Que um dos principais compromissos do jornalista é informar, todos já sabem. Em se tratando de jornalismo televisivo, existem alguns métodos e ferramentas que ajudam o profissional a comunicar os fatos, como entonação da fala, linguagem corporal e, não menos importante, o que escolheu para vestir. A decisão sobre o figurino deve levar em conta alguns fatores, entre eles, o tipo de noticiário, o horário da transmissão, o local onde a reportagem foi feita e o tipo de notícia que será reportada.
“O trabalho do figurinista contribui para a criação da identidade visual do jornalismo ao reforçar a credibilidade do programa, cuidando para desenvolver uma identidade visual coesa, refletir o tom e o tema da notícia e transmitir informações implícitas aos telespectadores por meio das escolhas de roupas e acessórios para apresentadores e repórteres”, explica a figurinista do Grupo RBS, Jaqueline Santos. Ela esteve recentemente na Unisinos para realizar a palestra “Introdução de figurino para jornalismo na TV¨, durante a Semana da Moda – que, inclusive, teve cobertura do Mescla.
Jaqueline é responsável pela identidade visual de programas bem conhecidos do público gaúcho, como Jornal do Almoço, Bom Dia Rio Grande, Globo Esporte e RBS Notícias. Na RBSTV há 3 anos, ela define os figurinos dos jornalistas de todas as praças (emissoras locais) da empresa no Rio Grande do Sul.
O trabalho de Jaqueline é um complemento visual dos programas e também faz parte da construção da marca dos comunicadores. “No Globo Esporte, por exemplo, com a Alice Bastos Neves, por ela ser uma pessoa alegre e expansiva, busco por uma cartela de cores vibrantes, com modelagens mais casuais, que comunicam bem com o público que o programa e a apresentadora pretendem atingir”, detalha a figurinista. Segundo ela, o styling – trabalho de figurinismo – não fica restrito ao programa, já que a Alice também é uma das influenciadoras digitais da empresa e tem uma forte presença no Instagram.
Existe diferença entre produção de moda e figurinismo?
Sim, apesar de sutis, existem algumas diferenças. “A produção de moda é responsável por pesquisar e realizar o que for necessário para criação de um evento, editorial, comercial ou, nesse caso, um telejornal. Essa busca normalmente não envolve apenas peças de roupa, mas também conceitos e cenários. Já o figurinismo faz parte da construção de um personagem, ou seja, roupas e acessórios usados por esse indivíduo dentro da produção”, explica a stylist Daniella Pons. Ela é a única figurinista da Record TV RS e, por isso, acaba exercendo também a função de produtora de moda.
Como funciona a operacionalização e logística dos looks diários?
Cada emissora apresenta sua própria dinâmica e políticas para a área. Isso quer dizer que algumas empresas utilizam parcerias com marcas de roupa, enquanto outras não, como é o caso da RBS. O grupo tem seu próprio acervo de peças para programas jornalísticos, mas permite que programas com foco no entretenimento tenham parcerias com lojas.
Jaqueline conta que para conseguir atender as necessidades dos 72 jornalistas da RBS em diferentes partes do Estado, ela tem que estar em contato constante com todos esses profissionais para saber se ainda estão na empresa, se as medidas continuam as mesmas – a fim de comprar vestimentas que se adequem ao corpo de cada um – e, é claro, conhecer os gostos pessoais dos profissionais.
A distância pode dificultar, mas nunca impossibilitar esse trabalho, garante a profissional. Ferramentas como o site Colorwise.me ajudam a figurista a conhecer e entender a paleta de cores mais apropriadas e favoráveis para a imagem cada um. Para isso, basta apenas uma foto à luz do sol, sem filtros ou maquiagem.
Para a figurinista do SBT RS, Bere Paiva, a dinâmica da rotina de styling é um pouco diferente. No Rio Grande do Sul, a única praça da emissora fica localizada na Capital e, ao invés de comprar roupas para o acervo, a política da empresa possibilita a realização de parcerias para todos os tipos de programa. Assim, os jornalistas do SBT vestem as peças de determinadas lojas e, em troca, publicam em suas redes sociais fotos com os looks. Isso ajuda a marca a ganhar visibilidade, ao mesmo tempo em que impacta positivamente o orçamento da emissora.
Apesar das rotinas e dinâmicas diferentes, as três profissionais dividem a mesma visão sobre a importância da construção de moda dentro do telejornalismo. Para elas, é um papel fundamental, que implica na imagem do telejornal, um fator que reflete diretamente na credibilidade do jornal.
Como o figurino pode influenciar o trabalho do jornalista
¨É uma mudança muito grande, porque, antigamente, vestidos de terno e gravata, a gente se distanciava das pessoas. Imagina chegando em um bairro assim para cobrir o problema ocasionado por um buraco de rua, por exemplo”, acredita o repórter Cristiano Dalcin, da RBS, sobre as mudanças, ao longo do tempo, no traje tradicional do jornalista.
Apesar de alguns locais ainda exigirem um certo nível de formalidade, como Câmaras de Vereadores ou Tribunais de Justiça, as exigências de um rigor formal – tanto por parte das emissoras quanto do próprio público – vem sendo flexibilizadas. Para além de questões de conforto e praticidade, a informalidade ajuda o jornalista a se inserir, de forma mais assertiva, em espaços populares. E, para situações que ainda exigem alguma formalidade, uma dica do jornalista: “É sempre bom ter à mão peças-chaves, no meu caso, um blazer, por exemplo, em locais de fácil acesso”, diz Cristiano.
Repórter de TV há quase 20 anos, Luciane Kohlman, do SBT, também acredita que o telejornalismo está dando espaço para que o figurino do profissional se aproxime de sua audiência. “Hoje, se o figurino é formal ou não, isso pouco importa. Isso porque o que vale é fazer com que a audiência preste atenção na notícia, e não no figurino”, avalia.
Luciane diz que o trabalho de jornalistas mulheres pode ser negativamente impactado por conta do figurino. Comentários acerca de roupas, acessórios e até mesmo o caimento das peças nas repórteres e apresentadoras desviam o foco da notícia e colocam o seu trabalho em segundo plano.
Outra diferença que a repórter apontou entre o vestuário de homens e mulheres dentro do telejornalismo é sobre as opções que cada um tem para variar o figurino. “O guarda-roupa formal da mulher tem mais variedade e diversidade do que o do homem”, observa.
A informalidade nunca atrapalhou a dinâmica do trabalho de Luciane, porque, assim como Cristiano, a jornalista sempre leva alguma peça-chave para ambientes que exigem mais formalidade, como o Supremo Tribunal de Justiça, por exemplo. Em Brasília – centro da política nacional –, é esperado que os profissionais que circulam pela Praça dos Três Poderes cumpram esses requisitos de etiqueta. A repórter lembra da única situação mais “fora da curva” que lhe ocorreu durante a produção de uma pauta. “Eu estava com uma blusa um pouco cavada, e para poder continuar ali, tive que vestir uma espécie de toga”.
Quem também sentiu essa diferença foi Léo Saballa Jr. Durante a Semana Acadêmica do curso de Jornalismo, o jornalista lembrou que, durante sua primeira passagem pelo programa, em 2015, o terno e a gravata faziam parte do seu dia a dia, e hoje não mais.