Em entrevista ao Mescla, por videochamada, enquanto preparava o almoço, o novo decano da Escola da Indústria Criativa da Unisinos contou um pouco sobre sua vida pessoal, trajetória profissional e, especialmente, sobre a visão e desejos para a Indústria Criativa. O convite para coordenar a EIC foi feito pelo Pe. Sérgio Mariucci, novo reitor na Unisinos. A próxima gestão assumirá a Unisinos, oficialmente em janeiro de 2022, pelos próximos quatro anos.
Enquanto conversava sobre suas perspectivas, sentado na cozinha de sua casa, com pequena pausa para colocar mais água no feijão, Gustavo se mostrou extremamente disponível, ágil e contundente. Ao longo da conversa, ele ressaltou aspectos da vida pessoal, desde a estrutura familiar até a banda que tinha em Santa Maria, na época da graduação, que tocava Legião Urbana, Ira, Pink Floyd e outras bandas de rock progressivo. Poderíamos falar mais sobre o decano, mas deixaremos isso com ele próprio. Confira abaixo a conversa.
Mescla: Quem é Gustavo Borba, o novo decano da EIC?
Gustavo Borba: Eu sou professor da Unisinos há 21 anos, comecei na universidade em 2000. Eu sou natural de Santa Maria, fiz a faculdade lá, e depois da faculdade eu vim para Porto Alegre, para morar. Sou filho de Alzira e do José Alcindo, meus pais são separados. Eles se separaram quando eu tinha seis ou sete anos, então minha mãe é a pessoa mais próxima de mim. Ela que criou minhas duas irmãs e eu. Minha mãe é professora de música, o que me colocou perto da área da arte desde criança. Desde pequeno, eu estudei piano clássico, violão clássico. Estudei música, até a hora de ir para a faculdade. Acabei indo para engenharia, embora a música estivesse sempre presente para mim. Segui a faculdade tocando, tinha uma banda lá em Santa Maria. Comecei a focar mais na área da engenharia, mas sempre tentando trazer um pouco dessa pegada, do que eu tinha aprendido. A música tem muito disso, além da questão toda da cultura e da arte, tem toda questão da matemática, então, isso me conectava bastante.
Em 1996 eu me formei, e aí eu vim embora para Porto Alegre. Eu vim para fazer o mestrado na UFRGS, na engenharia de produção. Minha esposa veio fazer a residência em Porto Alegre, e aí a gente ficou morando aqui. Em 1999 eu comecei o doutorado e um ano depois eu entrei na Unisinos.
E eu sou pai de duas gurias: a Giulia, que tem 22 anos, e a Clara, que tem 18. A Giulia se formou na área de Comunicação Visual, está trabalhando com design, e está fazendo um mestrado. A minha filha mais nova está acabando o ensino médio. Eu sou casado com a Ana, que é médica e também é professora da Unisinos, no curso de medicina. Então, essa é minha história pessoal. Agora eu vou falar da Unisinos, tá? (risos)
Eu entrei na Unisinos para dar aula no curso de Administração, que era um curso que tinha algumas atividades mais relacionadas com a minha formação. Tinha “Pesquisa Operacional”, que era a cadeira que eu dava. A universidade mostrou vários caminhos para mim. Do ponto de vista formal, eu nunca exerci a profissão de engenheiro, eu sempre fiz outras coisas. E na Unisinos, eu comecei na Administração, mas comecei a circular em diferentes espaços. Então, a universidade é um lugar muito vivo e que te abre muitas possibilidades.
Eu estava há dois anos na Uni, e aí eu já tive um espaço para poder coordenar um curso de graduação, a Administração. A gente montou, em 2003, o curso de Gestão para Inovação e Liderança (GIL), que é um dos cursos que teve um modelo diferente. Logo virei gerente do vestibular, depois fui gerente de produto, que era gerente da área dos bacharelados e dos cursos da graduação. E aí em 2009, nove anos depois de eu ter entrado, o Pe. Marcelo me convidou para ser Diretor de Graduação. Enfim, eu tinha ido para o mestrado em Design, estava coordenando o mestrado em Design, e me chamaram para esse espaço.
E esse foi o lugar mais profícuo que eu tive na Unisinos, porque eu fiquei dez anos nesse espaço, de 2009 em 2019. A Direção de Graduação te ajuda a conhecer toda a universidade, especialmente do ponto de vista da graduação. Então todos os coordenadores de graduação, na área da Indústria Criativa e todas as outras áreas, estavam sob a liderança da minha área. Ali, tive contato com todo mundo mais de perto. Foi quando eu conheci bem a universidade. A gente lançou muitos cursos nesse percurso. Por exemplo, o curso de Produção Fonográfica. Antes, a Comunicação Digital, depois, o BIHAT (Bacharelado Interdisciplinar em Humanidades, Artes e Tecnologia). Enfim, a gente foi montando um monte de projeto com alguns parceiros.
