Quando não temos certeza sobre o futuro, pode parecer difícil pensar em empreender, ou até mesmo sair do país para explorar os quatro cantos do mundo. Mas a sessão Deu Certo traz um belo exemplo de que, sim, isso tudo é possível. Estamos falando de Samuel McGinity, egresso do curso de Publicidade e Propaganda da Unisinos. Formado em 2005, está desde 2015 em Paris. Ele é o criador da Illune, uma agência de comunicação localizada a apenas 8 quilômetros da icônica Torre Eiffel.
Às vésperas de comemorar o sexto ano morando na Cidade Luz, Samuel conversou com o Mescla por videochamada. Enquanto aqui, em terras gaudérias, a tarde estava quente, Samuel chegava em casa depois de mais um dia de trabalho na capital francesa. Além do atraso no metrô e a situação do comércio, que seguia fechado, a prosa se voltou para a aventura de empreender a partir do zero. E fora do Brasil. Confere aí na entrevista:
Mescla: Como a publicidade surgiu na tua vida?
Samuel: Eu caí de paraquedas no curso de PP. Quando ainda estava na escola, fazia freelas de criação gráfica, mas nem sabia que era comunicação. Fiz vestibular para Engenharia Elétrica e cheguei a cursar um semestre, mas todo mundo sempre dizia que eu tinha mais a ver com comunicação. Até que eu percebi que realmente não me encaixava na Engenharia. Era uma atividade totalmente fora do meu estilo. Decidi fazer vestibular de novo para entrar em Publicidade e Propaganda. Ali, eu finalmente me achei.
Mescla: Como foi o teu início de carreira, já que ela começou quando ainda estavas estudando?
Samuel: Logo no segundo semestre, comecei a trabalhar bastante com freelas. Eu conhecia um colega que tinha feito algumas atividades da faculdade comigo. Nós resolvemos trabalhar juntos e, disso, resultou nossa primeira agência, a Plus. No terceiro semestre, a gente já tinha clientes e tudo mais. Eram empresas que hoje estão no campus da Unisinos em São Leopoldo, vários clientes interessantes. Fomos crescendo, eu continuei estudando, tocando a agência, e ela passou de uma peça na minha casa para uma sala comercial no centro da cidade. Essa mudança ajudou a agência a crescer mais, ter funcionários, mas o meu sócio não tinha a mesma vibe que eu. Sou um cara que gosta de investir e arriscar, gosto de desafios. Minha vida não funciona se ela não for difícil. Então, resolvi comprar a parte dele e transferi para uma nova sócia, que era aluna de Relações Públicas. Começamos a criar planejamento para os trabalhos que a gente oferecia e, assim, a empresa deixou de ser um estúdio de criação para ser realmente uma agência. Logo que me formei, unimos a agência à DW, que era de um grande amigo também de São Leopoldo, e formamos a DW Plus. Nessa época, passamos a atender a West Coast, Cravo & Canela, Converse e várias empresas do mundo digital. A Plus absorveu a DW porque esse meu amigo tinha o projeto de deixar a agência comigo e partir para outros projetos. Mas chegou um momento, quando tudo estava estável, que eu comecei a procurar mais desafios. Ofereci um projeto onde eu também estaria inserido dentro da empresa do cliente para absorver e sentir o DNA da companhia. Começamos a criar projetos bem enraizados. A Device, que está localizada no Tecnosinos, foi um desses projetos, e o diretor tornou-se um grande amigo. Ele ficou tão contente com os resultados que me deu 1% da empresa. Então, eu cheguei nesse momento da minha vida, em que atingi o ponto alto da estabilidade.
Mescla: O que te fez deixar a estabilidade para trás?
Samuel: Recebi propostas para trabalhar em Nova Iorque e não aceitei porque achei que não era minha vibe. Eu também estava nesse mundo da comunicação no Rio Grande do Sul, sabendo que possivelmente tinha atingido o máximo possível sem um investidor. Eu estava tranquilo, precisava arranjar um problema na minha vida. Desde a faculdade, eu queria sair do país. Já tinha tudo organizado para ficar três anos em Londres e finalizar meus estudos lá, mas, como a empresa tinha muitos clientes, tive que abortar meu plano. Isso ficou na minha cabeça por anos e anos. Quando cheguei na estabilidade da minha vida profissional, quando todo mundo dizia que era hora de ter filhos, eu disse que era hora de ir embora.
