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A 13ª Bienal do Mercosul mexeu com a gente
"Os repórteres do Mescla descrevem a experiência de uma visita conjunta a maior exposição arte de América Latina sediada na capital gaúcha "
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Esta edição, intitulada “Trauma, Sonho e Fuga”,  busca refletir sobre experiências coletivas através de três aspectos: reconhecer nos traumas o combustível da arte e, nos sonhos, uma alternativa de fuga. São obras de diferentes linguagens criadas por 100 artistas de 23 países diferentes, espalhadas em 11 espaços culturais de Porto Alegre. No site da Bienal é possível conferir onde as mostras estão ocorrendo.



Na última sexta-feira, dia 7/10, os repórteres do Mescla estiveram na Casa de Cultura Mário Quintana (CCMQ), no Farol Santander, no Memorial do Rio Grande do Sul e no Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS) para experimentar as impressões da 13ª Bienal do Mercosul. O evento começou no dia 15 de setembro e permanece até 20 de novembro. Abaixo, nossas impressões.



Os repórteres Laura, Marília e Gabriel encerrando visita ao Memorial do Rio Grande do Sul (Foto: Paola De Bettio)


Um respiro de arte na cidade – por Marília Port

A caminho de Porto Alegre, a luz amarela do sol da manhã já nos encontrava através das janelas do metrô. Saímos cedo de São Leopoldo e, antes das 9h, já estávamos (Gabriel e eu) no vagão rodeados por pessoas com e sem máscara. Um pão de queijo no café à frente da Casa de Cultura Mário Quintana ofereceu a energia que eu precisava para a extensa rota que realizaríamos ao longo do dia. 


Entre turmas escolares de diferentes cidades e alguns poucos entusiastas da arte com tempo disponível na manhã de sexta, passeamos por cada andar da Casa de Cultura, depois pelo Farol Santander, pelo Memorial do Rio Grande do Sul e finalmente pelo Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS). A cada nova sala, a nossa curiosidade ressurgia e parecia preencher o ambiente – em cada entrada, um portal para os recomeços.


As obras compunham o roteiro de visita, como se peças e ambientes se fundissem em uma coisa só, potencializando o impacto. Enquanto em alguns lugares um certo caráter social era o fio condutor que arrematava a harmonia do todo, em outros, esse elemento central tinha um quê mais emotivo e provocava o sentir – o que poderia ser representado por uma completa confusão ou profunda compreensão. 


Registro de um dos espaços visitados pelos repórteres do Mescla no Farol Santander (Foto: Marília Port) 



Saí de lá pensando que o tempo parece insuficiente. Não existe medida cronológica para dar conta tudo que gostaríamos de ver, na Bienal e na vida. Um registro desta experiência foi o passaporte que recebemos no início do passeio: dos nove espaços culturais, quatro foram carimbados. No percurso da volta, percebemos que caminhamos mais de oito quilômetros. Nossos pés, cansados e doídos, foram testemunhas. Passamos por mais lugares do que pretendíamos e, ainda assim, queríamos mais. Combinamos novas coberturas, antes da despedida. Ao sentarmos no vagão do trem, um misto de sono e assimilação, ao final de um dia produtivo. E então retornamos, um pouco mais iluminados, pelo sol dourado que caia no horizonte e também por dentro. 



Tornar tangível o invisível – por Paola De Bettio  


Indizível. Intraduzível. Incomum. Extraordinário. É o enigma tramado entre o Trauma, o Sonho e a Fuga que a 13ª Bienal do Mercosul tenta evidenciar. Como diz o panfleto da edição: “Trauma, sonho e fuga são fenômenos daquilo que não se pode ser dito. Diante da latência de um espírito do tempo que se manifesta no inconsciente, nos deparamos às perguntas cujas respostas não têm uma forma verbal”.  


Poéticas visuais são tramadas entre os espaços. Isso foi, inclusive, de certa forma, materializado pelo tecido vermelho que se estende por diversas ruas e prédios da capital, uma instalação que se confunde pela cidade e representa as batidas do coração. Às vezes, é uma emoção latente e linda, como quando adentramos o Farol Santander e nos deparamos com o conjunto de 3 mil lâmpadas suspensas em diferentes alturas, cuja instalação foi encabeçada pelo artista mexicano Rafael Lozano-Hemmer, intitulada de “Pulse Topology”. Entre as lâmpadas estão sensores de batimentos cardíacos, na qual os visitantes são convidados a colocar a palma da mão e ver as milhares de lâmpadas piscarem conforme a nossa pulsação enquanto ouvimos o som desses batimentos. Quando um novo participante interage com a instalação, seu pulsar se soma com o “movimento já em curso”, produzindo uma “coreografia de sobreposição de pulsares”.  


