A revista Primeira Impressão, comumente chamada de “PI”, é um produto da disciplina de Jornalismo Literário, ministrada pelo professor Felipe Boff. A escolha do tema é sempre coletiva, com as sugestões dos colegas e orientação do professor em todo o processo. Desta vez, foram abordadas histórias envolvendo estabelecimentos gastronômicos em diversas partes do RS. Confira a edição 59 completa de forma on-line aqui!
A noite de lançamento
A noite de lançamento aconteceu no saguão do prédio D02. Felipe comenta sobre como é esse encontro: “A gente conversa muito sobre esse processo, como foi a experiência dos alunos a partir do zero, lá no início do semestre, para finalmente fazer a própria reportagem literária. Por fim, a gente distribui os exemplares para a turma, e aí, eles vão se encarregar de fazer uma parte da distribuição também para as fontes que eles entrevistaram, e vão fazer circular esses exemplares para o público específico que eles desejarem”.
O que a revista proporciona para os alunos, Unisinos e comunidade
Felipe Boff explica que a revista possibilita uma imersão na reportagem. “A primeira parte do semestre é basicamente dedicada a ler outros textos e a estudar algumas teorias do Jornalismo Literário, se preparando para esse momento, ao mesmo tempo em que vão se se acercando das pautas que eles propuseram, investigando com calma. Propicia a feitura de um jornalismo com tempo, profundidade e cuidado maiores na escrita. Também a possibilidade de utilizar recursos de linguagem que a gente não vê no jornalismo diário convencional”.
A aluna Lisandra Steffen, uma das redatoras da revista, considera essa uma oportunidade para os estudantes verem o trabalho de um semestre todo na revista e traz visibilidade para os estabelecimentos. “É uma grande oportunidade, né? Eu, por exemplo, fiz essa disciplina no meu último semestre, mas os colegas estavam em momentos variados do curso. Independentemente disso, foi uma das poucas oportunidades que tive de fazer jornalismo literário, de escrever uma reportagem com fôlego, com tempo e com carinho”.
E os estabelecimentos que abriram suas portas para a produção da reportagem, também ganham em oportunidade. “Eu acho que é legal ter alguém que se interesse pela história e pelas pessoas que trabalham e frequentam o local. Acaba sendo, também, um registro que fica depois. Um registro bem completo de o que é aquele lugar”.
Para a capa da revista, acabou sendo escolhida uma foto que a aluna Nadine Dilkin produziu para sua reportagem. “É difícil escolher a melhor parte da produção, pois foi uma experiência muito legal, gostei de ir até o estabelecimento juntar informações, de fazer as fotos, a entrega final do texto. Mas a parte que mais gostei foi quando escolhemos minha foto como capa, fiquei surpresa, pois tinha mais que uma opção de fotos minhas. Descobri quando o Felipe trouxe a revista para olharmos e revisarmos, antes de ir para a gráfica/impressão”.
Como foram escolhidos os locais?
Segundo Lisandra Steffen, a escolha do tema foi feita “acho que muito pelo debate que gerou. Era uma ideia muito interessante e as reportagens poderiam ser completamente diferentes umas das outras, mas sem perder a “essência”, nesse caso, estabelecimentos de comida. Acho, também, que o que fez a gente se apegar nesse tema foi o quão distante ele era das edições anteriores da PI”.
Nadine passou por alguns restaurantes e cafés, para procurar uma pauta. “Quando estava no restaurante da Maria (na cidade de Santa Maria do Herval), e vi que em uma das paredes ela retrata uma pequena parte da história dela, eu fiquei curiosa em saber mais sobre. Pensei que dali sairia uma grande e boa história. Algo que aprendi foi que sem apurar bastante não tem boa história”. Ela então aproveitou a ida para provar a comida do estabelecimento. “Sim, eu provei a comida do restaurante. Inclusive numa noite em que estava lá para “observar”, eu provei as pizzas, mas o bolinho de batata já conhecia, pois já almocei algumas vezes no restaurante”. Essa matéria foi sobre o Restaurante, Pizzaria e Panquecaria chamado “Schwarz Maria”, apelido preconceituoso que significa “Maria Preta”, que ela ressignificou e transformou em sua marca registrada.
Já a Lisandra se encantou pela história do Xis da Alemoa, em Sapucaia. “Em Sapucaia, todo mundo conhece o Xis da Alemoa. Pode até não ser cliente, nunca ter experimentado, mas conhece. Eu não queria escolher um restaurante moderninho, que pode sair em qualquer jornal, sabe. Provavelmente, essa foi minha única oportunidade de escrever pra uma revista, então eu queria um lugar que também não seria escolhido nos meios convencionais. O Xis, pra mim, é a essência de Sapucaia”, contou. Ela também contou o estabelecimento fica embaixo de uma passarela, no centro. Reúne todo tipo de gente e fica aberto quando ninguém mais fica. Lisandra tinha curiosidade de saber o que podia ser visto lá e que não ia ser encontrado em outro lugar.
