Deu certo

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A melhor dica que recebi na vida foi “tenha muita cara de pau”
"Felipe Saul, músico e produtor musical formado pela Uni, viajou para tocar no SXSW Music Festival no Texas (EUA) e conta algumas histórias destas andanças para o Mescla"
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Felipe Saul, 25 anos, é músico e produtor musical, egresso do curso de Produção Fonográfica da Unisinos. Toca guitarra, violão e sintetizadores. Desde muito novo, nutria o amor pela música, que só cresceu. Desde então, encarou diversos desafios e um compilado de projetos superbacanas. É guitarrista na banda Yellow Boulevard – grupo de rock com influências de country e folk formado junto com outros egressos de Produção Fonográfica. Teve a oportunidade de tocar também no South by Southwest (SXSW) Music Festival, um evento que desde 1987 reúne artistas do mundo todo na cidade de Austin, no Texas (EUA). 


Em uma noite de segunda, a repórter que aqui escreve conversou o Felipe, em um bate papo descontraído. De dentro de um estúdio com as paredes cobertas por isolamento acústico, ele me atendeu por chamada de vídeo e compartilhou uma parcela da sua vasta, precoce e encantadora experiência. Confira abaixo a íntegra dessa entrevista embalada por muita música e inspiração.


Mescla – Você é formado em Produção Fonográfica pela Uni, certo? Pode contar um pouco sobre a sua formação e o impacto dela no profissional que você é hoje?


Felipe Saul – Para começar, nesse exato momento, estou aqui no estúdio, com o Pedro [Nascente, também egresso da Uni e membro da Yellow Boulevard]. Ele trabalha aqui, nessa produtora [Allas.cc], e eu estou fazendo um freela para eles durante essa semana, por causa disso. Então, dá para dizer que começamos por aí. O curso foi onde de fato comecei a conhecer as pessoas e a ir atrás de trabalhos com música, ou com áudio, ou enfim… Fiz um estágio quando estava no meu segundo ano de Unisinos. Fiquei um ano em uma rádio, tendo um programa só meu. As minhas horas complementares foram praticamente todas aproveitadas ali, porque eu fazia tudo – a produção do programa, a divulgação, pautas, lançamentos, enfim, abordava vários temas. Foi o meu primeiro trabalho com áudio, “oficial” como a gente fala, mas toco na noite desde os 13, o que é bastante tempo. A Produção Fonográfica teve isso, de eu começar a conhecer a galera. Por exemplo, eu falo bastante do Pedro, porque nos conhecemos no primeiro dia de faculdade e estamos juntos até hoje. Tivemos N projetos juntos, o maior de todos foi a Yellow Boulevard, em que tocamos por muito tempo, apesar de agora a banda estar parada. São coisas que tu vai construindo, vai conhecendo as pessoas e vai tendo aula com o Frank [Jorge], e aí toda aula é um aprendizado. Um aprendizado para um monte de piada (risos). Tu vai adicionando na tua vida. Volta e meia o Frank faz umas brincadeirinhas conosco, mandamos umas fotos para ele do nada no WhatsApp. É essa coisa de ficar amigo dos caras que estão no meio da música para sempre, e é uma relação mega sincera. Tu vai construindo essas amizades, essas pontes, e foi assim que eu fui parar no SXSW Music Festival, na verdade, com o Akeem. Porque a gente se conhecia de “cara, tu tem o projeto Akeem Music, eu sou o Felipe, eu toco na Yellow Boulevard, sou guitarrista” e tudo mais. E fomos fazer um brique de guitarras um com o outro, e rolou uma conversa assim: ele disse “estou sem banda pra ir”, e eu falei “cara, eu vou contigo”, foi isso. Essa é a loucura da Produção Fonográfica, tu te coloca nesse meio da música, ou em qualquer meio em que tu vá atuar na vida. Se tu for jornalista, por exemplo, vai conhecer a galera do jornalismo, vai começar a fazer as pontes, vai cada vez subindo a escadinha. Acho que a Produção Fonográfica foi um degrau, não diria que o primeiro, porque a música começa bem antes, mas é um degrau bem importante. É um networking, é basicamente tudo da vida de todo mundo, nesse século XXI.

