A parceria foi firmada neste semestre e uniu as disciplinas de Jornalismo Investigativo e Projeto Experimental. O desafio foi dar aos estudantes de Projeto Experimental a tarefa de ilustrar as clássicas reportagens baseadas em dados do Jornalismo Investigativo.
A repórter que vos fala teve a oportunidade de concluir as duas atividades em semestres consecutivos e a possibilidade de experimentar a produção da investigação (semestre passado) e, agora, produção do ensaio imagético. Até o ano passado, os alunos de Projeto Experimental se dedicavam à produção de conteúdo complementar aos textos desenvolvidos na disciplina de Jornalismo Literário e publicados na revista Primeira Impressão.
Acontece que, agora, os escritores da PI ilustram e complementam as suas próprias matérias. A turma de Projeto Experimental, então, teve a oportunidade de mergulhar de cabeça na fotografia. Entre teoria e exercícios analógicos, o Grau B nos reservou a criação de três ensaios fotográficos, pensados a partir dos temas escolhidos pela galera de investigativo. O professor Flávio Dutra nos inspirou a desbravar as alternativas que a criatividade permitisse. No resultado final, a intimidade de cada ensaio, acompanhada pelas defesas propostas por cada um de nós, explora três amplos assuntos representados nas seguintes reportagens investigativas: Para ter direito, só entrando na justiça, A violência política de gênero no Legislativo Municipal do RS e O RS é o estado com mais casos de racismo no futebol.
As reportagens em que nos baseamos, tão diferentes entre si, compartilham as lutas de protagonistas profundamente resilientes. Eis, então, o desafio de captar os detalhes dessas histórias em imagens que, de alguma forma, expressam o desespero e a superação de todos os dias.
Racismo no futebol
- Técnica empregada: ensaio fotográfico em estúdio
- Márcio Chagas da Silva, pelas lentes da aluna Julia Schutz e de Mayra Silva
Relato da Julia – “O ex-árbitro de futebol Márcio Chagas foi vítima de injúria racial em 2014, após a partida entre Veranópolis e Esportivo de Bento Gonçalves, válida pelo Campeonato Gaúcho. Seu carro teve as laterais arranhadas, e bananas foram colocadas em cima do veículo. Márcio afirmou que, antes mesmo de o jogo começar, já escutava ofensas como ‘macaco’, ‘teu lugar é na selva’ e ‘volta pro circo’. Em 2019, quando foi convidado para apitar uma partida em Ajuricaba, região Norte, Márcio foi alvo de preconceito por um homem que acompanhava o jogo. O acusado foi autuado na delegacia, mas foi liberado.
No mesmo ano, ele foi demitido da RBS TV, afiliada da Rede Globo, por abordar questões sobre racismo, principalmente dos casos que sofreu e nos quais afirmava não receber apoio dos chefes da empresa. No Alfredo Jaconi, estádio do Juventude, o ex-juiz disse que ouviu, pelo ponto eletrônico, que se aquilo o incomodava, deveria se retirar da transmissão. O time caxiense jogava contra o Inter, quando uma torcedora do clube mandante cometeu atos de racismo contra Chagas, enquanto ele estava dentro da cabine de transmissão.
A RBS negou as acusações e disse que fez as mudanças necessárias na área do esporte como parte da reestruturação da empresa, que incluiu a movimentação de outros profissionais, além de oferecer apoio jurídico, mas o então comentarista, na época, preferiu buscar o advogado que já o assistia antes de ingressar na emissora. As imagens deste ensaio foram produzidas no estúdio fotográfico da Unisinos, especialmente para esta reportagem”.
Abaixo, a curadoria realizada pela aluna Julia Schutz sobre as fotos de Kelly Bandeira (imagem do canto superior esquerdo) e Eduardo Tôrres (demais imagens).
Relato da Julia – “Wagner Fogolari, ex-jogador do São José (RS), hoje atuando no Sampaio Corrêa (MA), sofreu injúria racial em 2017 pelo Campeonato Gaúcho em jogo das quartas de final contra o Novo Hamburgo por um torcedor da equipe adversária. As duas equipes lamentaram o fato em uma nota publicada oficialmente”.
Abaixo, outra curadoria realizada pela aluna Julia Schutz, dessa vez sobre as fotos de Ricardo Saibun (imagem do canto superior direito) e Ivan Storti (demais imagens).
Relato da Julia – “O ex-goleiro Aranha, então jogador do Santos (SP), sofreu atos de racismo em um jogo contra o Grêmio em 2014, na Arena (POA), válido pela Copa do Brasil. Na ocasião uma torcedora da equipe tricolor gritou repetidamente a palavra ‘macaco’ em direção ao atleta. O Grêmio acabou sumariamente eliminado da competição”.
