Por Torriê Aliê Breier (*)
“Para evitar a violência doméstica, nós precisamos de educação. Precisamos falar muito sobre a violência psicológica, temos que cobrar, apoiar as mulheres a denunciarem, para que a lei de fato entre no seu vigor e na sua capacidade máxima”, afirmou a advogada Gabriela Souza na noite de 30 de agosto, durante a live “Mais Feminismos Menos Violências”.
Organizada por estudantes do curso de Jornalismo, da atividade de Projeto Experimental, o evento também contou com a jornalista Alexandra Zanela. A ideia foi proporcionar um importante debate referente à Lei 11.340/06, que completou 15 anos de criação no começo de agosto, além de abordar temas como o empoderamento e a luta pelos direitos das mulheres. Por isso, Alexandra e Gabriela fizeram questão de abordar o caráter punitivo da legislação, que é o de criminalizar condutas, mas também o seu caráter preventivo.
A conhecida Lei Maria da Penha surgiu a partir de uma série de violências praticadas pelo então marido de Maria da Penha, uma mulher cearense, de carne e osso, que por 20 anos lutou para ver seu agressor preso e, por isso, emprestou seu nome à peça jurídica e também a um Instituto que estimula e contribui para a aplicação integral da lei, bem como monitora a implementação e o desenvolvimento das melhores práticas e políticas públicas para o seu cumprimento. A lei entrou em vigor em agosto de 2006 e, em 15 anos de existência, vem sendo usada para que a violência contra a mulher deixe de ser tratada como um crime de menor potencial ofensivo, além de buscar acabar com as penas pagas em cestas básicas ou multas, englobando, além da violência física e sexual, a violência psicológica, patrimonial e o assédio moral.
Batalhar por causas que acredita é a marca registrada da jornalista Alexandra Zanela, que em 2019 teve sua história retratada no minidocumentário “Alexandra”. Nele, ela conta mais sobre suas origens, desde o nascimento, em uma comunidade rural do Rio Grande do Sul, até os dias de hoje, com uma trajetória marcada na luta pela equidade dos direitos das mulheres. Sócia-fundadora da Padrinho Conteúdo e Assessoria, Alê, como é conhecida pelos mais íntimos, já atuou como repórter em importantes redações, como o Diário de Santa Maria, Diário Catarinense e portal Terra. Alexandra também se dedica à newsletter AleNews, que aborda temas como arte, comunicação, gênero e política e também participou de projetos como o do e-book #MeEscuta, do curso “Me Escuta: empreendedorismo feminino na pandemia”.
Já empatia é uma ótima palavra para caracterizar a personalidade da advogada feminista Gabriela Souza, sócia-fundadora do primeiro escritório de advocacia para mulheres no Rio Grande do Sul, tendo como objetivo atender, de forma ampla e única, os direitos das mulheres, respeitando suas individualidades. Gabriela também coordena a Campanha Me Too Brasil com a finalidade de amplificar a voz das mulheres sobreviventes de abuso sexual e qualquer forma de violência.
Muitas questões e público atento
A live reuniu um amplo público que pode acompanhar, conhecer e questionar assuntos importantes que foram debatidos em uma noite dedicada à informação de temas que envolvem a presença da mulher na sociedade, suas vivências, seus desafios, suas lideranças, seus medos, de que forma elas vêm rompendo barreiras e de que modo infelizmente ainda os machismos, os preconceitos e as violências interferem na vida de todas as mulheres.
Muito seguras e precisas em suas falas, num bate-papo descontraído sobre experiências vividas e opiniões, Alexandra Zanela e Gabriela Souza responderam as diversas perguntas dos espectadores e espectadoras engajados no chat do canal do YouTube do portal Mescla ao longo de uma hora e meia de evento. Questionadas pela mediadora Vitória Pimentel, estudante de Jornalismo, Alexandra e Gabriela revelaram detalhes sobre o impacto diário que a luta feminista acabou trazendo para suas atividades cotidianas.