Mescla: Como conseguiu realizar esse desejo?
Samuel: Eu sou de origem irlandesa, mas não tinha como conseguir visto para a Irlanda. Eu gostava muito da França. Então, pensei: por que não? Liguei para a embaixada francesa, em São Paulo, e pedi para falar com alguém de projetos. Bem na cara dura mesmo. Eu disse que tinha a ideia de fazer uma agência digital na França, porque sabia que o comércio nessa área lá não era tão evoluído. Disseram que sabiam quem podia ajudar e passaram o meu contato para uma pessoa. Já pensei que estavam me enrolando. No outro dia, meu telefone tocou e era o Gabriel, um francês que trabalhava na Agência Internacional de Investimento da França. Expliquei que tinha esse projeto, mas não tinha o investimento necessário. Mesmo assim, começamos a conversar. Fui para São Paulo, com meu computador e as minhas ideias ainda desorganizadas. O Gabriel me explicou então que a Agência não estava preocupada com quanto eu iria investir no país, mas sim com a qualificação que eu poderia levar. Redigi um projeto e enviei ao sistema francês de empreendedorismo. Ainda não tinha nome, não indicava quem seria a cabeça do projeto e nem informava qual seria o investimento. Só o conceito. A proposta ficou disponível nesse sistema. Ele é acessado por governos municipais que apresentam motivos para o projeto ir para as respectivas cidades. Meio que “a gente não vai dar dinheiro, mas vai ser mais fácil de se desenvolver em minha cidade por tais motivos”. Recebi três propostas: de Montpellier, Marselha e Paris. Disse ao Gabriel que iria para Montpellier, mas ele me convenceu de que o melhor seria Paris, por ter mais estrangeiros e eu não falar bem o idioma. Na verdade, eu não sabia nada de francês. Eu acabei conseguindo um visto de talento, que é muito difícil de obter, mas, depois de conquistado, é mais rápido e facilitaria a vida da minha esposa também. Assim, em maio de 2015, desembarquei aqui. Tinha dinheiro para cinco meses, um apartamento por dez dias, não sabia francês e não conhecia ninguém.
Mescla: Parece que foi um começo difícil…
Samuel: Continuei trabalhando para clientes do Brasil porque não tinha clientes aqui ainda. Qualquer evento de tecnologia eu estava lá. Voltei a ser uma “agência de axila”, que é quando tu colocas a pasta debaixo do braço, segura os cartõezinhos na mão e sai distribuindo. Fui conhecendo gente, fazendo contato, começou a aparecer um trabalho aqui, um logotipo lá, uma identidade visual de vez em quando. Conheci uma menina que achou muito legal meu trabalho. Ela pegou meu cartão. Quando eu não tinha muito trabalho, até cuidei do gato dela quando foi viajar. Ficamos amigos. Um dia, ela estava no Starbucks tomando café e ouviu um cara falando ao telefone. O desconhecido disse que tinha um projeto de calças, mas não achava ninguém decente para trabalhar a comunicação. Achava todos aventureiros. Ela me ligou e disse: Samuel, eu tenho um cliente para ti. Eu pensei: nossa, que bom! Mas ela me pediu para esperar. Se virou, cutucou o cara e disse que tinha um diretor de criação para ele. Marcamos um encontro presencial, e o resultado: trabalhamos juntos até hoje! Acabei de vir da empresa dele, aliás. Foi meu primeiro grande cliente. Mas hoje também trabalho para um centro náutico na Bretanha e um aplicativo de futebol. Disso, 99% é digital. Cada vez me reinventando mais. A cada dois anos, preciso me reinventar. Não ofereço nada que eu oferecia antes.
Mescla: Como estão as coisas em agora?