Felipe conta que o show nos Estados Unidos foi sua primeira apresentação fora do Brasil (Foto: Arquivo pessoal)


Mescla – Acompanhamos uma ascensão que parece tão rápida de alguns artistas no meio da música, e também às vezes se escuta que “é uma área para a qual não se larga currículo”, a galera vai muito pro YouTube hoje em dia. Na sua visão de músico, produtor musical, formado em Produção Fonográfica, como avalia essa formação mais formal, vindo do ambiente acadêmico?

Felipe – Assim como milhões de profissões que existem por aí, ser músico de fato não requer que tu tenha um diploma. Muitas vezes, esse diploma não conta para muita coisa. Jamais vou falar para as pessoas não fazerem faculdade, mas em inglês o termo é “outcome” – o que quer dizer que são inúmeras as coisas que aconteceram com a pessoa para ela chegar nesse resultado. “Ah, ela teve mais vontade”, às vezes não é isso, não significa que ela teve mais vontade de, por exemplo, estar em uma posição que é mais benéfica para ela do que para outra, e sim porque ela tem contatos. Às vezes, ela deu sorte. E muitas vezes a pessoa estudou para caramba. Costumamos ver isso nos esportes, onde as pessoas treinam, treinam, treinam… Elas buscam se aprimorar, como em muitas profissões. Tenho parentes que estudam Toxicologia Analítica, por exemplo, e estão lá ralando todo dia para descobrir um monte de paradas que colocam na nossa comida, ou desenvolver tratamentos para o futuro. E eles estão ralando, ralando, ralando para isso ficar cada vez melhor: tanto eles quanto o mundo. Acho que é a mesma coisa com o artista e com qualquer profissão. Sou uma pessoa que tem muita vontade de fazer o que faz, então é por isso que eu faço. Nas artes, em geral, se tu não tiver uma paixão absurda pelo negócio, tu desiste muito fácil. É uma área menos apreciada na cultura, acabamos às vezes ganhando menos, tendo que passar por mais perrengues e tudo mais. Acho muito massa que, por exemplo, citei na pergunta anterior que tive esse network. Então, isso para mim é a parte mais legal da faculdade: conhecer pessoas que têm mais a ver com as tuas ideias, outras nem tanto. Acho muito verdade aquilo de que as pessoas vão para a faculdade para se descobrirem, porque para muita gente tu começa um semestre ali e bah, é o fim do mundo se não gostar desse curso que escolheu para si. E, na verdade, nada a ver. Está todo mundo se descobrindo, todos os dias. Conheço pessoas que querem mudar de profissão aos quarenta, cinquenta. Acho que a resposta foi tão complexa quanto a pergunta (risos).


Mescla – Tem alguma dica para quem está estudando ou se formando em Produção Fonográfica agora?
 

Felipe – A melhor dica que eu recebi na minha vida foi “tenha muita cara de pau”. Falo isso para mim todo dia, porque sou muito tímido. Sou de uma cidade pequena, Canela, na Serra Gaúcha. Sempre fui mais quieto. Sempre quis fazer muita coisa bem, mas ficava relutante em chegar no cara de uma rádio e perguntar “tem uma vaga pra mim, de qualquer coisa? Só quero trabalhar com o som, só isso”, sabe? Acho que é muito valioso a pessoa ser despachada, porque não consigo ser assim todo dia. Conheço uma galera que é muito cara de pau, de “ah, vamos fazer isso”, “vamos” e já estão lá fazendo. Tive um choque de realidade. Crescemos com o surrealismo de que fora do Brasil as coisas super funcionam e caem de mão beijada para ti, e isso é totalmente mentira. Tu tem que ralar igual, se não duas vezes mais para conseguir as coisas, porque onde a coisa funciona é onde mais tem competição. Eu via as bandas norte-americanas tocando na rua. Eram bandas muito profissionais. “Queria estar no SXSW, então vou dirigir a minha van aqui de Chicago, atravessar os Estados Unidos inteiros até Austin, no Texas, e vou tocar lá”, entende? Óbvio, no Brasil isso é muito difícil de fazer, estou dando só um exemplo prático de lá, onde tem estradas boas, entre outras coisas… Tem N fatores, mas é só um exemplo de “tenha cara de pau pra caramba”, em qualquer coisa na vida. Fala com as pessoas e, se tiver dúvida, pergunta. Não tem como dar errado, tu só vai aprender. O SXSW só rolou para mim por causa disso, e depois nunca mais, porque na verdade o Akeem foi selecionado e eu achei incrível. Sem brincadeira, conheço esse festival desde 2009, quando eu tinha 12 anos, porque o pai de um amigo foi tocar, ele é de Novo Hamburgo, e eu pensei “que coisa surreal, isso existe, esse cara está tocando lá em Austin, no Texas”. E aí super acompanhei a vida inteira. A Unisinos, de 2018 para 2019, abriu viagens pro SXSW. Sempre foi massa, mas aí o Akeem passou e eu fiquei “cara, que massa”. E um dia do nada ele só largou um story assim no Instagram: “cara, quem quer ir comigo?”. Achei que estivesse zoando. A galera respondia “se me pagar eu vou” e eu falei “eu vou”. Já tinha em mente ir pela excursão da Unisinos, só que não rolou porque custava uma grana bizarra, quando tu vai com ingresso comprado e tudo mais… Aí pensei “vou ir para ficar de roadie, qualquer coisa”, e ele respondeu “vamos tocar”, aí fechou todas. Foi só a cara de pau perfeita na hora certa.


