Um jornalismo feito para as pessoas e preocupado em dar relevância a elas. Caracterizado pela função social que desempenha, o jornalismo comunitário é responsável por levar as informações a um grupo de pessoas pouco inserido ou representado na mídia tradicional. Atualmente, exemplos influentes de jornalismo comunitário são a TV Restinga e o jornal Boca de Rua, produzido por moradores de rua.
“O Jornalismo comunitário tenta capturar o dia-a-dia de uma comunidade, narrar as histórias das pessoas, os modos de dar sentido a suas existências”, define Sonia Montaño, professora de Jornalismo da Unisinos e responsável pelas aulas de Jornalismo Cidadão. Segundo a professora, que semestralmente produz o Enfoque Vicentina, jornal que relata experiências do bairro leopoldense, o jornalismo comunitário oportuniza aos moradores serem protagonistas e se sentirem incluídos na sociedade
“O jornalismo comunitário se preocupa com o direito à comunicação. Esse direito produz um empoderamento na comunidade que contribui para que os moradores se tornem protagonistas de suas lutas. Contar suas histórias, sonhos, metas alcançadas, a vida que construíram, na maioria das vezes de forma muito solidária e com todas as contradições que qualquer existência e comunidade tem, é algo que produz efeitos que, na experiência, sempre me surpreenderam”, relata.
Foi pensando em atender a comunidade que, em 2011, o jornalista Márcio Figueira, em parceria com o amigo Jeferson Camisolão, decidiu criar a TV Restinga, canal que pudesse mostrar aspectos positivos bairro porto-alegrense, popularmente conhecido pela violência e criminalidade. “Estamos acostumados a ver apenas o lado negativo da Restinga, o que é apenas uma parte da realidade do bairro. Nosso canal permite que os moradores conheçam o bairro sob uma outra ótica: mostrando projetos e fatos positivos que ocorrem aqui. Somos uma associação comunitária educativa, e não trabalhamos com nenhum aspecto comercial”, explica Márcio.
Atualmente, a TV Restinga conta com um canal no Youtube, site de notícias e página no Facebook, onde relatam e informam sobre os acontecimentos do bairro. Segundo Márcio, a maioria das pautas são passadas pelos próprios moradores, que participam ativamente da apuração das notícias. “Oitenta porcento das pautas vêm dos moradores. Seja por meio de mensagem, ligação ou e-mail, eles sempre nos notificam quando algo está acontecendo, e então vemos como podemos ajudar”, comenta. De acordo com Márcio, a TV Restinga participa de ações que visam o desenvolvimento do bairro. “Contamos com pessoas voluntárias, que também aderem à luta pela democratização da comunicação, e nos preocupamos em noticiar assuntos que envolvem segurança, saúde, transporte e moradia”, relata.
Fundada em 2001, a rádio comunitária A Voz do Morro se preocupa em transformar a realidade da região de Morro Santana, Zona Leste de Porto Alegre. Segundo um dos membros do coletivo, o estudante de jornalismo Filipe Rossau, o grupo trabalha de forma conjunta no processo jornalístico. “A rádio não lida com a ideia de coordenadores e coordenados, todos participam do processo. De forma prática: são organizadas reuniões mensais entre os membros do coletivo para definir agenda, fazer avaliação e críticas e encontrar formas de resolver os problemas encontrados, com cada membro assumindo as tarefas que julga conseguir cumprir, sem deixar de apoiar os demais”, explica.
A programação conta com debates e convidados especiais, que falam sobre temas como educação, representatividade, questões de gênero, além de entrevistas sobre assuntos culturais e coberturas de eventos da comunidade. “A programação também é construída de forma coletiva, com cada um dos programas organizado e levado ao ar por grupos definidos desde a retomada das atividades da rádio, em 2016. A ideia é que ninguém esteja sozinho na execução dos programas, mas que haja um compromisso do grupo pelo andamento da rádio”, aponta Filipe.
Questões financeiras e de estrutura são as maiores dificuldades
Por ser um canal independente, Márcio destaca que a maior dificuldade é a questão financeira. O trabalho é realizado na residência do jornalista, que conta com equipamentos pessoais e doados. “O maior desafio é trabalhar com a sustentabilidade, sendo que o investimento que deve ser feito com equipamentos é muito alto. Sem dúvidas, o lado financeiro e a falta de patrocínios são nossas maiores dificuldades para manter o canal, mas a luta continua”, aponta.
“Falta uma estrutura melhor pelo fato de não haver apoio financeiro externo, mas apenas cooperação entre os membros que participam do coletivo. Ou seja, só há entrada de dinheiro por meio de ‘vaquinhas’, financiamentos coletivos e ações como venda de comidas e bebidas em eventos realizados pela rádio”, pontua Filipe.
Márcio ressalta que, apesar das dificuldades, o reconhecimento do trabalho é gratificante. “A TV Restinga é acessada por 180 países e nosso esforço para mostrar a realidade do bairro vem sendo compensada pelo bom recebimento das pessoas e estímulo dos moradores. Com certeza tudo isso já é uma vitória”, comemora.
Para Filipe, o trabalho realizado pelos veículos que não pertencem aos grandes grupos de mídia são importantes e devem ser mais valorizados. “Todas as rádios comunitárias que se comprometem a ter uma construção coletiva, horizontal e com autonomia e abertura de participação para as pessoas que compõem as comunidades que vivem nas áreas das rádios precisam ser definidas como ferramentas de empoderamento para essas comunidades. Em um cenário de controle dos principais canais de comunicação por grandes grupos, em que as emissoras e publicações de maior alcance e prestígio têm os valores de um jornalismo ético atravessado pelos interesses dos acionistas e anunciantes, o jornalismo de base comunitária precisa ser visto como possibilidade de subversão dessa ordem”, enfatiza.
Sonia acredita que a luta para a valorização do jornalismo comunitário ainda precisa ser estimulada. “Esse tipo de jornalismo exige uma ampla experiência de democracia, de decisão em conjunto e de muita escuta, algo muito difícil de construir. Ainda assim, podemos dizer que qualquer iniciativa de jornalismo comunitário é válida e dignifica a comunidade”, pondera.