Na última terça-feira (26), ocorreu presencialmente, no Espaço Unisinos, em Porto Alegre, o lançamento da edição 5 da Josefa. A revista foi produzida pelos alunos da turma 2021/2 da disciplina de Jornalismo Literário, do curso de Jornalismo da Unisinos (campus de Porto Alegre). A ocasião marcou o reencontro entre colegas e o professor Everton Cardoso, que contaram também com a presença da coordenadora da graduação em Porto Alegre, Débora Gadret, e de Micael Behs, que coordena o curso em São Leopoldo.
Para a maioria ali presente, essa foi a primeira oportunidade em dois anos de rever ao vivo os colegas de aula. Foi também a chance de pegar em mãos a revista impressa e folhear as 52 páginas da edição, enquanto se apreciava um café e um bate-papo com o pessoal. A sensação foi de que, aos poucos, finalmente as restrições provocadas pela pandemia estão indo embora. Mas foi, também, um momento pesaroso, de luto e de belas lembranças da convivência com o colega e amigo Guilherme Machado, que faleceu em outubro passado, durante o percorrer do semestre.
“Para se fazer jornalismo, é preciso ter coragem todos os dias”
A frase entre aspas foi dita pelo Guilherme, em um dos encontros virtuais de aula. Por sinal, a ideia da reportagem que ganhou destaque na capa da revista partiu dele. Infelizmente, o Gui, como os colegas o chamavam, não teve tempo de realizar a pauta. A tarefa foi assumida pelo professor, Everton, e pelas alunas Anna Gabryella Magueta e Josiane Skieresinski, monitora da disciplina. O trio fez questão de realizar a entrevista com a cantora e mulher transsexual Valéria Barcellos. “Pauta relevante, expressa o tema dessa edição e muito do que sentimos nesse processo. Assim, sempre que bater a saudade, teremos essa Josefa, a vida e a rua para nos lembrarem da coragem, do sonho e de por que escolhemos o jornalismo”, destaca o texto publicado na Carta ao Leitor, escrito por Everton.
O tema central da edição foi “a rua”, que, naquele momento, no segundo semestre do ano passado, voltava a ganhar movimento. “A gente ficou muito tempo em casa e o assunto escolhido vinha a calhar”, disse a aluna Bruna Schlisting Machado. Para ela, a rua é o espaço mais democrático que existe. “Têm pessoas de todas as raças, de todas as cores e todas as classes sociais. Então, por causa disso, a revista ficou bastante diversificada, cheia de pluralidades”, observa.
“Despetalar das margaridas” é o título da matéria produzida pela Bruna. Ela comentou que a inspiração veio do trabalho de Fernando Braga da Costa, doutor em psicologia pela Universidade de São Paulo (USP). Ele investigou, na sua dissertação de mestrado e tese de doutorado, que o antagonismo de classes, através de um trabalho considerado não-qualificado e subalterno, ganha um efeito de invisibilidade e de supressão da personalidade. “Minha pauta foi sobre a invisibilidade das mulheres garis. Elas vestem roupas laranjas que, às vezes, as tornam invisíveis. É como se a gente passasse por essas profissionais e não as percebessem”, avalia Bruna. “O uniforme colorido é praticamente uma não-cor”, reflete a futura jornalista.
Bruna salienta que, enquanto muita gente ainda estava praticamente trancafiada em casa, os garis não pararam em nenhum momento. “Eles trabalharam a pandemia inteira. Apurar essa reportagem foi mais impactante, também, por causa disso. Enquanto eles estavam lá, trabalhando nas ruas, eu tive o privilégio de ficar dentro da minha casa”.
As ruas fora das curvas
O nascimento de um novo número da Josefa sempre começa pela apresentação de propostas de tema central pelos alunos. “Eu comecei a olhar para elas e refinar. Sempre é preciso refinar para chegar em um tema para a revista”, explica Everton. Passado esse processo, o professor apresenta a proposta final para a turma aprovar. Depois, inicia o momento de cada aluno escolher uma pauta relacionada a esse tema.
Desta vez, Everton foi além do trabalho de orientação e edição do material produzido pelos alunos. Com a partida do Guilherme, o professor também atuou como repórter. Ele e a turma decidiram prestar um tributo ao Gui realizando a proposta de matéria que ele havia apresentado. Além de tratar de um assunto oportuno e pertinente, estava muito conectado com o tema da edição. “O Guilherme tinha começado a fazer a disciplina em 2020, e ele não pode concluir por conta das questões de saúde. Voltou em 2021, e queria repetir a pauta que tinha proposto no outro ano, que era sobre pessoas trans. Eu disse ‘olha, o enfoque muda, mas tem tudo a ver com a rua. Afinal de contas, o problema de uma pessoa trans é justamente sair na rua’”, conta Everton.
“A Valéria é uma pessoa incrível e tem uma história de vida muito importante. Ela tem, como ela mesmo fala, aberto muitas portas. Mas para além disso, ela tem uma fala muito interessante e muito profunda. Então, foi muito bacana”, relatou o professor. “Para mim, foi muito legal voltar para a reportagem, porque eu não faço esse trabalho há um bom tempo. Eu amo fazer reportagens”, revela Everton, que atualmente, além de professor na Unisinos, é editor no Jornal da Universidade, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
A revista
Além da entrevista com a cantora Valéria Barcellos e a matéria sobre a invisibilidade das mulheres garis, a edição conta ainda com uma reportagem sobre o grupo de idosos que joga dama na praça da Alfândega, em Porto Alegre; o projeto de lei que prevê o fim da profissão de cobrador de ônibus, aprovado na Câmara Municipal de Porto Alegre; o aumento de pessoas em situação de insegurança alimentar nos últimos anos e um projeto que distribui marmitas nas ruas da capital; as violências sofridas pelas mulheres no deslocamento diário nas ruas das cidades; o coletivo que gera renda à população de rua em Porto Alegre por meio da panificação; como a Nova Olaria, galeria de rua de Porto Alegre, conquistou um pedaço na memória da Capital dos gaúchos; como a Praça Brigadeiro Sampaio (ou Praça do Tambor), no Centro Histórico de Porto Alegre, sintetiza as disputas do espaço público entre diversos grupos sociais; e, por fim, como a falta de transparência e incerteza por parte da Prefeitura porto-alegrense afetou os blocos do Carnaval de rua.
A edição pode ser conferida, na íntegra, em sua edição virtual.
“Já faz tempo, eu vi você na rua”
Uma das maiores alegrias para um jornalista é ver o seu trabalho ocupar e ganhar espaços. Por isso, produzir a Josefa costuma ser um desafio importante para os alunos de Jornalismo da Unisinos, que se sentem recompensados ao ver suas matérias estampadas nas páginas da revista.
O reencontro com a possibilidade de ir às ruas ganhou muitos significados e, consequentemente, poder pegar em mãos a publicação, também. A repórter que aqui escreve pede lugar, agora, para falar em primeira pessoa.
Rever gente jovem e reunida me parecia uma cena que passaria a fazer parte só da memória. Poder contar (e ouvir) o que vivemos e tudo o que aconteceu com a gente foi muito importante. Me dói saber quem e o que desapareceu durante esse tempo. Mas é por eles, e pela força assinalada pela memória, que se faz a nossa voz.
E para aqueles que ainda enxergam perigo na esquina e para quem o sinal ainda está fechado: contem com a coragem dos jornalistas, todos os dias, na travessia das ruas. Viver é melhor que sonhar, sempre. Podem confiar.