Mescla – Como foi a experiência de tocar no SXSW Music Festival, no Texas, em março? Foi a primeira vez que tocou fora do Brasil?


Felipe – Então, eu não tinha [tocado fora], já fui tocar em São Paulo, já fiz Nordeste, Rio Grande do Sul por um bom tempo. A Yellow Boulevard fez umas turnês legais por aí. Sempre falávamos de ir para a Argentina, para o Uruguai, no final acabou não rolando. Até por conta da pandemia, estávamos bem engatilhados quando tudo começou, e então não rolou. Aí, quando essa oportunidade caiu no meu colo, pensei “dois anos trancado em casa, vou tocar na rua agora, longe, finalmente”. Fizemos fez três shows na semana do SXSW, dois eram mais “second stage”, como chamam lá, que é um show menor, na recepção de hotéis, mais intimista. E aí fizemos um show oficial, numa casa de shows mesmo, no centro de Austin. Ficamos amigos de uma galera. Conhecemos gente de Porto Rico, do Uruguai, da Argentina, do Peru que estava morando em Los Angeles e tinha ido só pra tocar… Um dia, estávamos vendo um show de uma dupla, um guitarrista completamente fora do normal tocando no meio de uma chapelaria, e uma menina cantando como a Kelly Clarkson, detonando. Um pouquinho antes de subirem no palco, falei para o guitarrista “teu amplificador é muito legal”. Ficamos uns cinco minutos falando em inglês, até que falei “I’m from Brazil” [sou do Brasil], aí ele disse “pô, meu irmão, cê tá brincando”, mega carioca (risos). São momentos incríveis da vida, foi muito bom. O SXSW rolou do dia dez ao dia 20, nós ficamos do dia 11 ao dia 20, foram nove dias lá. Três shows, mais um monte de palestras e outros shows que consegui ver.

“São 14 anos de tocar instrumentos, sintetizados em uma trip muito massa”, vibra ele (Foto: Arquivo pessoal)


Mescla – E sobre a Yellow Boulevard, que é um projeto superbacana, podemos esperar uma retomada, novas produções em breve?


Felipe – Eu não estava esperando ser o primeiro a falar oficialmente sobre esse assunto (risos). Então, é uma situação delicada. Estamos parados por vários motivos, e o que consegui tirar disso é que foi muito importante essa parada. Foi o maior projeto na vida de todos nós, isso é um fato. E a gente teve que parar, claro que a gente só entende isso depois, mas tivemos que dar um tempo. Não sei o que vai acontecer no futuro, de verdade. “Vão produzir alguma coisa ano que vem?”, não sei. “Vão produzir alguma coisa daqui a cinco anos?”, não sei. Eu realmente não sei, mas foi uma mudança para o bem e estou vendo de perto que foi muito pro crescimento de todos, de verdade. Acho que às vezes tu precisa buscar novos ares, dar um tempo de um processo diário. O Pedro me perguntou ontem “deu quatro anos de banda?”, mas não, deu 3 anos e 10 meses quando decidimos fazer essa parada. Então, teoricamente agora a gente tem quatro anos de banda. Trabalhávamos 365 dias do ano. É por isso que era um projeto tão legal, a galera chegava junto. Como falei, o Pedro está ali produzindo as trilhas dele, eu estou aqui inclusive fazendo freela com ele essa semana, fui tocar com o Akeem, estou escalado para tocar com mais um artista agora no meio do ano em alguns festivais e, enfim, está cada um fazendo suas coisas mesmo. A gente fala que os nossos últimos trabalhos estavam mais afinados e como a gente queria que estivessem do que nunca, então por favor escutem!