Samuel: Eu estou em um processo de naturalização, aguardando a resposta. Mas cumpri todos os passos, comecei do zero, não conhecia ninguém, meu francês é de bar, porque aprendi na rua e no sofrimento. Às vezes, eu paro e penso, e eu me surpreendo. Eu ainda estou aqui, totalmente adaptado à cultura. Não me vejo mais indo embora.
Mescla: A universidade ajudou você a se preparar para as dificuldades?
Samuel: Gosto de empreender com riscos. Toda vez que eu vou para o Brasil, que eu converso com turmas de faculdade, eu explico que a comunicação é uma área pouco valorizada, difícil de entrar, e o pessoal desiste fácil. E eu sou apaixonado pelo que eu faço. Por isso que eu gosto de passar minha experiência para os alunos, porque, pra mim, a Unisinos foi muito importante. A gente não tinha disciplina de empreendedorismo, mas eu tive um professor que era de mercado, e eu sempre ouvi muito ele.
Mescla: Já passou por momentos difíceis que achou que não fosse superar?
Samuel: Às vezes dá uma desmotivada, mas nunca ao ponto de querer baixar o braço, porque eu sou guerreiro. Perder um cliente, não conseguir resultado, acontece. Mas o que finalmente mudou é que, na comunicação, a gente se vê muito como artista. Áh, não tem como mensurar quanto atinge. Mas o nosso objetivo é vender, sempre foi e nunca vai deixar de ser. Hoje, eu trabalho muito com resultado. Se a gente faz uma campanha e a marca vende pouco, o culpado sou eu. Não é o cliente, porque a gente é obrigado a vender. Se a pessoa clicou e não comprou, a culpa é de quem? Temos número, sabemos onde as pessoas mais clicam no site, quantas indicaram amigos, quantas entraram no site mas não compraram, se rolaram até embaixo para saber se o produto é legal ou não. Hoje em dia, existem formas de ver isso e buscar resultados.
Mescla: Quais os planos para o futuro?
Samuel: Nunca planejei a longo prazo, no máximo um ano, porque a gente nunca sabe o que vai acontecer. Mas estou gostando do que eu estou fazendo, então, isso, pra mim, por enquanto, é bom. Não sei te dizer se daqui a três anos eu vou estar aqui, se eu vou ter ideia de fazer outra coisa em outro lugar. Enquanto estava desenvolvendo meu trabalho aqui, recebi uma proposta para dirigir uma equipe em Hong Kong e não topei.
Mescla: A pandemia foi um problema para a Illune?
Samuel: São duas faces do mesmo prisma. Para o mundo digital da França, foi excepcional, porque avançou muito o que as empresas tinham receio de fazer. Dei um passo à frente em algumas coisas. Quando vi que ia ficar ruim, apresentei um miniplano de emergência para cada um dos meus clientes. Isso criou uma raiz muito forte com eles. Tenho essa fama de ter uma ótima relação com os clientes, mas isso nos uniu ainda mais. O plano de emergência da Looking For Wild vendeu muito. A gente ainda está surfando na mesma onda do lockdown. Para a minha empresa, não foi bom, porque eu passei meses sem um novo projeto, mas a vantagem é que eu avancei em algumas propostas, porque quem pensava em e-commerce para 2022 acabou antecipando para 2020. Digamos que o faturamento foi ruim, mas o portfólio foi bom.
Mescla: Que conselho pode dar para os novos publicitários?
Samuel: A primeira coisa é que tu tens que acreditar no que quer fazer, e tem que fazer o que gosta. Não adianta ser concursado público se não gosta disso. E tem que gostar da comunicação, porque não é uma profissão de glamour. Tu vais apanhar muito. E se vai apanhar muito, tem que ser por algo que goste. Também é interessante se reinventar, se informar do que está rolando no mundo, isso te ajuda a antever certas coisas. Se conhece a forma política de pensar, a forma política que o país age, vai ter uma ideia da decisão que teu líder vai tomar. Pode até antever os passos e evitar problemas. Por isso, antes de ter um confinamento, eu já podia apresentar um plano de emergência para os meus clientes.