Em 2019, já não era mais o meu espaço, e eu combinei com o Pe. Marcelo de sair. Eu saí e fiquei um semestre fora estudando no Canadá. Quando eu voltei, eu assumi um espaço bem legal, que eu estou agora, que é o Instituto para Inovação em Educação, da Unisinos, que é um espaço interdisciplinar. Tem gente da Indústria Criativa, tem gente da Politécnica, tem gente da Gestão e Negócios, e tem gente da Educação. Ali, eu estou há dois anos, quando veio a virada da gestão, a saída do Carlo (Franzato), e o convite do padre Sérgio, para que eu assumisse esse espaço na Indústria Criativa. O que para mim é muito legal, porque, na verdade, desde que eu comecei a pesquisar, lá por 2009, eu sempre avancei para uma área mais relacionada ao design. Então, eu estou em design há bastante tempo, e conheço quase todo mundo da área de comunicação, porque eram coordenadores que estavam trabalhando comigo antes. E para mim fechou todas, porque fica conectado com o que eu estou fazendo mais diretamente. E eu posso trazer algumas ideias que a gente tá discutindo para avançar a Indústria Criativa.
Mescla: Qual o papel da indústria criativa para o desenvolvimento social e econômico hoje?
Gustavo Borba: A Indústria Criativa é um espaço onde a gente pode construir uma transformação muito grande, tanto em São Leopoldo quanto em Porto Alegre. Especialmente, neste momento, em Porto Alegre, por conta do Pacto Alegre e da Aliança para Inovação, mas também em São Leo. Me parece que hoje não existe uma instituição que está protagonizando esse lugar, entre tantas, não tem nenhuma universidade que está dizendo assim: ‘eu sou a universidade da indústria criativa, eu vim aqui para fazer isso’. E eu acho que a gente tem essa potência hoje, porque temos cursos muito qualificados, a gente tem equipamentos excelentes, como o teatro em Porto Alegre e todos os laboratórios em São Leopoldo. Então, para mim, o espaço da Indústria Criativa tem uma vantagem competitiva, que é o fato de a gente poder ter por dentro desses cursos todos uma perspectiva cultural e artística. E em um momento como o que a gente está vivendo, um momento de transformação social e tudo mais, eu acho que a arte tem um componente fundamental. Então, se a gente conseguir ampliar essa perspectiva da arte para além dos currículos, e trazer isso especialmente numa perspectiva da extensão e de conexão com as cidades, eu acho que a gente pode ter um potencial transformador. Então, pra mim, a Indústria Criativa tem um papel transformador, através da cultura e da arte. No nosso caso, a gente está falando de comunicação, linguagem e design, para que a gente possa, de alguma forma, dizer que a universidade é protagonista nessa transformação, que é ainda mais demandada no contexto da pandemia.
Mescla: Quais são as principais competências que um profissional da indústria criativa deve desenvolver?
Gustavo Borba: É uma ótima pergunta. Eu acho que a gente hoje está trabalhando, na universidade, de uma maneira geral, com essa ideia das competências para o século XXI, que são competências transversais, e que qualquer profissional deveria ter. Elas vão desde a perspectiva da ética até o autoconhecimento. Eu acho que, no caso específico da Indústria Criativa, tem algumas questões que são fundamentais para a gente avançar nesse olhar.
Primeiro, eu acho que uma competência projetual é fundamental para a gente, em qualquer espaço dentro da Indústria Criativa, desde o cara que está fazendo Produção Fonográfica, passando por alguém que está no Design, e alguém que vai trabalhar na área de Comunicação, a gente realmente trabalha com projetos. Então, os projetos podem ser aquilo que eu estou montando para um show, aquilo que eu estou montando pra entregar para um cliente ou aquilo que eu estou montando até para telejornal. Então, a construção dessa competência projetual eu acho que é um ponto fundamental para a gente. Depois, outras questões gerais, como a questão da ética e cidadania global, acho que hoje não tem como a gente não olhar para essa perspectiva, especialmente de que a gente está inserido em uma lógica global, e tem que dar conta disso. Então, é uma competência bastante importante.
