Você já ouviu falar em um super-herói brasileiro, pesquisador, gay afeminado, que não é malhado e usa aplicativos de relacionamento no dia a dia? Se não, conheça o Boy Magya, criado pelo doutor em comunicação e egresso do curso de Publicidade e Propaganda da Unisinos Christian Gonzatti. Além de autor dessa história em quadrinhos (HQ) cheia de representatividade – e do livro “Pode um LGBTQIA+ ser super-herói no Brasil?” –, ele é o criador da Diversidade Nerd, plataforma que tem o objetivo de espalhar e produzir conteúdo sobre questões de gênero, sexualidade e outras diversidades na cultura pop. A equipe se intitula como “o lado colorido da força”. Além do site, o Diversidade Nerd conta com perfil no Instagram e canal no YouTube, que, juntos, somam mais de 150 mil seguidores.
Antes de continuar, aperte o play para ouvir duas playlists: esta aqui (Spotify) e esta outra aqui (YouTube), elaboradas especificamente para ser apreciada em conjunto com a leitura da HQ, preparadas pelo próprio Christian. Assim, você pode entrar no clima e já entender um pouco o contexto da história.
Como o Boy Magya nasceu?
A edição da HQ conta com a coautoria de Guilherme Smee, além da arte de Danverdura na história principal, tirinhas especiais que utilizam o universo ficcional do Boy Magya, desenhadas por Arthur Pandeki e Renato Britto, prefácio de Rita von Hunty e posfácio da deputada federal e ativista Erika Hilton, sendo todos esses artistas e personalidades LGBTQIA+. Todos foram escolhidos, segundo Christian, para visibilizar o trabalho de pessoas que têm a mesma proposta que os autores.
“Boy Magya contra o monstro do armário” segue as aventuras do Mario. Ele é, assim como o Chris, um jovem gaúcho. A personalidade do protagonista se baseou claramente na experiência pessoal do autor. “O que é ser um jovem gay afeminado que cresceu no Brasil dos anos 90 e 2000? Esse é o contexto geracional em que eu estou inserido. Nós queríamos que ele não fosse um super-herói totalmente magérrimo ou malhado. Ele tem um corpo que pode ser lido como padrão, mas escapa um pouco ao padrão das histórias em quadrinhos”, comenta Christian.
Diferentemente de seu criador, o personagem se muda para outro Estado do Brasil, Recife, porque é lá, mais especificamente na Universidade Federal de Pernambuco, que existe um dos únicos programas de pós-graduação do país especializados em Arqueologia, área de pesquisa do Boy Magya. “A maior parte das histórias ficcionais brasileiras se passa no eixo Rio de Janeiro-São Paulo, então a gente quis descentralizar, indo para a Região Nordeste. E nada impede que, no futuro, como pesquisador, o Mario precise viajar para outras partes do país”.
Em uma de suas expedições, o herói, que antes era uma pessoa comum, descobre um artefato embaixo de um armário, escondido por bruxas, a pedido da deusa Íris, mensageira da felicidade, da “força colorida”. É a partir desse artefato que o Boy Magya surge e extrai seus poderes. Esses se manifestam com a alegria: quanto mais feliz o Mario está, mais forte ele fica e mais coisas ele consegue materializar apenas com o poder da mente. Mas o inimigo de Íris também possui um cristal, achado pelo coronel Ostra, que ativa os poderes do gatilho e enfraquecem Mario.
A influência da pesquisa na criação da história
Chris conta que sempre foi um sonho dele escrever uma história ficcional, desde que começou a se constituir como um sujeito pensante, em contato com a literatura, principalmente com os livros do Harry Potter e, no universo dos quadrinhos, o Homem Aranha.
“Quando entrei na graduação, passei a fazer parte de um grupo de pesquisa chamado LIC (Laboratório de Investigação do Ciberacontecimento). Lá, eu saciei essa vontade da escrita, mas era um estilo totalmente diferente. Produzi muitos artigos científicos, tanto no mestrado quanto no doutorado”, explica.
“Nessa trajetória, comecei a estudar questões de gênero, sexualidade e cultura pop. Em decorrência de conhecer o Gui Smee, que é o coautor do Boy Magya, nessa caminhada acadêmica, eu comecei a conhecer um pouco da produção de quadrinhos”. Christian desenvolveu a história e os acontecimentos, mas quem o ajudou e ensinou a transformar tudo isso em um roteiro para HQ foi o Guilherme.
