Na terça-feira (24), a doutora em Ciências Sociais (Unicamp) Patrícia Pinho apresentou a palestra “A ‘casa grande’ surta quando a senzala aprende a ler”, promovida pelo Programa de Pós-graduação da Universidade Federal de Minas Gerais (PPGCOM/UFMG). Patrícia, hoje professora e pesquisadora da UC Santa Cruz, na Califórnia (Estados Unidos), discutiu a questão racial e suas dimensões no Brasil e na América Latina.
Além de exercer a docência e a pesquisa no Departamento de Estudos Latino-Americanos e Latinos da UC Santa Cruz, Patrícia é escritora. Suas publicações mais recentes são “Mapping diaspora: african american roots tourism in Brazil”, de 2018, e “Mama Africa: reinventing blackness in Bahia”, de 2010, ambas ainda sem publicação em português. Recentemente, Patrícia publicou um artigo na revista italiana Confluenze intitulado “A ‘casa grande’ surta quando a senzala aprende a ler’: resistência antirracista e o desvendamento da branquitude injuriada no Brasil”, que se relaciona com a temática da palestra. Além disso, sua tese de doutorado “Reinvenções da África na Bahia” foi publicada em 2004 no formato de livro. Em 2021, escreveu um capítulo para o livro “Precarious democracy: ethnographies of hope, despair, and resistance in Brazil”, com previsão de lançamento para setembro.
A palestra foi mediada pela professora da UFMG Paula Guimarães Simões, que conheceu Patrícia em fevereiro de 2020 em San Diego, na Califórnia, quando a escritora debatia sobre a democracia no Brasil e seus desafios. Na apresentação de terça-feira, Patrícia abordou principalmente sobre os propulsores do neoconservadorismo no Brasil, e como a branquitude pode ser considerada um deles. Para isso, ela fez uma mediação do que produziu em duas das suas publicações recentes.
A ‘casa grande’ surta
Para ilustrar a apresentação, Patrícia citou o caso de estudantes de Medicina que criaram a sentença “A casa grande surta quando a senzala vira médica”. Com a divulgação da nova versão, as alunas foram fortemente criticadas em suas redes sociais. A pesquisadora trouxe também o exemplo retirado do livro “Eu, empregada doméstica: a senzala moderna é o quartinho da empregada”, de Joyce Fernandes, conhecida como Preta Rara. A obra, que denuncia o tratamento às empregadas no Brasil, foi fundamental na construção de suas produções escritas.
Para Patrícia, o uso das palavras “senzala” e “escravidão” são elucidativos na continuidade das condições de vida e trabalho do passado e do presente. Além disso, segundo a pesquisadora, matérias jornalísticas que, na época, trataram da questão “qualificação das empregadas domésticas” e escolheram o termo “escassez” para definir a dificuldade de contratação mostram o racismo presente nos veículos de imprensa, que ajudam, assim, a manter preconceitos e fomentam a chamada “branquitude injuriada”.
Patrícia explicou melhor o termo com novos exemplos: a repressão aos “rolezinhos” em 2013, o preconceito com os médicos cubanos, falas como “aeroporto virou rodoviária”, e o mais emblemático: as reações às cotas raciais nas universidades públicas. “À medida que as fronteiras de classe, historicamente muito rígidas no Brasil, passaram a ser minimamente suavizadas, a classe média e tradicional se posicionou rápida e energeticamente em defesa dessas fronteiras”, observou.
A pesquisadora explicou que a origem da expressão “A casa grande surta quando a senzala aprende a ler” e do binômio “Casa grande” – “Senzala” surgiu na obra homônima de Gilberto Freyre, e que é, na verdade, racista, segundo Patrícia, porque serviu durante muito tempo como argumento de uma suposta “dinâmica democratizante”, ou “mito da democracia racial”.
“O binômio expressa, assim, o famoso equilíbrio entre antagonismos, em que a intimidade teria superado a hierarquia e a “brasilidade” teria dissolvido as fronteiras raciais”, comentou a pesquisadora. Para ela, esse significado do binômio difere profundamente do sentido que possui hoje ao ser mobilizado por intelectuais e militantes antirracistas. “O binômio não mais expressa a suposta capacidade brasileira de superação dos conflitos raciais, mas exalta, agora, o oposto: o antagonismo entre pretos e brancos e como o legado da escravidão continua a beneficiar os brancos material e simbolicamente”, pontuou.
Por meio do chat da transmissão da palestra, surgiu uma questão importante: o debate antirracista deve se sensibilizar através da fala, e isso se dá nos mais diversos ambientes. A comunicação exerce um papel fundamental na ponte entre o tema discutido e a sociedade, para que efetivamente se obtenha respostas e práticas antirracistas. “O antirracismo tem que ocorrer por parte dos brancos mais ainda. Pensar em branquitude tem que ter esse objetivo final”, destacou Patrícia.
O debate, com duração de aproximadamente uma hora, está disponível aqui.