José Luís de Carvalho Reckziegel é professor da Escola da Indústria Criativa da Unisinos. O Zé, como é carinhosamente chamado, foi aluno da Uni no curso de Comunicação Social – Hab. Publicidade e Propaganda quando os estudantes ainda frequentavam a antiga sede da Universidade e realizavam parte das disciplinas no turno da manhã. Desde então, muita coisa mudou, na Uni e também no Zé. Ele se formou em 1981, fez mestrado, doutorado e há décadas inspira os alunos que tenham a sorte compor as turmas conduzidas por ele. O Zé é testemunha e componente de história.
Em entrevista ao Mescla, ele conta um pouco sobre a sua formação, os primeiros passos no mercado publicitário e o brilho nos olhos ao acompanhar a evolução dos alunos no curso e na vida. Esse bate-papo faz parte de uma série de conversas com profissionais que passaram por estes corredores antes de nós e ainda marcam as memórias dos 50 anos da Comunicação Unisinos. Você pode conferir neste link outras entrevistas publicadas.
Leia a seguir a íntegra da entrevista:
Mescla – O que é a Indústria Criativa hoje?
José – Na minha época, o curso era um só: Comunicação Social. Havia uma vertente, em que tínhamos algumas disciplinas introdutórias das três áreas (PP, RP e Jornal), e mais algumas disciplinas comuns. Depois, cada aluno se direcionava a uma ênfase. A grande ênfase da Publicidade era a criatividade. A criatividade era uma palavra e uma atitude que estava no auge, na época. Valiam – e os clientes também aceitavam – os delírios dos criativos. Deixando de lado tudo que nós consideramos hoje, os nichos, o planejamento, a importância do briefing, a intenção mercadológica. Essa é a grande diferença que vejo em relação ao curso hoje: é muito mais científico, propõe uma série de conteúdos que vieram acompanhando o tempo e alguns ainda propondo cenários futuros.
Mescla – Uma disciplina que marcou a sua trajetória?
José – Todas (risos), mas fundamentalmente a antiga Expressão Gráfica, que foi atualizada e hoje é chamada de Representações Visuais, pelo fato de ser uma disciplina quase introdutória, ofertada no segundo ou terceiro semestre. É fantástico ver os rostinhos bem novinhos adquirindo a consciência de que a prática da comunicação publicitária integra também cultura, história, arte… e é uma linguagem. Quanto mais ela se diferenciar na argumentação, em termos de linguagem verbal e visual, mais ela vai atingir seus resultados. É uma disciplina que me motiva muito, os alunos terminam o semestre brilhando. É muito legal ver isso, me enche de orgulho.
Mescla – Um professor especial?
José – Jim Pompeo. Ele chegou a fazer parte da Agexcom. Foi ele o responsável pelo início da minha carreira profissional, nos anos em que trabalhei em agência. O Pompeo foi um ser humano maravilhoso. Fui monitor dele na época, durante uns quatro semestres. No segundo semestre, ele me convidou para trabalhar com ele em Porto Alegre. “Esteja lá antes das 8h”, ele disse, e às 7h30 eu estava parado no portão. Ele contou que gostava do meu traço, do meu jeito de lidar com as pessoas e tinha vaga no estúdio e na área de tráfego, que eu podia juntar as atividades. E eu só saí de lá para vir para a aula à noite, comecei a ir todos os dias. Foi meu grande mentor. Fui ficando, me formei, e ele continuava aqui, assumiu a coordenação do curso. Um ano depois de formado, ele avisou: “vai abrir concurso para a Unisinos, tu tens que te inscrever”. Fui aprovado e comecei. É um anjo da publicidade que está lá em cima nos olhando.
Mescla – Um amigo que o senhor fez no curso (ou na faculdade, ou ao longo da graduação)?
José – Vários, que permanecem até hoje. Sou padrinho dos filhos e de casamento de ex-alunos que se conheceram nas salas de aula. Mas uma colega que me acompanhou muito desde o início do curso é a Sônia Haas. Entramos juntos, fazíamos todos os trabalhos juntos. Ela entrou uns três ou quatro anos depois que eu já lecionava. Foi coordenadora do curso algumas vezes. Em função de relacionamento e outras coisas, ela se mudou para a Bahia, antes de 2005. Começou a dar aula na Federal. Hoje está aposentada, mora em uma daquelas praias, na Ilha de Itaparica, e a gente conversa, se visita… é também uma das minhas “ídolas”. É uma mulher que admiro muito.