Mescla – Quais as suas cinco maiores referências? Não só para a música, vale tudo.


Felipe – Da vida assim? Nossa, “cinco maiores referências” é muito forte (risos). Seria o David Bowie, que é referência máxima. Gosto muito do diretor de cinema Christopher Nolan. Mas tem um cara melhor. São o David Bowie e o David Linch, coloca um do lado do outro. O Linch é um diretor de cinema muito famoso e incrível. Minha mãe é referência máxima, ela conquista todos os corações possíveis. [Pede ajuda ao Pedro] Bota o Emicida também, que chega a ser ridículo eu não ter pensado nele primeiro. Eu e o Pedro temos um negócio de simbiose muito louco assim, a gente compartilha de muitos gostos em comum. Está faltando alguém… A Lady Gaga. Fui obrigado a escolher, que fique registrado (risos). Teria mais um monte para listar. Consegui ver o show do Gilberto Gil esse ano no Rio, do lado da Duda Beat inclusive, ela estava do meu lado. Acontecem umas coisas aleatórias comigo. Enfim, o Gil não está listado porque ele está em uma entidade acima.


Mescla – Podemos esperar novos projetos seus em breve? Onde a galera pode acompanhá-lo?


Felipe – Podem seguir o meu Instagram. Assumi que virei uma pessoa que trabalha com a música. Eu e o Pedro recentemente lançamos um projeto, que se chama Bu Produz, onde a gente produz uns sons. Somos uma dupla de pessoas que produz coisas e que resolveu colocar isso em algum lugar. Esse é um projeto. Estamos fazendo isso aqui agora. E continuo tocando, acompanhando artistas. Estou com o Zuana, o Mateus Zuanazzi. Inclusive, ele estava gravando um clipe e está para fazer uma turnê disso e eu estou escalado pra tocar na banda. E continuo gravando com uma galera no estúdio. Estou mais em estúdio ultimamente, ensaiando e tal, mas vou sair eventualmente da gaiola, vou tocar na rua um tempo. Estou usando bastante o tempo pra tudo que eu peguei na pandemia, para melhorar a produção num geral. Agora estou conseguindo executar mais, porque a galera está mais acessível, dá pra ir à casa dos outros músicos, eles podem ir a tua casa gravar, cada um no seu home studio ou em um estúdio de verdade.


Mescla – Parece um trabalho mais introspectivo.


Felipe – Sim, lembrei agora da Billie Eilish, referência máxima, com um asterisco de menção honrosa na lista (risos). No documentário dela, ela fala que a coisa mais agonizante que existe para ela é fazer uma música. É um dos exemplos que tu falou, vemos hoje artistas estourando, em uma magnitude que a gente não consegue nem ter noção. 70% da população mundial sabe quem ela é. E ela chega e fala isso, e é por causa disso que tu falou. É tão introspectivo que tu tá colocando a tua verdade para milhões de pessoas saberem, ou às vezes tu tá só colocando pra uma pessoa saber e mesmo assim é difícil.


Mescla – Quer complementar algo?


Felipe – Eu falaria para os estudantes lerem o livro All You Need to Know about the Music Business [“Tudo o que você precisa saber sobre a indústria da música”]. Esse livro é a Bíblia do Music Business, e todo mundo que quer um dia ter carreira na música deveria ler ele pra entender como é que funciona. Sei que é muito legal a gente dizer “faça sua arte, porque você acredita em todas as coisas do universo”, e sei que estou falando isso de uma maneira quase debochada, mas é sério, tem uma hora que precisamos sentar e pagar as contas, levar a sério. Então, leiam esse livro. E tem essa outra dica também, sei que custa uma grana, mas se a pessoa tiver como ir ao SXSW ou até no SIM São Paulo (Semana Internacional de Música de São Paulo), que acontece normalmente em dezembro. Não sei como está agora, pós-pandemia não rolou nenhum ainda. Mas vão nesses eventos de música, estejam nos lugares! No Brasil, é muito forte o eixo Rio-São Paulo, só que tu obviamente faz contatos pelo Brasil inteiro se tu estiver no lugar certo numa hora dessas. Tu descobre que o cara é dono da casa de shows massa de Belo Horizonte – ele vai estar lá. Ou alguém que conhece as manhas – também vai estar lá. Eu diria pra galera estar sempre nesses festivais. É o que o mundo da música virou, muitos festivais.

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