Caroline Miltersteiner, ou Carol Milters como é conhecida nas redes, é escritora e ativista pela conscientização sobre Burnout, um distúrbio psíquico causado por exaustão extrema relacionada à rotina de um indivíduo. Ela, que tem sua própria experiência com a Síndrome, agora traz aos olhos do público um tema ainda tabu, o da saúde mental. Para contar esta história, Carol, de 33 anos, conversou com o Mescla da sua casa na cidade universitária de Tilburg, na Holanda, onde mora desde 2017. O papo foi via chamada de vídeo pelo Teams.
Para desenrolar esse fio e contar como ocorreu esta virada, Carol voltou no tempo, foi lá para o início de sua vida universitária, no curso de Letras, que acabou não seguindo. Foi no curso de Comunicação que ela realmente se encontrou “Na publicidade tudo era espontâneo: ‘vamos tirar umas fotos?’, ‘vamos ali fazer um programa de rádio no corredor?’ E eu preciso dessa válvula de humor. A faculdade de comunicação foi a melhor escolha que eu podia ter feito nesse sentido”, recorda as atividades feitas durante os anos de Unisinos.
Sempre entusiasmada, Carol aproveitou tudo que a universidade poderia oferecer ― dentro e fora das salas. Fez monitoria, pesquisa e estagiou na Agexcom como web designer. Na agência experimental aprendeu de animação em flash até html, mas também se aventurou na equipe de jornalismo, na construção de reportagens. “Foi uma coisa que eu cheguei e falei, ‘olha só, eu quero fazer uma reportagem! Eu não sou do jornalismo e não quero fazer jornalismo, mas eu queria fazer uma reportagem, vocês deixam eu fazer?’ E eles deixaram!”, lembra aos risos.
Por ela, teria continuado ali, mas, entendendo que já tinha feito e experimentado tudo que poderia dentro dos portões da faculdade, decidiu seguir para um mundo além daquele, o “mundo real” do mercado de trabalho, indo por um caminho mais comercial.
O Trabalho e o Burnout
A entrada no mundo do trabalho foi, inicialmente, positiva, sempre dedicada e querendo se provar, ela virou um case que caminhou de estagiária até o papel de sócia. Porém, a rotina de alta, e excessiva, carga horária acabou se refletindo em seu corpo. Carol começou a apresentar muitos problemas de imunidade, que facilitaram infecções, desenvolveu crises de ansiedade e pânico, assim como um princípio de depressão.
Essas condições a fizeram pedir um afastamento da empresa, para conseguir cuidar de si mesma, mas, logo, a condição temporária virou definitiva, e teve seus laços com a empresa cortados. Na época, ela não sabia que aquilo que estava sofrendo era um Burnout, porque, até hoje, pouco se fala sobre isso, mesmo com o tema de saúde mental ocupando mais espaço nas discussões na mídia. Decidiu, então, “pegar um dinheiro guardado” e fazer um ano sabático.
Durante seu período sabático, na parte chilena da Patagônia, Carol conheceu um holandês, os dois longe de casa, a amizade fluiu e isso a incentivou a visitá-lo na Holanda e a relação evoluiu para algo mais. Ela fez um mochilão pela Europa e lá experienciou a tranquilidade que havia perdido no Brasil. “Eu tinha a impressão que sempre tinha alguém me observando, alguém querendo se aproveitar de mim ou me julgando. Eu estava doente e não entendia, então, para mim, essa vinda para cá ia me ajudar. Ajudou muito, mas não resolveu meus problemas”, aponta.
Em um novo emprego a situação anterior se repetiu. Desempregada em um país novo, a brasileira, desenvolveu dois pensamentos: “Eu acho que preciso me dedicar a algo que me ajude e seja terapêutico para mim; e preciso de um tema. E, quando eu me dei conta que o tema que eu queria era saúde mental ― e coisas que envolviam isso ―, tudo deu uma deslanchada”. Logo, “era uma vez” o início de um ativismo em torno da Síndrome de Burnout.
Uma construção em etapas
Sua primeira publicação no Linkedin foi em inglês, no início, ela tinha medo de como as pessoas iriam reagir ao que estava sendo dito e como ela seria vista no Brasil. Então, por um tempo, aquele foi o único idioma no qual ela produzia conteúdo. Foi através de suas primeiras publicações que Carol percebeu que as pessoas mostravam uma resposta ao que estava sendo dito. “Eu entendi que quando eu contava a minha história, as pessoas se sentiam menos culpadas. E eu entendo, porque foi muito difícil para quem estava perto de mim acreditar no que estava acontecendo comigo”, assim, com a motivação de trazer publicidade àquele problema, Carol, criou a página ‘The Better Achiever’, na intenção de usar mais uma rede para falar sobre o assunto.
Além da vontade, a inspiração para escrever o livro veio de Patricia Merck, ex-colega de empresa que publicou de forma independente seu livro ‘Maybe a Book’, “Eu percebi que, talvez, eu não precisava ser aquilo que eu achei que ser escritora deveria significar e que, talvez, eu pudesse criar o meu jeito de ser escritora”, esclarece. Dessa forma, seu livro, resultado de uma escrita livre e sem intenção inicial de ser publicado, saiu ano passado. Primeiro em inglês, com o título de “My Morning Pages: Chronicles of living through Burnout” e, depois, traduzido pela própria autora para sua língua materna, o português, com o nome “Minhas Páginas Matinais: Crônicas da Síndrome de Burnout”.
No momento, a gaúcha segue publicizando a compreensão sobre Burnout por vários meios: um perfil no instagram ― onde, além de posts pessoais, milita sobre a causa da saúde mental, fazendo lives a respeito. Ela também mantém um blog ― onde acumula todas as suas produções ― e um canal no YouTube ― onde conta sua relação com o Burnout e produz outros conteúdos referente ao tema de saúde mental. Carol também promove o Burnoutados Anônimos, um grupo de apoio, com encontros na última sexta-feira do mês, para pessoas que já passaram ou passam pela Síndrome de Burnout, e oficinas de escrita terapêutica.
“Hoje eu escrevo para mim, escrevo para o mundo, e incentivo as pessoas que elas escrevam, mesmo que não seja para ninguém ver, porque isso é muito, muito, poderoso”, integraliza, entendendo que a escrita a ajudou a se redescobrir. A escritora está trabalhando em seu próximo livro, sem data de lançamento.