“Eu sou sagitariano.” Não é comum começar a contar uma história assim, mas pode ajudar a explicar quem é Acrides Júnior. “Odeio me sentir preso em algum lugar ou circunstância, e isso afeta fortemente a minha produtividade”, diz o estudante de Publicidade e Propaganda da Unisinos. E ele produz mesmo. Leva uma vida criativa que transborda nas atividades que realiza: atuação, canto, dança, costura… As habilidades vão se desenvolvendo conforme o jovem de 21 anos percebe que pode fazer mais.
Antes, lá em 2008, ele era, nas próprias palavras de Acrides, uma criança que “não abria a boca para nada”. Foram as duas estagiárias que atuaram na sua turma da 3ª série que despertaram nele o lado artístico. Carine e Ticiane resolveram montar uma esquete teatral – uma peça curta – com os alunos. “A Carine é atriz e eu achava ela bem louca, no bom sentido”, conta Acrides, agora no 7º semestre da faculdade. “Foi ali que tudo começou”, define o estudante.
A semente do teatro estava lançada. No ano seguinte, a professora iniciou um grupo de teatro com os ex-alunos que tinham demonstrado afinidade. “Ela é minha vizinha em Osório, onde moro. Nos encontramos na rua e ela disse que os encontros seriam aos sábados”, lembra Acrides. Na semana seguinte, ele percebeu que tinha se esquecido do ensaio. “Mas juntei toda coragem e apareci no segundo sábado”, comenta, entre risos.
“Os encontros eram uma loucura e, no início, eu achava a Carine extremamente ‘fora da casinha’”, confessa o jovem aspirante a ator. Na época, ele não sabia que estava indo pelo mesmo caminho. “O tempo foi passando e percebi que estava cada vez mais parecido com ela, e aquilo era maravilhoso.”
A primeira apresentação do grupo foi uma dramatização da música “Trem Fantasma” na principal praça da cidade de Osório. “Para nós, aquilo foi surreal”, conta, saudoso. “Era incrível fazer algo tão divertido simplesmente porque gostávamos.”
Todos os sábados pela manhã, Acrides e colegas ensaiavam em um espaço cedido em uma creche da cidade. Apesar do pequeno espaço, o grupo chegou a ter 40 membros. Com o passar dos anos, muitos deles se tornaram atores fixos e passaram a participar de festivais ou produções maiores. “Mas tudo isso demanda dinheiro, e éramos apenas crianças que dependiam do ‘paitrocínio’. Qual era a solução?”, pergunta o estudante, já oferecendo a resposta: “a famosa rifa”.
O grupo passava o ano vendendo rifas, fazendo brechós de roupas doadas e pedindo patrocínios pela cidade. “Até abraços nós vendemos! A gente se virava como podia e sou muito grato por todos os perrengues que passamos pelo amor à arte”, observa.
Foi essa proatividade em prol do grupo que fez Acrides perceber, desde cedo, que era preciso saber mais. Ele era um jovem ator do interior com o apoio de uma professora, mas se quisesse ir além, ele mesmo deveria se preparar. Quando percebeu, já estava costurando os figurinos, aprendendo a fazer a iluminação, os penteados e o que mais fosse preciso. “Ganhei o apelido de ‘o habilidoso’, porque me metia em todas as áreas e queria aprender a fazer tudo”, relembra. “E meio que consegui.”
Além desse grupo, Acrides ainda participava do teatro da escola, que acompanhou desde o início. A gurizada se dedicava a fazer esquetes para datas comemorativas e apresentações para outros alunos. Com o passar dos anos, os atores foram se formando. Mas o teatro não saiu da vida deles. O professor, que era oficineiro na Secretaria de Cultura, criou um grupo de atividades culturais com os alunos que se formavam.
“Todos os grupos foram super importantes na minha construção artística e pessoal. Cada perrengue, cada roxo que eu adquiri nos ensaios, cada choro após uma apresentação me construiu como artista”, avalia Acrides.