“Eu acho que muitos ‘nãos’ que eu recebi na vida, ‘não pode, não é pra você, uma mulher que nasceu numa comunidade rural, então isso não é pra você, a cidade grande não é pra você, ter muitos amigos não é pra você’. Esse ‘não é pra você’ é o meu combustível, não queira dizer que eu não posso fazer algo, porque eu vou querer fazer. Muitas vezes, essas pessoas não possuem uma maldade em falar isso, essas pessoas também acabam sendo vítimas de uma sociedade opressora, que repete padrões, conversas, histórias que, às vezes, a gente sequer acredita. Existe toda uma desconstrução que precisamos fazer para reconstruir”, pontuou Alexandra.
“Nós mulheres sofremos muitas violências, na rua, íntimas, domésticas e familiares, e que infelizmente normalizamos. Isso passa e não nos deixa um roxo, uma marca. A violência psicológica eu chamo de feminicídio a conta gotas, porque ela vai matando aos pouquinhos e vai acabando com a autoderterminação da mulher, o que a torna um alvo muito mais fácil para outros tipos de violência”, complementou Gabriela.
A advogada também chamou a atenção para o fato de que desde 28 de julho deste ano a violência psicológica também é considera crime. “Isso demorou muito para acontecer em um país que desacredita das mulheres, que tem a terceira melhor lei do mundo para discutir gênero, porém, não a aplica com tanta maestria quanto foi escrita”, lamentou Gabriela, enfatizando que mais de 98% das mulheres que são vítimas de alguma violência têm sintomas físicos e psicológicos que podem ser identificados com CIDS (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde), como depressão, ansiedade, estresse pós-traumático e sintomas corporais (dor de cabeça, dor nas costas, diarreia, taquicardia).
Quer saber mais? Confira nossa curadoria
Para ver e ouvir:
- Mulheres do Século XX (disponível no Google Play): retrata, na década de 70, a história de Dorothea Fields, que deseja criar o seu filho adolescente Jamie da melhor forma possível, para que ele se torne um homem que respeite e entenda as mulheres.
- As Sufragistas (disponível no Google Play): inspirado em eventos reais vividos por mulheres dispostas a tudo em favor de sua luta pela igualdade. Na Inglaterra do início do século XXI, mulheres de todos os níveis sociais sacrificam seus empregos, suas casas, filhos e até suas vidas pelo direito de votar.
- Absorvendo o Tabu (disponível na Netflix): ganhador do Oscar de 2019 na categoria de Melhor Documentário de Curta-Metragem, traz à tona o processo de implementação de uma máquina que produz absorventes biodegradáveis, apresentando melhores condições de saúde e a chance de desenvolver uma nova habilidade para a promoção da independência financeira de mulheres da Índia rural.
- Feministas – O Que Elas Estavam Pensando? (disponível na Netflix): com ajuda do livro fotográfico de Cynthia MacAdam, a diretora Johanna Demetrakas reuniu depoimentos de mulheres feministas do início do movimento com as atuais. Os relatos de lutas, experiências e aprendizados para garantir seus direitos variam, desde a norte-americana que ficou presa em um país por ser mulher até a cineasta que não recebeu seu prêmio por ser mulher. Documentário relevante para entender a importância da igualdade de gêneros.
Para ler:
- Sobrevivi… Posso Contar: de Maria da Penha, autobiografia sobre a história de dor e coragem da mulher que virou ícone da luta contra a violência doméstica no Brasil. Ela empresta seu nome para a Lei nº 11.340, que garante a proteção das mulheres contra qualquer tipo e violência doméstica.
- O Segundo Sexo: escrito por Simone de Beauvoir, é uma das obras mais celebradas e importantes para o movimento feminista. O pensamento da autora analisa a situação da mulher na sociedade.
- O Feminismo é Para Todo Mundo – Políticas Arrebatadoras: escrito por Bell Hooks, uma das mais importantes feministas negras da atualidade. No livro, a autora incentiva a descobrir como o feminismo pode tocar e mudar, para melhor, a vida de todo mundo. Homens, mulheres, crianças, pessoas de todos os gêneros, jovens e adultos: todos podem educar e ser educados para o feminismo. Apenas assim poderemos construir uma sociedade com mais amor e justiça.
(*) Aluna da disciplina de Projeto Experimental em Jornalismo