“Ele orientou muito na escrita, e tem muito dele no Boy Magya também, já que ele trouxe várias ideias novas. O Gui começou a me estimular em relação a talvez produzir um quadrinho, com uma história que eu tivesse interesse. E daí surgiu a ideia de escrever o Boy Magya, que visa ser uma história que traz vários elementos da teoria queer, dos estudos de música pop, de gênero e sexualidade. Então, tem muito dessa história científica. Eu entendo que é uma forma até de popularizar essas questões de gênero e sexualidade a partir dessa HQ”, explica Christian.
Referências
A HQ está repleta de referências. Praticamente em cada página há uma nova menção a algum elemento da cultura pop ou do mundo LGBT. Christian diz que “a intenção foi trazer essa potência, fruição que muitas pessoas LGBT encontram na música pop, na relação com o pop, como esse pop pode ser um ruído na norma também. Um exemplo são os fãs da Lady Gaga e da Madonna, que foram acolhidos na epidemia de HIV e AIDS”.
“Todas as vezes que uma música toca na história, isso acaba dialogando muito com o meu imaginário de potência, do que é um superpoder queer. Um dos meus momentos preferidos de referência é quando o Boy Magya consegue materializar uma nave da Xuxa, e se despede mandando ‘beijinho, beijinho, tchau, tchau’”.
Unindo forças: representatividade e resiliência na vida LGBTQIA+
“Infelizmente, nós, pessoas LGBTQIA+, precisamos ser um pouco super-heroínas para viver nesse contexto em que estamos. Então, uma das questões que eu quis trabalhar, e que eu acho que é central nessa HQ, foi a da saúde mental. É importante falarmos sobre isso, porque jovens LGBT tem cinco vezes mais chances de cometerem suicídio do que jovens cis heterossexuais. A gente está mais propenso a problemas de saúde mental em decorrência dessa cultura tão LGBTfóbica. Muitos elementos que dialogam com o que eu e amigos e amigas já passaram estão nessa história”, revela Christian.
Além da representatividade que a história traz e as questões sobre saúde mental, outra temática significativa é o poder da força coletiva. “Nós não precisamos enfrentar nada sozinhos. Podemos constituir famílias. É o que a RuPaul (criadora de RuPaul’s Drag Race) já nos dizia: nós, pessoas queer, podemos escolher nossas famílias. A história tem um pouco dessa mensagem, que vai continuar sendo desenvolvida ao longo das próximas edições.”
O projeto só foi possível a partir do apoio do público
A impressão do livro ocorreu graças a uma campanha de financiamento coletivo, que acabou atingindo mais de 150% da meta inicial, fato que já garantiu a sequência da HQ. Quem recebeu os exemplares foram as pessoas que apoiaram financeiramente o projeto. E, de acordo com Chris, a recepção tem sido muito positiva: “O público está se identificando com a história. Recebo feedbacks de pessoas se emocionando, chorando, curiosas em relação à sequência”.
“Boy Magya contra o monstro do armário” pode ser adquirida diretamente com o autor. “Eu anuncio chamadas para os seguidores poderem adquirir a HQ. Com isso, já foram praticamente 1 mil HQs vendidas”. As chamadas acontecem tanto em seu perfil pessoal quanto no da Diversidade Nerd, no Instagram, TikTok e Twitter. Todos os links podem ser acessados aqui.
Há, inclusive, algumas livrarias em São Paulo que possuem o livro disponível. Para quem ficou interessado e não quer esperar para conferir, a história está disponibilizada também na versão digital, que, assim como a versão física, pode ser adquirida com Christian.
E vem mais novidade por aí…
A próxima aventura do Boy Magya já está em fase de produção! E tem até título: “Boy Magya: Eva x Angélico”. “Ainda tem muita coisa para conhecermos da personalidade do Mario. A próxima HQ, como nome já dá a entender, tem como temática central o fundamentalismo religioso, o ataque de pessoas religiosas extremistas contra pessoas LGBT e as fake news envolvendo isso. Também a perseguição a drag queens, a pessoas trans, entre outras coisas. Enfim, será bem polêmica. Babado, gritaria e confusão (risos).”
Chris ainda deu mais detalhes: “Temos toda uma trajetória para o Boy Magya e até para equipes que podem surgir da relação com ele. Tudo vai depender do retorno do público, se as pessoas tiverem interesse. E estamos abertos a possibilidades, né? É difícil a cena independente de quadrinhos no Brasil, mas a gente está tendo um excelente retorno, sabe? Estou super feliz”. A campanha para a continuação já está disponível no Catarse. Apoie você também!