Por dentro

#exposição #MARGS #presençanegra #representatividade
Que tal visitar a exposição “Presença Negra no MARGS”?
"O Mescla foi conferir os últimos dias da mostra que evidencia obras e a identidade de artistas negros do Rio Grande do Sul e do Brasil"
Avatar photo


A exposição “Presença Negra no MARGS” faz parte de um projeto de mesmo nome do Museu de Arte do Rio Grande do Sul, iniciado em 2021 pelo Núcleo Educativo da instituição, que apresentou conteúdos, palestras, aulas, encontros, cursos e debates envolvendo artistas, teóricos, pesquisadores, curadores e intelectuais negros e do pensamento negro no Brasil, incluindo agentes de movimentos sociais e ONGs. O primeiro passo foi uma revisão crítica do acervo, que resultou em uma série de postagens nas redes sociais do Museu. 


“Nesta exposição, escolhemos trabalhar apenas com produções que vêm de mãos e mentes negras. Essa é uma posição política que se refere à necessidade de conceber a arte afro-brasileira não como um tema, um estilo ou conteúdos preestabelecidos, e, sim, como a parcela da arte brasileira produzida por sujeitos negros”, sintetizam os curadores da mostra Izis Abreu, Igor Simões e Caroline Ferreira.


Antes da mostra, um evento importante aconteceu: a realização de uma residência artística (o MARGS serve de apoio para o desenvolvimento e criação do trabalho de artistas, ajudando na inserção do contexto cultural e social) com a participação de 23 artistas negros e negras atuantes no Estado.  


A exposição 

Segundo a mediadora do Núcleo Educativo do MARGS, Amanda Barcelos, o acervo do Museu tem cerca de 1,1 mil artistas, no entanto, apenas 22 são negros. “Se a gente entrar na questão de gênero, fica ainda pior a situação, porque são 21 homens e uma mulher”, ponderou Amanda.


“Presença Negra” conta com cerca de 250 obras, organizadas em núcleos, renovados com periodicidade durante a mostra. “Como é muita coisa, a curadora Ízis Abreu criou essa divisão para uma melhor compreensão do público”, explica a mediadora.  


Tem núcleos voltados para temas religiosos, de artistas transexuais, de maternidade, indígena, entre outros. A exposição está instaladas nos ambientes Foyer, Pinacotecas, Salas Negras e Sala Aldo Locatelli, no 1º andar do Museu. Desde maio, a exposição central foi “Relaxamento Afro”. “Traz essa questão de que negros nunca são vistos ou retratados em situações de relaxamento, fazendo algo para o seu bem-estar”, pontua Amanda.


Arte para a transformação social 

Giuliano Lucas é um dos artistas negros que está na exposição do MARGS, com dois vídeos reproduzidos e fotografias expostas nas pinacotecas central e lateral. “Sentimento de conquista, mas também é um sentimento de que é tardio demais”. Para ele, que trabalha com fotografia, cinema, videografismo e outras artes visuais, o processo de entender que fazer arte era uma possibilidade de profissão foi cruel.  


Giuliano conta que, para comprar sua primeira câmera, precisou de um empréstimo, que durou dois anos. “Para uma pessoa preta chegar a ter uma câmera nas mãos, é uma caminhada muito longa”, frisa o artista. “Eu comecei na fotografia muito influenciado pelo trabalho de um fotógrafo negro chamado Januário Garcia”, conta. Januário é autor de capas de discos famosas, como os de Raul Seixas, Leci Brandão, Milton Nascimento, Chico Buarque, Caetano Veloso, Belchior e Tom Jobim.


Nos últimos anos, Giuliano conta que começou a desbravar o audiovisual. “Além do Mérito” e “Operárias” são dois documentários seus, sobre médicos negros no Rio Grande do Sul e as relações de trabalho em um prostíbulo de Minas Gerais, respectivamente. Também trabalhou como diretor de fotografia do filme “Pereio, eu te odeio”, que deve ser lançado em breve.

Giuliano ao lado da tríade de fotografias “Rio Negro e seus afluentes”, na exposição (Foto: reprodução do Instagram / @giulianoartist)   



Arte com sobrenome 

Para o artista, o sobrenome herdado abre portas de forma quase automática. “Um conceito de arte que chamo de ‘arte cosmética’, simplesmente ligada à questão plástica e à etimologia da palavra”. “Cosmética” tem origem no termo grego kosmetés, que descrevia um servo designado para cuidar da beleza dos senhores. 