“Com essa matéria, eu aprendi a não esperar nada da pauta. Deixa eu explicar: absolutamente qualquer coisa que eu poderia ter pensado ou planejado pra essa pauta, não foi o que eu encontrei lá. Era muito estímulo, muito personagem, muita história. Tudo ao mesmo tempo. E isso é outra coisa, tu tá lá com toda a bagagem de textos do semestre e tu não vai conseguir escrever igual a Eliane, ao Caco etc. (autores estudados), mas tu vai fazer as tuas escolhas de enquadramento, tu vai escrever no teu estilo, do teu jeito e tu vai encontrar isso tudo (e se encontrar enquanto profissional também) enquanto tu tá trabalhando no texto”.
Na matéria do Xis, o destaque foi para as pessoas em situação de rua que convivem na região diariamente junto com a equipe de funcionários. “Eu não sabia que eles iam estar ali. Ou que esse destaque ia acontecer. É claro que eu sabia que existiam pessoas em situação de rua na região, até porque, depois da reforma da praça da cidade, eles “perderam o espaço” que tinham e acabaram se espalhando pelo centro. Não teve uma intenção prévia, mas chamou a atenção a convivência entre eles e o Xis. Então, era impossível não incluir essas pessoas e ouvir elas de forma sensível”.
“E eu acho que essa foi a parte da reportagem que mais fez eu crescer. Porque precisa ter sensibilidade pra falar sobre um grupo que é constantemente marginalizado, né. As coisas não são preto no branco e as pessoas não estão naquela situação por que querem ou por que são “ruins”. Então foi uma boa experiência, ouvir a história do Cristianinho ou ver a felicidade da Diana ao ser fotografada, vista. Dar espaço pra que eles falem sobre as próprias vivências. E é muito legal saber que eu encontrei, no Xis da Alemoa, além da pauta do semestre, esse convívio entre o estabelecimento e as pessoas que compõem aquela região”.
Lisandra ainda conta ao Mescla um pouco sobre os desafios nos bastidores: “Falando de modo geral, o desafio que todos nós achamos que íamos enfrentar, lá no início do semestre, quando escolhemos o tema, foi não encontrar histórias. Da reportagem ficar muito mais um “merchan” (merchandising, propaganda) do estabelecimento do que jornalismo literário. E foi, justamente, esse desafio que acabou virando a “melhor parte”, por que teve um gostinho melhor ver a reportagem pronta e recheada – com perdão dos trocadilhos alimentícios. Fora isso, acompanhar todo o processo da reportagem sendo feita – desde a pauta, depois a apuração, a diagramação, até a versão final da revista –, me deixou muito animada. Dá um orgulho ver a revista física, tocável, pronta no final”.
A produção da PI é vista como resistência pelos alunos
A importância de a revista ser publicada e distribuída, além do formato digital, no impresso, é destacada por Nadine. “Acredito que o papel da revista para a comunidade e para a Unisinos é mostrar que, mesmo o que é pouco vistoa nas ruas, é algo que tem um valor. Principalmente por ser físico, pois hoje em dia tudo está cada vez mais no digital. Então, a revista impressa é algo legal de circular, que não poderia terminar. E também de mostrar que tem muitas histórias lindas, que muitos leitores podem conhecer”.
Lisandra compartilha da opinião da colega. “A PI é importante porque ela é a prova do que o curso de Jornalismo (junto com os discentes e docentes) pode fazer. Produzir e lançar a PI (além, obviamente, das outras produções físicas e digitais feitas ao longo do curso) é uma resistência. É mostrar que a gente tá aqui, a gente produz conteúdo e, principalmente, produz jornalistas humanos e de qualidade. A gente tem esse produto, feito por alunos, que futuramente serão jornalistas formados, que vai para além dos muros da universidade. Serve para mostrar que a gente consegue sobreviver ao sucateamento da comunicação e, mesmo com pouco, produzir jornalismo literário. E a gente faz isso muito bem”.
“Para a Unisinos, é um motivo de orgulho ter uma revista que está chegando a 59ª edição, com um veículo experimental consolidado, com uma história muito bonita de grandes professores e professoras que conduziram essa publicação na trajetória até aqui. Eu tenho muito orgulho de estar participando agora. É representativo também da qualidade que a Unisinos propriamente tem. Temos, hoje, um cenário com poucas publicações, especialmente as publicações locais. Então, é um veículo único que existe entre poucos para tratar de história deste modo, com essa qualidade. Para quem gosta de ler não-ficção, histórias reais, com profundidade e texto trabalhado, eu acho que é um veículo bem interessante”, é o que diz o professor orientador.
Mas como esse conteúdo se encaixa em Jornalismo Literário?
Felipe responde: “O aspecto principal com que nós trabalhamos é ter a estrutura da construção da matéria como uma narrativa. Cada história chega num ponto diferente, mas que preserva o estilo de cada autor ou autora. Essa é uma preocupação que a gente tem, de manter o texto não como se fosse a revista inteira escrita por uma pessoa, mas que cada texto tenha as marcas de autoria de quem escreveu. O vocabulário, os temas… Tudo isso está plasmado nessa produção. Cada história pede a utilização de recursos específicos, e a gente discute quais são os melhores recursos a usar”.
“É um jornalismo que exige uma imersão maior, então tem o tempo de acompanhar a rotina daquele lugar, conversar longamente com as fontes – porque às vezes me parece muito mais uma conversa do que uma entrevista –, o tempo de ficar lá observando como as coisas acontecem… Esses foram os primeiros desafios que eles enfrentaram”.
Reforçando: você pode ler outras reportagens além das de Nadine e Lisandra na publicação on-line da PI 59 neste link.