco carregam significado em comum, mas o binarismo exposto nos sites de redes sociais parece obrigar as pessoas a escolherem um deles. Desde antes das eleições, o segundo turno vem sendo desenhado por opostos, onde Fernando Haddad (PT) e Jair Bolsonaro (PSL) pareciam ser as únicas alternativas para o posto de próximo presidente do Brasil. De fato, foram eles os eleitos para o segundo turno eleitoral, mas os meios digitais profetizavam isso há tempos.  

No dia 29 de setembro, uma semana antes do dia da votação, milhares de pessoas saíram às ruas em um movimento organizado na internet. A hashtag #elenão esteve no trending topics do Twitter por dias seguidos, e o resultado nas ruas não deixou a desejar ao comparar-se com o ativismo em rede. No lado oposto, uma multidão de usuários enchia as redes com a hashtag contrária, a #elesim. De um lado, pessoas que afirmavam escolher qualquer um para o cargo máximo do executivo nacional: menos ele. Do outro, fãs do candidato que rejeitam as demais candidaturas afirmando que ele seria o eleito, sim.  

Com um sistema binário desenhado no país, os demais 11 candidatos disputavam a atenção do restante do eleitorado. O grupo “Mulheres Unidas contra Bolsonaro”, hospedado no Facebook, reúne pouco mais de 3,8 milhões de membros mulheres. A mobilização partiu de um grupo que repudiava as declarações preconceituosas feitas pelo candidato. Além do grupo, diversas comunidades levantaram-se contra a eleição de Bolsonaro, propagando ideias como hashtags e imagens com frases do tipo “fascismo não”. 

Imagem utilizada pelo grupo “Mulheres Unidas Contra Bolsonaro” para organização dos atos do dia 29 | Imagem: Reprodução

Evelyn Mendes, analista e desenvolvedora de sistemas, é administradora do grupo “Mulheres Unidas Contra Bolsonaro RS”, que engaja cerca de 15 mil pessoas na rede social.  Ela acredita que a rede social não é mais distinta da vida real das pessoas, que elas vivem o digital como uma extensão do seu dia.  “Todo mundo está online, mesmo sem Facebook ou Twitter, você está conectado de alguma forma”, conta. 

Ela ainda acredita que, para além das movimentações políticas em rede, o grupo, em específico o que ela administra, foi criado como uma forma de comunicação, conscientização e mobilização feminina, visando a informação e não somente o repúdio ao candidato. E, por isso, Evelyn não acredita que o movimento termine com o findar da eleição. “É muito mais do que isso, é um movimento de conscientização, que vai durar. Você consegue se conectar com as pessoas, se comunicar e isso está ajudando elas a se organizarem, seja pelo bem ou pelo mal”, explica. 

Iara Jaqueline Baldissera é estudante de Jornalismo e utiliza o Facebook para posicionar-se politicamente. Do outro lado da hashtag, ela traz seu feed de notícias recheado de vídeos, fotos e mensagens de apoio a Jair Bolsonaro, deixando claro o seu posicionamento. Ela aponta que viveu a infância em um Brasil saindo da Ditadura Militar, período em que imaginar espaços de convivência digitais era utopia. Ela vê as redes sociais como meios democráticos, onde é possível expressar-se e organizar uma mudança social.  

Acreditando que o candidato é alguém que se levanta contra o sistema, não acredita que Bolsonaro seja “tudo isso” que falam sobre ele, e que mesmo não apoiando todas as suas ideias, foi ele quem lhe devolveu um sentimento de patriotismo há tanto perdido. É por isso que utiliza o Facebook como forma de militância, buscando reverberar esse mesmo sentimento nas demais pessoas. “Como tudo, temos que ter responsabilidade, bom senso. Eu tenho na minha família pessoas que pensam muito diferente de mim, nem por isso excluí, nem por isso ofendo, nem por isso critico as postagens que fazem, que são extremamente opostas as minhas. Até agora prevaleceu a educação e o respeito”, relata. 

Imagem que circulou nos sites de redes sociais declarando apoio ao candidato Bolsonaro | Imagem: Reprodução

Quem acompanhou o assunto, sob uma perspectiva acadêmica e militante foi Christian Gonzatti, doutorando pela Unisinos, ativista relacionado a questões de gênero e LGBTQ+ e pesquisador da área. Ele explica que, historicamente, o sistema ocidental é binário, trazendo sempre a ideia de opostos: homem e mulher, masculino e feminino, razão e emoção, #elesim e #elenão. Para o pesquisador, esse binarismo causa nas pessoas uma dificuldade de complexificar dados. 