“As pessoas falam em visibilidade, isso me incomoda demais, porque nós não somos invisíveis, o que a gente sofre é silenciamento”, sublinha. Para Giuliano, a geração de novos artistas negros, com cada vez mais nomes, é uma esperança. Para ele, a caminhada é longa e os passos são curtos, mas frisa: “Eu não dou um passo atrás nem para pegar impulso”.  


Ele conta que Januário Garcia dizia que a fotografia é um veículo de transformação social. Sua inspiração aponta a necessidade de promover uma ruptura contra o sistema e de fortalecer novos circuitos. O artista é parceiro do projeto “CapaciTrans”, que promove capacitações para transexuais. Inclusive, uma das alunas faz Libras em um dos vídeos de Giuliano expostos na exposição. 


Atravessamento 

O jovem negro e egresso da Unisinos Leonardo Farias, que trabalha como designer de imagem de moda, visitou a exposição em diversas ocasiões desde que ela foi inaugurada. “Tem várias formas de expressão em que eles contam, pela perspectiva de artista, a questão do contexto e trajetória deles nesse atravessamento de ser negro”, explica.  


A expressão “Obá Oritá Metá”, escrita na etnia africana Iorubá, diz “boas-vindas” e está inscrita na parede em frente à porta de acesso da galeria principal do Museu. A simbologia é de identidade e ancestralidade. Questionado sobre “ancestralidade” ser tema recorrente quando se fala em negritute, Leonardo responde que, para ele, representa a questão da unidade e o “tecido do tempo” no Brasil em diáspora.

Painel de “boas-vindas”, que pode ser visto em frente à porta da galeria (Foto: Paola De Bettio) 


Existe um senso de comunidade na negritude, acredita Leonardo. “A gente não sabe exatamente de onde nós temos descendência no continente africano, mas a gente sabe, quando se fala de diáspora, que, aqui no Brasil, (os que foram sequestrados e trazidos para cá) criaram esse senso de identidade nacional”, pontua.  


“Muitas ideias, reflexões e filosofias estão atrelados às religiões de matriz africana, que são, também, meios que a gente teve de ter ainda um elo com o continente matriz”, argumenta. Leo, como é chamado por onde passa, acredita que isso salvou a comunidade negra da derrota de verdade. “Tu não derrota um povo quando tu usa a força e a violência contra ele. Tu derrota, de fato, quando tu mata mentalmente ele. Foi o que tentaram fazer com a gente.” 


Processo de cura 

Leonardo acredita que a maior parte do público visitou a exposição “Presença Negra no MARGS” no evento Noite dos Museus, que aconteceu no dia 21/5. No entanto, afirma: “A impressão é de que a galera pensa que, por ser uma exposição de pessoas negras e artistas negros, e ter essa questão política muito forte nas obras, não é para elas”. Leonardo se diz incomodado com a falta de repercussão no próprio círculo de conhecidos. “Nós somos artistas antes de sermos negros”, assinala ele, que também se considera artista.


Para ele, assim como uma pessoa branca vai falar sobre alguma coisa que atravessa ela na arte dela, o mesmo acontece com os artistas negros. “Às vezes, também é um processo de cura a gente validar a nossa dor, falar sobre o que nos aflige e, dessa maneira, conseguir refletir, deixar um peso de lado”, comenta.  


SERVIÇO 

Exposição “Presença Negra no MARGS” 

Curadoria de Igor Simões e Izis Abreu, e assistência de curadoria de Caroline Ferreira 

Quando: em exibição até 21/08/2022  

Onde: nos ambientes Foyer, Pinacotecas, Salas Negras e Sala Aldo Locatelli, localizados no 1º andar do Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS). Endereço: Praça da Alfândega, s/nº, em Porto Alegre. 

Visitação: de terça-feira a domingo, das 10h às 19h (último acesso às 18h30), sempre com entrada gratuita, sem necessidade de agendamento. O MARGS também oferece ao público visitas mediadas para grupos de até seis pessoas, de quinta-feira a sábado, em duas faixas de horários (10h30 às 12h e 14h às 15h), mediante agendamento prévio no site do Sympla (www.sympla.com.br/produtor/museumargs).

Mais recentes