A questão do autoconhecimento é fundamental para qualquer profissional, mas para nós mais ainda, porque a gente, na Indústria Criativa, acaba em alguns espaços nos expondo mais. É essa linha entre o espaço pessoal e profissional, ela é um pouco mais tênue em alguns momentos, então, acho que isso é uma coisa bem importante. E aí eu diria, pra complementar, além dessas, que acho que pega muito especialmente na área da comunicação, é a gente conseguir ter uma capacidade, porque temos um espaço hoje digital que nos distrai tanto, de poder qualificar o que tem nesse espaço, em termos de informação. Entender qual informação é relevante, e não se perder dentro disso, pra enfim, não acabar deixando que isso tome conta da gente. Porque, na verdade, o grande problema que a gente tem hoje, em várias áreas, mas na comunicação mais ainda, é a gente conseguir separar tempos da nossa vida, e não ficar imerso no espaço digital, que nos consome o tempo todo. Acho que isso é uma coisa importante, essa capacidade de trabalhar com o nosso bem-estar e de se conectar digitalmente de uma maneira mais positiva, digamos assim. Mas eu colocaria como uma resposta de fundo todas as competências que a gente está debatendo na Uni hoje, que são 10, e que estão lá na plataforma do Unisinos LAB, e que são as competências do DNA da Unisinos.
Mescla: Como a Escola da Indústria Criativa pode ajudar os alunos a desenvolver essas competências, considerando as mudanças no ensino pós-pandemia?
Gustavo Borba: Pegando essa lógica pós-pandemia, uma das coisas que vai ficar é o digital. Eu acho que a Indústria Criativa tem muito a dizer sobre o digital. Eu acho que a Politécnica e a Indústria Criativa são as escolas que mais tem a falar sobre. Então, a gente precisaria apoiar as outras áreas. Eu vou dar dois pontos gerais, um deles ainda é essa lógica de trazer a arte e o valor da cultura, porque isso permite que qualquer área se torne melhor. Qualquer área, mesmo, da engenharia ao direito, um profissional que consegue dialogar com isso vai ser muito melhor na sua ação e, também, na sua atuação como pessoa. Então, esse é um ponto chave. O outro, que eu acho que é mais técnico mesmo, é a gente ajudar as pessoas nessa conexão digital, na compreensão do que é real e o que não é real. Um apoio, para a gente conseguir discernir. Na verdade, construir discernimento em um lugar que está tão poluído, está tão misturado, e que é tão fácil entrar ali te perder. Então, acho que isso é uma demanda que a gente teria que ter, enquanto pessoas que trabalham com informação, especialmente. Eu colocaria esses dois pontos como principais, assim.
Mescla: Por último, o que a comunidade acadêmica pode esperar para os próximos anos para a escola da indústria criativa?
Gustavo Borba: Ótima pergunta! O nosso plano é que a gente consiga se tornar um hub da indústria criativa do estado. Esse é o desejo. É de que as pessoas, quando falam aqui no Rio Grande do Sul, em Indústria Criativa, elas pensem em primeiro lugar na Unisinos. Essa é a ideia. E aí, por conta disso, a gente vai entrar mais forte na questão do Pacto Alegre, a gente vai trabalhar mais forte na Aliança pela Inovação, de Porto Alegre. A gente vai tentar aproximar ainda mais, com as prefeituras, especialmente as de São Leopoldo e de Porto Alegre, para construir espaços que permitam esse debate, de como a Indústria Criativa pode transformar socialmente a realidade dessas cidades. Então, pra nós, eu acho que se a gente tivesse que definir, assim, em uma frase, como que a gente quer se enxergar, daqui três ou quatro anos é: o hub da indústria criativa do nosso estado. Acho que isso seria o nosso ponto principal.
Mescla: E, não está aqui na listinha, mas como tu te sente, agora, com convite, o desafio?
Gustavo Borba: Tri. Eu fiquei super faceiro, e também desafiado, porque eu conheço uma parte. Tem um lugar que eu conheço muito bem, que é a área do design, mas tem outro lugar, que eu conheço como gestor, que é a área comunicação. Mas eu conheço todo mundo de um outro lugar, que era a direção da graduação. Para mim, um desafio que eu tenho agora é me aproximar mais, especialmente da área da comunicação, para compreender melhor ainda as demandas e as necessidades. Para que a gente possa, a partir disso, construir uma indústria criativa mais colegiada. Porque um desejo é que a gente crie um colegiado forte, que a gente tenha um corpo de professores, um corpo de alunos, de funcionários, que tenha um diálogo mais forte ainda. Porque a gente, ao longo do tempo, foi separando isso pelos cursos, e acho que agora a gente precisa ter uma identidade. Construir uma identidade ainda mais forte da Indústria Criativa.