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Maternidade homoafetiva
- Técnica empregada: colagem
- Recortes e composições pelas mãos dos alunos Douglas Glier Schütz, Marília Port e Sofia Gulart
Meu relato – “‘Família’ é a palavra-guia dessa colagem. Representa o conceito e, mais do que isso, o imaginário coletivo contido na palavra. A ideia foi relacionar a sensação de felicidade nos elementos simples, como o sorriso infantil e a presença de cores vibrantes. Munida desses elementos, procurei expressar, de alguma forma, o desejo que move a reportagem e torna cada fonte resiliente. Encontrei os detalhes dessa composição, na sua grande maioria, em revistas dedicadas à infância e à gestação. Depois disso, parti para os recortes e, finalmente, a montagem. O intuito do conjunto era realçar o sentimento de identificação do observador, oportunizado pela complementação recíproca entre as figuras posicionadas juntas. Definir tópicos que conduzissem a produção foi bastante desafiador, porque o assunto da imagem é farto e ao mesmo tempo escasso. Como ilustrar a luta de uma vida em uma porção de fotos?”
Relato do Douglas – “A montagem busca transmitir toda a questão que envolve a justiça, as ameaças e os preconceitos vividos pelas mães durante a sua caminhada: os constrangimentos nos serviços de registro; a falta de políticas públicas para apoiar essas famílias; e, muitas vezes, a recusa de garantir o nome das duas mães na certidão de nascimento. Hoje é possível registrar um filho sem o nome do pai ou sem a presença do pai, mas duas mães não têm esse direito. O único ponto com uma cor mais vibrante na imagem puxa para o centro da colagem, onde uma lágrima de sangue exemplifica a dor de quem é excluído e negligenciado no país. O trio de palavras ‘família’, ‘proibidA’ e ‘ameaça’, busca justamente mostrar como são vistas essas mães com a sua criança por uma sociedade patriarcal, machista e LGBTfóbica”.
Relato da Sofia – “A imagem trata de um tema muito delicado, nela procurei usar tons bem claros e suaves com um leve contraste com as cores de algumas das flores. As cores foram escolhidas para contrapor as da imagem anterior e dar um ar mais leve ao contexto. As flores foram usadas para simbolizar a vida, a paz e o amor. Ao plano de fundo, usei imagens de ultrassom com as cores alteradas para manter o contexto de leveza. A ideia inicial era de fazer essa peça como se fosse uma página de álbum de fotos de bebê, tanto pelas cores quanto pela disposição de algumas das colagens”.
Meu relato – “Para essa colagem, foram dois termos que conduziram a pesquisa pelas imagens: ‘burocracia’ e ‘união estável’. O caminho de uma parte à outra aconteceu no sentido de manter a família à vista, preservar o laço, mas ao mesmo tempo assumir uma composição mais conceitual, que não fosse tão descritiva por si só. Pessoalmente, as minhas favoritas são as mulheres desenhadas no topo direito. Elas são a dúvida e a certeza. O cansaço e o acolhimento que constroem a força. Também gostei das tarjas nos olhos. Essa ideia acompanhou todo o processo, mas só se concretizou no fim, já que foram feitas à caneta quando tudo já estava colado. A assimetria dos riscos transpõe as diferenças entre os olhares encobertos. As expressões faciais são melancólicas, algumas delas parecem até desconfiadas. O tom geral, como um todo, ainda agrupa cores, mas agora com um aspecto amarelado comum, quase uniformizado. A alegria aqui é contida. Juntas, as imagens servem para esboçar esse desconforto. A cada etapa vencida, quantas mais faltam?”
Relato do Douglas – “A imagem busca passar a mensagem daquilo que as mães sofrem ao tentarem acessar os serviços que são livres para casais heterossexuais. Há violência obstétrica, constrangimentos ao tentar registrar a criança, a necessidade de juntar provas para confirmar um relacionamento e até o preconceito dentro da família. Da mesma forma, encaram a dificuldade para conseguir fazer a inseminação e a necessidade de recorrer ao método caseiro, visto que o procedimento em clínicas é altamente custoso e não é de fácil acesso. Optei por tons mais sóbrios para transmitir uma sensação de luta, de batalha para conseguir constituir uma família. A ausência de cores vibrantes retira a percepção de algo ‘vivo’ e ‘alegre’, mostrando a dificuldade na caminhada de um casal de mulheres para serem aceitas como mães. Por isso, escolhi esconder o rosto dos casais nas fotos com palavras que exemplificam essa violência sofrida pela comunidade LGBTQIAP+”.
Relato da Sofia – “Na colagem quis passar a ideia da sombra que o sistema patriarcal emite sobre todos, mas principalmente do peso que ela tem sobre as mulheres e as complicações que causa em mulheres lésbicas ou nas que estão em um relacionamento não envolvendo o sexo masculino. A silhueta do homem ilustra essa sombra do sistema patriarcal, que assombra mesmo as famílias e relações lésbicas e/ou sáficas. A imagem da mulher possui uma censura em forma de rótulo com a palavra ‘sistema’, com intuito de criticar e questionar o que é imposto e normalizado na sociedade. Tanto a imagem da mulher quanto o rótulo possuem um efeito de ‘rasgo’ e/ou ‘desgaste’. A peça tem o intuito de criticar a influência do sistema patriarcal sobre a vida de todas as mulheres, mas principalmente daquelas que não possuem ligação romântica e/ou familiar com o sexo oposto”.