“Meu lugar favorito é o palco”
Em 2019, no Festcarbo, o festival de teatro da região Carbonífera, em Arroio dos Ratos, Acrides viveu um dos momentos mais importantes da sua vida artística. Ele e as colegas Taila, Bia e Luiza correram para o espetáculo “Joaquim e Joaquina”, criado por eles mesmos. “Saímos de Osório às 5h, com o céu ainda meio escuro, e fomos fazendo os penteados no carro”, conta. Ele ainda lembra do cheiro de fixador de cabelo. “Ali, éramos só nós quatro, dando a cara a tapa.”
Ao chegar no evento, o quarteto ainda teve que arrumar a luz, o cenário, o som e fazer as maquiagens. Tudo isso tremendo de frio. Aquele dia acabou sendo o mais frio do ano. “Antes de entrar em cena, esquentamos os pés com o secador de cabelo e não tínhamos coragem de tirar os casacos. Mas quando as cortinas se abriram e a luz do refletor acendeu, nada daquilo importou. Haviam 800 crianças sentadas ali, esperando que contássemos a nossa história. Foi uma experiência única. Terminamos enrolados em cobertores, mas com a sensação de dever cumprido.”
Para Acrides, o teatro é muito mais do que fazer algo para si, é compartilhar com o outro o que te transborda. “Nós só sabíamos chorar de orgulho por todo o nosso esforço. E o melhor de tudo: só chegamos lá porque decidimos nos arriscar. Por que, sinceramente, tinha tudo para dar errado”, acredita.
Do interior para o mundo (ou quase lá)
“Quando eu estava no Ensino Médio, me perguntavam constantemente se ia fazer faculdade de teatro, e sempre respondia que não”, conta Acrides. “Não me via trabalhando com arte, mesmo que tudo que eu fizesse dissesse o contrário.”
As sugestões de que era muito criativo o levaram até a Publicidade e Propaganda. Era o início do último ano da escola, e a decisão estava tomada, mesmo que isso gerasse surpresa. Já na faculdade, como morava em Osório, Acrides passava quatro horas por dia no ônibus, uma rotina mais do que cansativa. Outra decisão importante foi sair dos grupos teatrais de que fazia parte.
“Entrei na universidade com a mente fervilhando de ideias e tudo corria bem até o quarto semestre. Foi quando o desespero bateu”, conta. Depois de anos atuando e vivendo pelo teatro, a criatividade, segundo ele, precisava de um escape. “Percebi que necessitava do teatro para me manter vivo por dentro.”
E o palco não trouxe de volta só energia e sentido, mas também benefícios psicológicos visíveis, assegura Acrides. “O teatro me ensinou coisas valiosíssimas que vão muito além do que se vê numa apresentação. Me ensinou a trabalhar em grupo, a persistir independente da dor e do cansaço, a valorizar o contato com o outro e, principalmente, a improvisar com os obstáculos da vida”, explica. “A arte forma humanos, e só quem ama o que faz sabe o poder transformador que o palco tem.”
Sensibilidade, empatia, dedicação e disposição para a troca de experiências são as características que Acrides considera as principais relações entre a arte e a comunicação. Sair da zona de conforto é outro ponto em comum. “Só é possível crescer quando se experimenta o novo. O teatro me ensinou a reagir quando algo dá errado, a ser vulnerável e a ser eu mesmo.”
No ano passado, Acrides realizou o sonho de se apresentar no Theatro São Pedro, em Porto Alegre, e foi bem no dia do seu aniversário. Mesmo assim, se ver como artista é algo recente. “Eu achava que artista era só quem vivia da arte. Depois, percebi que é muito mais sobre amar o que faz e se entregar.”
Para um sagitariano criativo, 2020 tem sido um desafio. A procrastinação se tornou um inimigo a ser combatido no meio da quarentena. “Em meio a isso e à vontade de sair correndo, tenho alguns surtos de criatividade”, revela.Para o futuro, além de se formar em Publicidade, Acrides pretende estudar teatro mais a fundo e experimentar atividades diferentes que, nesse momento de vida acadêmica, não tem tempo disponível para fazer. Se ele, que dedicava, há alguns anos, cada minuto ao teatro, diz hoje que não tem tempo, então sabemos que sua vida acadêmica deve estar realmente puxada. O Mescla torce para que, em breve, Acrides volte ao seu lugar favorito no mundo: o palco, não importa o tamanho ou onde.