Mescla – Um lugar especial na Uni?
José – O caramanchão, na Sede. Era um pergolado totalmente coberto de trepadeiras, vários bancos e um laguinho artificial lotado de peixes dourados. Ali, a gente se sentava para falar sobre a vida, para sonhar os nossos futuros, para fazer os trabalhos. É um lugar que me marcou muito durante a fase de estudante, em função da convivência e da intimidade que a gente tinha com as pessoas. Isso se tornou uma espécie de refúgio. A minha filha, quando pequena, chegou a conhecer. Adorava, eu ficava sentado vendo ela ver o laguinho e assim por diante. De vez em quando, ainda me vem à memória o velho caramanchão da Unisinos.
Mescla – Um acontecimento que lhe marcou no período?
José – Um encontro de ex-alunos em que, inclusive, houve uma participação bastante grande de ex-professores, o Pompeo já tinha partido. Foi um dia inteiro, nos reunimos na Sede, a partir de pequenos encontros. A [professora] Luiza Carravetta começou a organizar, então nos reuníamos lá na Sede, primeiro com um grupo pequeno. As memórias foram voltando, os afetos foram sendo retomados, as lembranças… E resolvemos tentar um grande encontro. Foram mais de 70 pessoas que acabaram vindo nesse dia. Almoçamos, rimos, conversamos, alguns choraram. Alguns professores que estavam em São Paulo e vivos ainda, vieram. Foi muito legal. Se não estou esquecido, foi em 2011. Já dá para nos reunirmos de novo (risos).
Mescla – O que a graduação na Uni representou na sua vida?
José – Vida. A graduação não existe sem vocês. Vocês [estudantes] são tudo, a nova geração, o futuro. Vocês são inquietos, têm uma energia contagiante. É por isso que sempre que me perguntam qual o significado e o porquê de ainda continuar dando aula e orientando, eu digo que os alunos me dão vida, é uma troca de energia, de conhecimento e de experiência, tão rica e tão grande que acho que não deixa nenhum de nós, professores, parar no tempo. Nos motiva a sempre buscar mais. Também, esse prazer de estar lá, ver vocês se formando, a evolução do curso, o despertar de novos interesses. É vida.
Mescla – A quais livros, filmes e séries o senhor tem se dedicado recentemente?
José – A continuidade de Game of Thrones, claro, que está imperdível. Inclusive, reli os quatro volumes durante a pandemia. Terminei de assistir RuPaul’s Drag Race. Vi também Crônicas de São Francisco. Fiquei muito apaixonado por Coisa Mais Linda, uma série brasileira que se passa na década de 1950. O Tempo Entre Costuras, que é uma série espanhola que se passa durante a guerra civil, muito legal. Nos livros, voltei aos escritos do Jung, no sentido de retomar alguns conceitos em termos de arquétipos e assim por diante. Li algumas biografias de grandes designers, como o Saint Laurent, a própria Chanel… E, também, peguei um que fazia muito tempo que eu queria retomar: Teoria das Cores, do Goethe. Renovou meu conhecimento. E, claro, vi muitas outras coisas, li coisinhas curtas também, isso não dá para parar. Dancei muito quando a ansiedade batia. Colocava a Cher e pulava pela casa (risos).
Mescla – Por fim, assim como as memórias, a criatividade também se renova?
José – Com certeza. A gente está se renovando o tempo inteiro, a vida inteira. Tudo são novas referências, novos conhecimentos, novas curiosidades, novas buscas. Falei do livro do Goethe, a primeira vez que tive contato com ele foi na disciplina de Psicodinâmica das Cores, no meu tempo de graduação. Acho que já reli umas cinco ou seis vezes depois. E a gente sempre descobre coisas novas, porque a gente não é mais aquela pessoa, em termos de processo criativo – que nada mais é do que a forma que a gente vê o mundo. A gente enxerga o mundo como se permite. Nos permitimos enxergar o mundo com liberdade, aceitando tudo que ele tem para nos colocar, em termos de realidade e absorvendo essa realidade, ou carregados de preconceitos, não aceitando algumas coisas que estão aí, isso está relacionado com tudo. Só que o grande filtro são os nossos valores que foram crescendo e evoluindo, a partir daquela base que nos foi dada na infância e foi crescendo e florescendo. A criatividade vai se renovando, porque o mundo se renova, a vida se renova.