“As pessoas começaram a ler tudo como uma disputa de divas pop, ou de uma partida de futebol, quando na verdade o que está em jogo é um projeto de civilização. E o triste é que são esses dois extremos que vão ser reverberados na rede, que vão gerar uma série de disputas de sentido”, conta. Christian ainda traz a ideia de que neste contexto eleitoral o candidato Bolsonaro é visto como um salvador caso o Partido dos Trabalhadores retorne ao poder. Do outro lado, encabeçando os movimentos do #elenão, existe a luta pela não legitimação de um discurso preconceituoso do candidato do PSL.

 

Ciberacontecimento 

Os movimentos políticos surgidos a partir do #elenão podem ser configuradas como um ciberacontecimento, que são acontecimentos que emergem na sociedade a partir do uso dos sites de redes sociais. Christian explica que a partir da utilização de hashtags, os grupos se organizam em diferentes plataformas e passam a articular rede e rua. 

Christian vivenciou sua pesquisa em uma das manifestações, quando exibiu um cartaz relacionando um dos candidatos a Voldemort, personagem icônico da saga Harry Potter, e acabou sendo amplamente compartilhado nas redes. “Está totalmente implicado a rede, no sentido em que eu já conhecia o cartaz em inglês, de uma manifestação relacionada ao Trump (presidente americano) muito parecida, então eu faço uma releitura dele no nosso contexto através da rede e levo ele para a manifestação. Da manifestação, ele retorna a rede”, conta.  

Christian Gonzatti participando da manifestação #elenão Imagem: Arquivo Pessoal

Houve também uma pressão popular para o posicionamento de artistas e celebridades quanto ao uso de hashtags apoiando, ou não, o movimento inicial. A cantora pop Anitta foi um dos alvos dessas reivindicações. O pesquisador entende que a cobrança por parte do público se dá devido a potência que estas pessoas têm de pautar as discussões da sociedade. Algo muito parecido também foi experimentado pelo, na época candidato, Donald Trump, que viu o crescimento das intenções de voto seguido de protestos e posicionamentos de artistas locais e mundiais.

 

E o jornalismo nisso tudo? 

Gonzatti é muito crítico quanto à responsabilidade que o jornalismo carrega em relação ao binarismo encontrado nas redes, e que tem pautado estas eleições. Para o pesquisador, existe uma problemática muito grande quanto as instituições jornalísticas não conseguirem problematizar e complexificar o cenário atual, o que acaba por reforçar a existência de somente dois lados: o #elesim e o #elenão.  

“É mais uma vez esse jornalismo sendo potencializador desse cenário violento, por essas noções de imparcialidades, por essas noções de que o jornalista precisa só ouvir os dois lados sem complexificar os acontecimentos, que vai narrar a os fatos em uma dimensão muito rasa, sendo conivente com esse cenário binário”, explica Gonzatti.  

O jornalismo vem sendo frequentemente deslegitimado enquanto instituição. Não é incomum ver portais de notícias, ligados a grandes veículos de comunicação, sendo acusados de defender um ou outro lado da disputa. Para o pesquisador, o jornalismo se encontra em meio a uma crise, explicitada neste processo eleitoral e que o momento é de repensar o papel social das instituições jornalísticas.

 

As incansáveis Fake News 

Imagem: Reprodução/Unsplash

A Agência Lupa, que atua na checagem de fatos, apontou que as dez notícias falsas mais populares entre os leitores tiveram mais 865 mil compartilhamentos no Facebook. Entre os conteúdos compartilhados, predominam vídeos descontextualizados, imagens manipuladas e teorias da conspiração. Gonzatti trata o assunto, junto ao seu grupo de pesquisa, como “colapso informacional”.  

Estas informações falsas e manipulações são utilizadas com o intuito de deslegitimar grupos contrários. “Ocorre um colapso informacional, discussão que traz como a informação vem sendo distorcida, vem sendo esvaziada, dando espaço para essa reverberação de fake news, que, no caso do grupo (Mulheres Unidas contra Bolsonaro), tem sido utilizada para deslegitimar a mobilização”, fala.  

Na tarde de quarta-feira, 17, o Tribunal Superior Eleitoral, na figura da presidente ministra Rosa Weber, recebeu para uma reunião os representantes das campanhas de Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT). O propósito do encontro era discutir a disseminação de notícias falsas e firmar um acordo para não propagação delas. Estudos preliminares já indicam que as fake news poderão influenciar nos resultados destas eleições.

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