Leandro Demori
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Foto de capa: Arquivo Pessoal

A vida de um jornalista muitas vezes parece estável, especialmente pelo ponto de vista dos leitores. Entretanto, a profissão exige uma dedicação muito maior que apenas aquele texto publicado no blog ou aquela entrada ao vivo no jornal de TV. E é assim que o jornalista e mestrando da Unisinos Leandro Demori, 36 anos, apresenta sua vida: cheia de idas e vindas, além do faro jornalístico que tem desde a adolescência.

“Gosto da leitura desde a adolescência. Em casa sempre tinha revistas de música. Era uma tradição”, relembra o catarinense de São Miguel do Oeste. Lá pelos 13 anos, ele já acompanhava o tio radialista, e operava a mesa técnica. “Eu trocava os vinis na rádio, tocava os comerciais, ligava os microfones. Fazia de tudo um pouco”, explica.

Algo que ele descreve como “caminho natural” foi a primeira experiência no jornalismo. “Aos 15 anos, fiz um jornal de folha única A3 que eu distribuía nos bares”, conta Demori. A publicação contava com piadas, notas rápidas e fofocas da cidade e era lida pelos moradores enquanto o pedido não chegava. Foi aí que as coisas começaram a encaminhá-lo ao jornalismo. Ele acabou sendo convidado para trabalhar no jornal da cidade e também para substituir uma locutora que estava em licença maternidade.

A partir daí, Demori nunca mais parou. Aos 19 anos, desembarcou em Porto Alegre para cursar Jornalismo na PUCRS. “Conheci coisas que não tinha contato, como cinema, rádio, processos de edição, de pauta. Cheguei sabendo 1% e lá conheci muito mais”, pontua ao ser perguntado se a experiência nos veículos de Santa Catarina o ajudou ao chegar na universidade.

Logo no primeiro semestre, em 1996, a primeira oportunidade de estágio estava à vista: auxiliar de redação na Zero Hora. Lá ele fazia de tudo. Carregava papelada, separava cartas, quase um trabalho de office boy, segundo ele. A primeira oportunidade na redação de ZH surgiu com o então editor Gilberto Leal, para o qual escreveu algumas matérias sobre o mundo automobilístico, ainda sem assinar como repórter.

Mas a real experiência surgiu na TV Guaíba, onde produzia o programa Câmera 2, do Clóvis Rossi. “Foi uma escola. Era difícil trabalhar com ele, mas aprendi muito. Ele sabia o que era uma pauta. O que era notícia. Sabia muito de jornalismo”, destaca Demori.

Em 2016, Demori ficou em segundo lugar no Prêmio Direitos Humanos de Jornalismo. Foto: Arquivo Pessoal.

Jornalismo Investigativo

Atualmente, Demori é um dos diretores da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), mas foi aos poucos que conheceu a prática. “Sempre gostei muito de política. E isso sempre me levou para a investigação. Tentava descobrir as maracutaias, como funciona. Fazia aos poucos, pois tinha outras matérias para fazer”, comenta.

Gradualmente, o jornalista passou a desenvolver a habilidade de construir grandes reportagens. Numa palestra, foi convidado pelo diretor de redação da Revista Amanhã, Eugenio Esber, a participar da produção da revista como estagiário. Demori começou a produção de matérias maiores. “Ele foi o primeiro cara a me dar essa chance. Foi ali que me moldei para escrever long form, entrevistar bastante gente, tentar compreender o que exatamente está acontecendo”, aponta.

Formou-se em 2005, quando foi cobrir hardnews no Terra. “Fui editor de notícias. Cobri CPI, terremoto, queda de avião e tudo mais. Foi uma experiência traumática, mas por outro lado transformadora. Me fez ter pensamento rápido de fazer as coisas na hora e bem feita. Como agir e o que priorizar”, destaca.

Europa e o Livro

De 2009 a 2011, viveu na Itália, na cidade litorânea de Pesaro. Lá, Demori trabalhou como garçom num bar, na medida em que escrevia matérias como freelancer para portais brasileiros. Na Europa, fez dois cursos de jornalismo investigativo. Um pela City University, de Londres, e outro em Roma, na Associazone di Giornalismo Investigativo.

Nessa época, as reportagens de fôlego começaram a aparecer. “Cobri muito factual como eliminatórias, beatificação do Papa, encontro de Lula com Berlusconi. Por fora, ia construindo as reportagens com as histórias que eu queria contar. Tem que ter perseverança e ir fazendo. Não esperar o momento ideal. Começa agora, já busca material e vai colhendo informações”, enfatiza.

Nessa mesma época, ele lembra de ter acordado no meio da noite com um terremoto na cidade. “Saí de casa de bicicleta até o metrô e aluguei um carro. Acabei levando minha mulher junto, pois ela estava com medo de ficar sozinha”, relembra. Ao chegar na cidade, ele avisou o Terra e já iniciou a cobertura. Era a experiência de hardnews, de tomar decisão sem esperar e fazer as coisas andarem, falando mais alto. No velho continente, fez coberturas para outros veículos como Superinteressante, Galileu, IstoÉ e Zero Hora.

Foi na Europa também que iniciou o projeto de escrever o livro “Cosa Nostra no Brasil”, lançado em novembro de 2016, que conta a história de Tommaso Buscetta. A ideia surgiu quando começou a investigar máfias italianas e descobriu a existência de Tommaso, mas não encontrava exatamente biografias. “Solicitei informações no site do FBI e, quando eu menos esperava, apareceu um envelope pardo com muita coisa que eu precisava”, explica.

Ele pesquisou nos documentos e conversou com algumas pessoas e, quando voltou ao Brasil, os documentos da ditadura militar recém haviam sido abertos. “Vim ao Rio de Janeiro e São Paulo e requeri o acesso aos documentos. Ele havia sido preso aqui em 1972. Ao terminar a pesquisa, retornei à Itália para fechar o livro”, relembra Demori. O trabalho levou cinco anos para ser finalizado.

Presente e futuro

A experiência como diretor do Medium no Brasil teve uma fase embrionária em 2013, quando realizou uma publicação na plataforma. “Quando publiquei, pensei: ‘eu preciso falar com esse cara’ (Eva Willians, um dos fundadores do Twitter). Para mim, é um dos caras mais inteligentes do Vale do Silício”, lembra.

Segundo ele, a conversa durou meses, mas enfim Demori conseguiu trazer o Medium para o Brasil. “Eu fazia a curadoria dos conteúdos que seriam traduzidos para a plataforma aqui e fazer com que ela fosse conhecida”, esclarece. Porém, devido ao encerramento das atividades do portal no país, o jornalista teve de mudar de ares.

Atualmente, recém chegado na revista Piauí, o catarinense, muito mais experiente que aquele office boy da ZH, não esconde a satisfação. “É a melhor coisa do jornalismo brasileiro. Talvez o único lugar onde todo o jornalista gostaria de trabalhar”, exalta, referindo-se à revista. Ele chega para trabalhar na edição online da revista e, segundo o jornalista, foi contratado para transformar a versão digital da publicação tão boa quanto a do papel. No último ano, conquistou segundo lugar no prêmio Direitos Humanos de Jornalismo pela reportagem “Bem-vindo ao inferno do presídio Central”.

No momento, Leandro Demori também está com mestrado em andamento. Após anos, ele conta que desejava voltar à sala de aula. “Sempre gostei do ambiente acadêmico e tava me fazendo falta. Queria me aprofundar mais no que me atrai, que é o futuro do jornalismo”, aponta. É sua meta principal, encontrar uma forma atualizada do fazer jornalístico no meio digital.

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