O conjunto de luz e som busca traduzir uma força interior invisível para quem nos vê em um registro perceptível, e dessa forma possa tornar “tangível o registro invisível”. Perceber a força do invisível parece ser um convite para todos os dias, ainda mais depois de toda a pandemia, onde precisamos reavaliar o que é essencial na nossa vida em meio a tantos de pensamentos que precisam ser deixados de lado. É sobre ouvir a força no nosso coração num pulsar em conjunto com tantos outros corações.  


Ainda no Farol Santander, há uma sala com uma projeção de uma cachoeira. Em baixo, bem rente ao chão, cinco imagens de personagens históricos estão presas, entre elas Margaret Thatcher, Ronald Reagan e Mikhail Gorbachev. A obra de autoria do artista libanês Walid Raad explica que durante os conflitos no Líbano muitas milícias se formaram com o apoio bélico e financeiro de vários países. Para homenagear esses países aliados, as milícias decidiram batizar três cachoeiras com o nome de líderes dos países aliados.  


No Memorial do Rio Grande do Sul, apesar de não integrar a Bienal, a exposição sobre os 200 anos de independência do Brasil, chamada “Independência para quem?” é uma excelente possibilidade de reflexão. É forte e me fez refletir sobre os privilégios brancos que carrego ao longo de séculos. Para além de todo o conjunto, foi forte a experiência de ver uma família visitante formada pela mãe e a vó negras, mostrarem para duas crianças as correntes e os navios negreiros e apontar “teu avô era obrigado a usar isso” e “o bisavô de vocês veio através de um navio como esse.” 


A Bienal mexe com a gente e com os nossos sentidos. Ouvimos, vemos, caminhamos e nos mexemos pelas obras, e até sentimos cheiros, como a sala com cheiro de chás, no MARGS. Tudo isso serve para produzir novos sentidos na gente, e tentar tornar tangível o invisível. Ir a Bienal é como ir em uma sessão de psicanálise e mapear o “nó na garganta, o grito abafado, o segredo guardado”, como diz o texto de abertura, configurados nas possibilidades do lugar poético.   



Quem chega no Farol Santander é recebido pela linda “Pulse Topology” (Foto: Paola De Bettio)



Arte não tem classificação indicativa – por Laura Santiago  


O que eu tenho em comum com um menino de quatro anos que se encontrava no mesmo espaço? Seu nome eu não sei, mas o entusiasmo e o brilho no olhar dele por estar (literalmente) rodeado de arte era o mesmo que o meu. Tenho certeza disso porque, assim que entrei no Farol do Santander e me deparei com todas aquelas luzes em sincronia com os nossos batimentos cardíacos, viajei no tempo e voltei para a infância. Fiquei simplesmente fascinada com aquele movimento e com o som das batidas do meu coração acompanhando tudo.  


Essa foi a minha primeira vez na Bienal do Mercosul, e a minha estreia como repórter na cobertura de um evento. A vivência do jornalista é ainda muito nova para mim, mas já consegui experimentar o que considero o melhor do ofício: a pluralidade.   


Durante as visitas aos quatro museus procurei manter atenção plena aos detalhes, às sensações e percepções, não só às minhas, mas especialmente de quem estava a minha volta observando o mesmo que eu. Como era possível a mesma obra ter o poder de despertar impressões tão diferentes em cada pessoa?   




No Farol Santander, Paola aprecia – e fotografa – a obra da Walid Raad, que faz uma alusão à incessante troca de poder ao mostrar uma queda d’água gigante que inunda o espaço ao seu redor (Foto: Laura Santiago) 
 



Com o tema Trauma, Sonho e Fuga, as exposições da 13ª Bienal do Mercosul conseguiram despertar em mim sensações e pensamentos que há tempo não sentia. Algumas obras requerem mais atenção e tempo para que sua mensagem seja captada. Outras, como a “Quase oração”, conseguiam causar arrepios em questão de segundos.  


Trata-se de uma performance artística que se constitui de 500 horas de gravação com 200 artistas  e que veio como uma forma de sensibilizar as pessoas sobre a magnitude e gravidade da pandemia da covid-19, homenagear as vítimas e suas famílias e propor de alguma maneira uma cura para esse trauma que é coletivo. Ao enunciar cada morte, a performance dá voz aos crescentes dados numéricos aos quais fomos diariamente nos habituando.   


