Colaborador do jornal Le Monde Diplomatique, o jornalista francês Jean-Baptiste Malet esteve em Porto Alegre no último domingo, dia 8/9, para participar de um debate sobre o documentário “O Império do Ouro Vermelho”, do qual é autor. Está aproveitando a viagem, que terá paradas também em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Belo Horizonte, Recife e Fortaleza, para lançar o livro sobre o assunto, de mesmo nome, que originou o filme, publicado pela editora Vestígio e disponível para venda em todas as lojas.
O debate é uma realização da Aliança Francesa, que conta com ajuda da Lei de Incentivo à Cultura para promover os eventos pelo país. Na capital gaúcha, ainda contou com a parceria do Curso de Realização Audiovisual (Crav) da Unisinos.
No documentário, o jornalista mostra as diversas formas de produção do tomate ao redor do mundo. Jean-Baptiste traz o contexto histórico do fruto, que hoje alcança o título de um dos produtos mais consumidos mundialmente. Logo nos primeiros minutos, o jornalista diz que a história a ser contada, na verdade, não é sobre esse alimento que consumimos diariamente, mas sim sobre o nosso mundo globalizado. Comportamento esse que acabou mudando os hábitos alimentares.
O filme revela que os três maiores produtores de tomates, atualmente, são Estados Unidos, Itália e China. Esse último, aliás, chamou a atenção de Jean-Baptiste, pois é um país onde a população não consome o produto. Mesmo assim, está entre os mais poderosos produtores do planeta. Foi lá que o jornalista iniciou sua investigação.
No país mais populoso do mundo, encontrou um general no comando das produções de tomate. Dali, o produto seguia para a Itália, onde era vendido. Na China, Jean-Baptiste também encontrou uma fábrica que adicionava fibra de soja na receita, sem especificar o ingrediente no rótulo, tornando, assim, o produto mais barato. Nos Estados Unidos, que possui máquinas mais automatizadas, um liberal é quem domina o mercado. Já na Itália, encontrou produções mais orgânicas, mas também uma espécie de trabalho escravo com imigrantes.
Toda essa investigação, que durou dois anos, resultou primeiro em uma grande reportagem, com denúncias e dados ilustrativos. Em 2017, o relato se transformou em livro e, pouco tempo depois, virou documentário. Segundo Milton do Prado, coordenador do Crav, o filme segue um formato bem jornalístico. “Na produção audiovisual, ele foca apenas na fabricação dos molhos de tomate, mas no livro, traz mais exemplos desse sistema, que visa mais produção do que o bem-estar humano”, avalia o professor.
Durante o debate, Jean-Baptiste indicou qual seria a solução para o problema da produção, muitas vezes desumana, de tomates. É preciso, segundo ele, encontrar um modelo econômico que pense também no ser humano, colocando mais racionalidade no sistema produtivo. O jornalista explicou que sua intenção com a investigação não era encontrar uma solução, mas mostrar que o problema existe. “O trabalho do jornalista é questionar os poderosos, trazer informação de qualidade, para que as pessoas processem isso e encontrem uma solução”, disse.
Jornalismo investigativo
Jean-Baptiste acredita que ainda existe espaço para o jornalismo investigativo, mas é preciso encontrar algum modelo econômico que possa financiá-lo. Os grandes donos de mídias, pensa o jornalista, veem isso como algo sensacionalista, o que não corresponde com a realidade. Além disso, é um nicho do jornalismo que demanda tempo, dedicação e muita leitura. Para Jean-Baptiste, é preciso ser idealista e não buscar o lucro financeiro, deixando de lado o mito do jornalista super-herói. “Nós precisamos do jornalismo investigativo, mas não devemos esperar que os poderosos das mídias nos deem esse lugar”, declarou.
É preciso denunciar a corrupção, na opinião de Jean-Baptiste. Mas o que muitos jornalistas fazem é transformar a denúncia em um espetáculo, sem deixar claro o funcionamento do sistema. “Até mesmo no Brasil, o jornalismo denuncia muito mais a corrupção política do que a industrial, e isso diz alguma coisa sobre o modo de se produzir notícias”, comentou. Com isso, os partidos políticos instrumentalizam a imprensa, criando apenas intrigas entre si. “Na França, é mesma coisa: o partido de direita e o de esquerda competem para ver qual é o mais corrupto. Com isso, a população associa política com corrupção, e passam a desejar uma figura forte e autoritária para comandar o país. E vocês conhecem a consequência disso”, enfatizou.
A diretora da Aliança Francesa, Mélanie Le Bihan, explica que a associação está sempre organizando eventos com diversos autores e artistas da francofonia. “Me chamou a atenção que, mesmo não sendo um filme em português ou inglês, teve um bom número de pessoas presentes”, disse Mélanie, que acredita que o conteúdo pode servir para todos pensarem a respeito.
O pesquisador e neurocientista Jessie Gutierres participou do debate. Disse que gostou muito do documentário, principalmente por trazer uma realidade pouco comum no Brasil envolvendo a indústria. “Eu não imaginava que a produção de tomate era tão poderosa e tão corrupta, igual a tantas outras”, ponderou. Para ele, o filme deixou como reflexão a forma como desejamos que a humanidade evolua tecnologicamente no comércio neste século.