Por dentro

#emoção #jornalismo
A dor contada por jornalistas
""
Avatar

Na manhã do domingo de 27 de janeiro 2013, a repórter da RBSTV Santa Maria Alice Pavanello foi acordada por uma ligação do chefe. Havia acontecido um incêndio em uma boate da cidade e, até então, pelo menos 20 mortes estavam confirmadas. “Naquele momento eu não sabia o que estava acontecendo, por isso fomos para o hospital e depois para o Centro Desportivo Municipal (CDM), onde os corpos seriam levados”, recorda a jornalista.

O caso da Boate Kiss foi considerado a segunda maior tragédia no Brasil em número de vítimas em um incêndio, com 242 mortos. “No CDM foi meu primeiro contato com a dor daquelas pessoas, começou a juntar uma multidão querendo informações e as pessoas estavam desesperadas querendo saber de seus filhos”, conta Alice. Os corpos começaram a chegar e os familiares eram chamados para a identificação. “Todo rosto que eu olhava tinha uma expressão de dor por toda aquela situação”, relembra.

Foto: Agência Brasil

A jornalista acredita que o profissional deve ter o cuidado de ter sensibilidade, aguardar o momento certo para entrevistar alguém que está em um momento delicado e sempre se colocar no lugar do outro. “Eu soube de casos em que os pais se incomodaram e queriam expulsar as equipes, mas é completamente compreensível, cabe ao repórter ter sensibilidade nesta situação”, conta Alice.

“A dificuldade das coberturas de grandes tragédias é que são feitas na hora do acontecimento, sem tempo para reflexão”, analisa Sean Hagen, jornalista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O profissional acredita que, como consequência dessa pressa, o enquadramento que os jornalistas dão para os fatos é equivocado. “Por isso é tão difícil ver boas coberturas nesses casos”, conclui Hagen.

O jornalista e especialista em Media Training, Eloi Oliveira acredita que o jornalismo nessas ocasiões realiza uma busca desenfreada pela audiência. “Muitas vezes o furo fica em primeiro lugar o furo e não se exploram pontos como quem devem ser cobrado pelo acidente”, analisa o profissional.

O ator Domingos Montagner faleceu no dia 15 de outubro enquanto tomava banho no Rio São Francisco, no Sergipe. Ele e a atriz Camila Pitanga aproveitavam o último dia de gravação da novela “Velho Chico” na região. Domingos morreu afogado e Camila presenciou o ocorrido. No dia 18 de outubro, a atriz deu uma entrevista para o Fantástico falando sobre o acidente.

“A morte de Domingos é um exemplo de uma história que poderia ser explorada de outra maneira, será que não deveria ter um salva vidas naquele local?”, questiona Oliveira. O jornalista acredita que um caso como este renderia uma discussão além do próprio acidente, mas se manteve principalmente no drama da morte do ator.

“Há um limite tênue entre explorar e mediar: quando o jornalismo explora, é sensacionalista e preocupado com a audiência – que, na ponta final, visa o lucro. Quando o jornalismo media, busca a alteridade, a sensibilização, a amplificação de uma pauta que fará a diferença na vida das pessoas”, completa Sean Hagen sobre o assunto.

Mais recentes