A sensação é única. Do lado de fora é possível escutar diferentes vozes se sobrepondo. Sem saber se poderia entrar naquele espaço ou não- afinal, estava lotado- perguntei ao segurança que ficava ao lado. Com a cabeça, fez um sinal positivo. Passei pelas cortinas pretas e, em um ambiente completamente escuro, meu primeiro receio foi esbarrar em alguém. Para minha surpresa, a sala estava completamente vazia. Segui o pequeno corredor, ainda na escuridão, guiada pela luz que viria a ser um telão. Cinco segundos foram suficientes para eu me envolver completamente obra. Imediatamente senti um arrepio pelo corpo. Todas aquelas vozes ecoando diferentes números já era claro do que se tratava.   


Me perguntei, então: como algo tão simples pode ao mesmo tempo ser tão impactante? Acho que é esse mesmo o sentido da arte. Provocar sentimentos, bons ou ruins. As obras, de modo geral, conseguem contar com diversos elementos para fazer com que a experiência do visitante fosse a melhor possível. Fosse através de cheiros, vídeos, fotografias, palavras ou até mesmo da interatividade.  


Gabriel passeou pela obra da artista Janaina Mello Landini, um conjunto de elásticos que se repetem e se somam no espaço, criando um visual caótico (Foto: Laura Santiago) 


O meu tour pela Bienal segue incompleto, uma vez que é quase impossível visitar todos os espaços em um único dia. Mas é claro que todos merecem um “replay” porque sei que cada visita pode ser uma vivência completamente nova.  




Sentimentos Conflitantes e Obras Marcantes – Gabriel M Ferri  


Eu acredito que encontrar-se com a arte é sempre uma aventura, principalmente quando não sabemos o que esperar das obras. Sentimento que à primeira vista parecem conflitantes nos dominam, enquanto os olhos batalham para compreender como todos os trabalhos expostos em uma única sala conversam entre si. Vivenciamos isso cada vez que uma nova sala é descoberta, no caso da Bienal, vagamos também por diferentes museus. 


As obras complementavam-se e interagiam com o ambiente. Na Casa de Cultura Mário Quintana as obras estão em todos os andares do antigo Hotel Magestic. Ambientes iluminados pelas grandes janelas apresentavam um tom de rosa suave, resultado também da luz externa sendo refletida das paredes da construção. Uma obra composta de terra, folhas e mudas se estendia por dois andares e deixava o ambiente com cheiro de terra molhada. Esculturas, fotos, pinturas e desenhos apresentavam os mais diversos assuntos, em geral uma sensação de conforto e aconchego. Em contraste com os ambientes para as experiências audiovisuais, que traziam a baixa iluminação, áudios e vídeos. Tudo nos convidava a refletir, e para mim, o efeito foi angústia: efeito dos números de mortos pela da pandemia de COVID-19 somada às lâmpadas sob pesado blocos de concreto.  


Já no Farol Santander, o panorama era outro. Apesar do espaço inteiro estar com iluminação reduzida, lá o brilho nos olhos era imediato. Centenas de lâmpadas penduradas em um padrão aparentemente aleatório, brilhavam em intervalos irregulares, até alguém colocar a mão debaixo de um dos três sensores espalhados pela obra. Assim que isso acontecia, os batimentos eram reproduzidos em luz e som. Se houvesse mais de uma pessoa estivesse participando, os batimentos se misturavam, tornando a experiência ainda mais mágica. No Farol Santander todas as obras tinham este toque tecnológico, desde obras com sensores de movimentos, até obras que serão colocadas em órbita no início do ano que vem.  No Memorial do Rio Grande do Sul, o destaque eram as obras, documentos, fotos e registros dos últimos 25 anos da Bienal em Porto Alegre.   


Por fim, nos dirigimos ao MARGS, que trazia obras que estimulavam a visão, audição e até o olfato. As obras, apesar de interessantes, marcavam sua presença devido à combinação de aromas e sons presentes no ambiente. Vagar de ambiente para ambiente dentro do MARGS trazia essa complementação das obras expostas. Ainda lá, a obra que me chamou mais a atenção é uma montagem fotográfica chamada Over do brasileiro Cássio Vasconcellos. Acredito que ela deve ter mais de 10 metros de largura, por dois ou três de altura, sendo uma composição de ferros-velhos, nos mostrando que no final, não existe “fora”.  


Depois de um dia de arte, era hora de retornar. Cansado? Com certeza, mas aquela confusão mental, de tentar entender o que tinha visualizado, sentido e absorvido, só passou depois de chegar em casa e tirar um tempo para conseguir organizar o que foi aprendido neste dia. 




Os repórteres Gabriel, Paola, Laura e Marília no Farol Santander (Foto: Gabriel M. Ferri)

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