Da madrugada de domingo até o início da tarde de hoje, um post do professor e jornalista Felipe Boff, sobre o ocorrido na formatura dos cursos de Comunicação Digital, Fotografia e Jornalismo, já havia recebido mais de 9 mil curtidas e 1,2 mil comentários. Nele, Felipe transcreveu o discurso proferido no dia 7 de março. Pelo menos 4 mil pessoas compartilharam a postagem no Facebook. No Twitter, o vídeo que registra o momento do discurso, gravado por um dos convidados, teve mais de 300 mil e visualizações 11 mil curtidas. As palavras de Boff ecoaram pelo país após ele ter sido hostilizado por partes da plateia que acompanhava a cerimônia de formatura, na noite do último sábado. No discurso, o professor trouxe dados sobre os ataques que a imprensa e os jornalistas vêm sofrendo por parte da presidência da república.
As vaias sofridas pelo professor durante o discurso, e o fato de ter sido acompanhado na saída do púlpito até a parte externa do anfiteatro em que ocorria a cerimônia, provocou uma reação crítica de diversas organizações ligadas a jornalistas, pesquisadores e professores. Assim que as primeiras notícias saíram ainda no domingo a partir do Sul 21 e do Congresso em Foco, jornalistas como Eliane Brum e Cecília Oliveira tuitaram sobre o caso nas suas redes sociais.
Além de noticiar o ocorrido, veículos da imprensa diária, como Folha de S.Paulo e Zero Hora, trouxeram trechos do discurso do professor. “A imprensa brasileira vive seus dias mais difíceis desde a ditadura militar”, replicou a Folha de S.Paulo. Durante uma entrevista para o programa Esfera Pública, da Rádio Guaíba, o professor Felipe contou que alguns sites caracterizados pela propagação de fake news o citaram como petista e relataram que ele havia sido expulso da cerimônia, o que não foi verdade.
Várias organizações lançaram notas de apoio ao professor. A Associação dos Docentes da Unisinos (Adusinos) disse lamentar o ocorrido, se posicionando a favor da democracia e da “autonomia da comunidade universitária e a liberdade da docência”. Para a Sociedade Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor), “o fato de ter mobilizado uma escolta para garantir a segurança do professor na saída da cerimônia de formatura evidencia que o clima de beligerância recrudesceu e que é preciso repensar, com urgência, o lugar da cultura acadêmica de respeito ao pensamento do outro dentro das salas de aula, principalmente no ensino do jornalismo, para que isso se reflita nas práticas cotidianas, dentro e fora da universidade”.
Para o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors), em nota conjunta com a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), a “ação ocorrida na Unisinos representa uma intimidação à atividade profissional e é condenável”. Já a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) também manifestou seu apoio em nota.
Outra manifestação de apoio envolvendo quase 200 pessoas de todo o país, dentre pesquisadores, intelectuais, incluindo professores da Unisinos, usou trechos do discurso de Felipe Boff para se posicionar contra o ocorrido: “No ano passado, segundo levantamento da Federação Nacional dos Jornalistas, o presidente da República atacou a imprensa 116 vezes em postagens nas suas redes sociais, pronunciamentos e entrevistas. Um ataque a cada três dias”, destacou o professor. O manifesto foi compartilhado nas redes de diversos pesquisadores da área e está postado também no blog do professor da UFRGS e presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Marcelo Träsel.
Outros veículos que cobriram o caso foram Jornal Extra Classe, Mídia Ninja e Instituto Humanitas (IHU).
Hashtag: “Não existe democracia sem jornalismo”
Além de terem apoiado o paraninfo durante o discurso – todos os formandos, incluindo os de Fotografia e Comunicação Digital, se levantaram e começaram a aplaudir o professor quando as vaias iniciaram -, os alunos de Jornalismo lançaram uma campanha nas redes com a hashtag #SomosTodosBoff e #NãoExisteDemocraciaSemJornalismo.
Para Leonardo da Silva Francisco, formado em Comunicação Digital, “as interrupções durante o discurso do professor refletem a situação do jornalista brasileiro. Em tempos de perseguição, desrespeito e autoritarismo, a fala dele foi necessária e o momento foi muito oportuno”, opinou. Tamires Souza, graduada em Jornalismo, mostrou consternação: “Fomos representados por tamanha coragem do início ao fim da leitura. Vimos, ao vivo, o quanto a nossa jornada será difícil, uma vez que lutar pela verdade é motivo de vaias e agressões. Estamos iniciando uma nova fase e fechar os olhos para todas as ameaças à imprensa não é algo que irá acontecer”.
A ação inesperada de alguns presentes causou sentimentos múltiplos, que foram do medo ao orgulho pelo posicionamento dos professores, representando a classe dos comunicadores. “Na hora, eu senti um misto de revolução, mas muita adrenalina e nervosismo, muito pelo momento, mas principalmente com medo de que acontecesse algo pior”, comentou Maria Carolina de Melo, também formada em Jornalismo. “O evento significou e reforçou o nosso papel diante dessa sociedade com tanto fluxo informativo distorcido. Ficou na história, e eu espero que sirva para algo maior. É difícil entender porque nós somos tão atacados se somos tão necessários para a sociedade”, comentou.
“Quando eu vi todos os meus colegas apoiando o professor, não apenas meus colegas, mas a maioria dos formandos, me senti mais forte para levantar e aplaudir seu discurso. Concordo plenamente com o que ele trouxe à tona”, explicou Bernardo Dal’Bó Barbosa, que se formou em Comunicação Digital.
“O professor abraçou essa causa e transformou em uma supermensagem, eu senti muito orgulho do Felipe”, concordou o recém-formado jornalista Matheus Miranda. “O discurso do professor em nenhum momento foi partidário, pelo contrário, ele apenas reforçou o que os jornalistas há muito tempo ouvem.”
Tamiris Dietrich disse não esperar menos do que isso do professor de jornalismo. Mesmo tendo se formado em Fotografia, se sentiu representada pelo discurso. “Se em uma universidade, que tem o papel de ensinar e formar profissionais pensantes, não se pode ter esse tipo de posicionamento, então não podemos ter em mais nenhum local.”