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Violência política de gênero
- Técnica empregada: ensaio fotográfico na Câmara Municipal de Porto Alegre
- Vereadores da Capital, pelas lentes de Yasmim Fernandes Borges e palavras de Raquel Lima
Relato da Raquel – “É notável a baixa representação das mulheres na política em cargos de poder e decisão. Não bastasse isso, as poucas que alcançam tais posições sofrem constantemente com descaso, discriminação e preconceito. As fotos realizadas por Yasmim na Câmara de Vereadores de Porto Alegre buscam registrar um pouco do que acontece no dia a dia das mulheres que conquistaram cargos públicos.
Nas fotos, podemos perceber a diferença de espaço ocupado por mulheres e homens, com nítida vantagem para estes. Um pouco mais sutilmente, as imagens nos levam a imaginar – ou mesmo a ver – a diferença de atenção dispensada a uns e às (poucas) outras. Enquanto os homens estão em pequenas ‘panelinhas’, as mulheres tentam se fazer ouvir por vozes e gestos para um público, muitas vezes disperso, desatento, vazio.
O retrato da política institucional brasileira é nitidamente masculino. Tais níveis de representação, além de enfraquecer a democracia, colocam as mulheres à margem dos processos de elaboração das políticas públicas e das decisões relevantes para a vida de todos. Ocupamos posições a cada dia mais relevantes nos ambientes de trabalho, familiares, culturais, sociais. Já está mais do que na hora de assumirmos também postos nos ambientes de poder”.
Abaixo, confira a curadoria realizada pela aluna Yasmim Fernandes Borges sobre as fotos do gaúcho Elson Sempé Pedroso.
Relato da Yasmim – “É um projeto fotográfico realizado em 2001, motivado por um desejo de produzir algo diferente da fotografia convencional em situações institucionais, em que a possibilidade de criar é restrita (demandam-se fotos objetivas, posadas, frias, sem grandes novidades ou surpresas). As imagens feitas por Elson Sempé tinham por objetivo mostrar a ação política por meio dos gestos de seus agentes, eliminando os rostos e, assim, a identificação.
O ensaio foi produzido inteiramente na Câmara de Vereadores de Porto Alegre e tem como título ‘Subjetivas: um olhar sobre a política’. Ele foi exposto na Casa de Cultura Mário Quintana e em outros museus da cidade logo após sua realização. Elson Sempé Pedroso, formado pela Unisinos em 1994, é jornalista concursado na Câmara Municipal de Porto Alegre desde 1996”.
Por fim, confira a curadoria “A máscara, o gesto, o papel, a série que traz o Congresso Nacional em novas perspectivas”, realizada pelo aluno Felippe Jobim, sobre as fotos de Sofia Borges.
Relato do Felippe – “Sofia Borges é uma artista visual nascida em Ribeirão Preto, São Paulo, no ano de 1984. Graduou-se em Artes Visuais pela Universidade de São Paulo em 2008, e no mesmo ano foi premiada quatro vezes no 8º Salão Elke Hering, 36° Salão de Arte Contemporânea Luiz Sacilotto, MARP – Museu de Arte de Ribeirão Preto SP e 33º SARP – Salão de Arte Contemporânea de Ribeirão Preto, além de ter recebido uma bolsa de Incentivo à Pesquisa e Produção pelo Governo de Pernambuco. Sofia foi indicada ao Prêmio PIPA em 2010, 2014, 2015 e 2017, uma das mais relevantes distinções de artes visuais no país.
Além das premiações, Sofia Borges já fez exposições individuais em diversos lugares do mundo, como Cidade do México, Madri, Paris, Lisboa, entre outros. Em 2015, desenvolveu o “No Sound”, o seu primeiro projeto colaborativo/experimental como curadora. Sofia Borges integrou o time de curadores na exposição Corpo a Corpo, junto com outros artistas e coletivos, como Bárbara Wagner, Jonathas de Andrade, Mídia NINJA, Letícia Ramos e Garapa. Na mostra, buscava ver e refletir sobre os conflitos sociais que emergiram no Brasil nos últimos anos.
Na sua série A Máscara, o Gesto e o Papel, Sofia apresenta dezoito fotografias de senadores brasileiros. Ao contrário das imagens padrão em que políticos aparecem em destaque ou em retratos formais, aqui eles surgem em enquadramentos fechados, ressaltando mãos, bocas e, principalmente, gestos. Em algumas imagens, Sofia ainda registrou diferentes presidentes do Senado, a partir de pinturas a óleo feitas pelo artista Urbano Villela, responsável pelos quadros da galeria dos ex-presidentes do Senado Federal, expostos no museu do Senado em Brasília. Sendo o mote o uso do corpo como um elemento de representação social e atuação política, o seu projeto foi produzido nas dependências do Congresso, em fevereiro de 2017”.