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Iniciativa busca cuidar dos estudantes integralmente
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(Texto: Gabriel Aita Ost e Lucas Rafael Alves)

Francisco*, aluno de um dos cursos de Engenharia da Unisinos, sofre de ansiedade e depressão e convive também com a síndrome do pânico. Ele conta que um dos principais motivos das crises envolve atividades na universidade. Com formação técnica em eletrônica, ele não consegue reaproveitar o conhecimento adquirido anteriormente para abater algumas disciplinas do curso que faz – devido à uma determinação do Ministério da Educação (MEC). 

“Eu trabalhava para pagar a mensalidade do curso e ainda assim faltava dinheiro. Eu já tinha entendimento da maior parte do conteúdo das cadeiras que cursava e não existia um meio de passar por essas disciplinas”, conta. Ao mesmo tempo, dentro de casa, ele precisava lidar com uma situação grave de doença familiar, aumentando a pressão sobre o aluno.   

Crises de ansiedade e pânico são comuns para Francisco, até mesmo na sala de aula. Em uma das vezes, trabalhou até mais tarde e, mesmo não se sentindo bem, foi para a universidade fazer uma prova. Ao iniciar a atividade, teve dificuldade de prestar atenção. Sentiu-se inseguro, com a impressão de não ser suficientemente bom na avaliação. Entregou a prova sem terminar e, enquanto dirigia até a casa, temia provocar um acidente de trânsito. 

Casos como esse são comuns no Rio Grande do Sul. Depressão e ansiedade podem levar a situações de risco graves, e o Estado lidera um ranking preocupante no cenário nacional. Dados divulgados pelo Ministério da Saúde em 2017 revelam que os gaúchos representam as maiores taxas de suicídios no país. São 10,3 mortes por 100 mil habitantes, o que representa um total mil casos por ano. Pensando nisso, a Unisinos conta com o Núcleo de Assistência Estudantil (NAE) para dar atenção ao aluno que está passando por adversidades, incluindo questões que envolvem algum sofrimento de ordem psicológica.  

O NAE é composto por uma equipe multidisciplinar, envolvendo profissionais de várias áreas: uma assistente social, uma psicóloga, duas estagiárias de Psicologia e uma coordenadora pedagoga. O trabalho com a equipe multidisciplinar visa o bem-estar de quem a procura.  

Francisco* conta que não sabia que estava com depressão, pensava que era uma fase da adolescência e que logo iria passar. Após algumas crises, procurou um profissional particular que o diagnosticou e auxiliou com um tratamento. “Poxa, como eu ia saber? Por mais que seja óbvio, se ninguém fala, você não percebe”, comenta.  

“O bom é chegar e encontrar os amigos, mas quando entrava na sala de aula, era triste, me trazia desespero”, revela. A pior parte do problema era não encontrar alguma atividade que o fizesse bem, tudo estava vazio. Durante o tratamento, ele contou com a ajuda da família e de amigos. Atualmente, administra melhor as poucas crises que tem e se considera curado.   

Foto: Lucas Rafael Alves

A psicóloga e professora Dra. Paula Kegler defende que a sociedade é muito individualista e pouco fraterna, o que pode ampliar as crises. “A gente vê pessoas vivendo de uma forma muito sozinha. Isso gera solidão. Esse modo de vida acaba se manifestando também dentro da universidade”, relaciona. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), 90% dos casos de suicídios poderiam ser evitados. Provocar o fim da própria vida está entre as principais causas de morte entre jovens de 15 a 29 anos no Brasil.  

“A primeira questão é que a maioria do público universitário é de jovens saindo da adolescência e entrando na vida adulta”, fala Paula. Ela explica que, nesta fase, eles estão buscando definição profissional e inserção no mercado de trabalho, tornando esse momento algo decisivo e com bastante peso na vida da pessoa. Ao mesmo tempo, existe a competitividade, que estimula um ambiente onde quem produz mais, tira boas notas e cumpre os deveres é considerado um “acadêmico melhor”, segundo a doutora. Ela conclui que essa situação é um reflexo da nossa sociedade contemporânea.   

Na universidade, assim como na sociedade, muitas pessoas não alcançam um nível de produtividade tão satisfatório quanto outras, colocando-as um pouco à margem. “Aquele que não consegue porque trabalha durante o dia, ou por ter alguma dificuldade cognitiva, ou porque está emocionalmente mais frágil e não consegue se concentrar ou focar na faculdade, fica à margem dessa performance produtiva que é exigida. Começa então a se deprimir, a ficar ansioso”, analisa Paula. Segundo ela, a competitividade do mercado é refletida na sala de aula e a falta de empatia em auxiliar o colega e criar vínculos é um dos grandes problemas da sociedade atual.   

 

Como funciona o Núcleo de Assistência Estudantil? 

Nem todos os estudantes conhecem o NAE, disponibilizado sem custos pela Unisinos. O Núcleo busca todas as formas possíveis de divulgação para que o atendimento seja cada vez mais utilizado. A coordenadora do Núcleo, Profª Drª Suzana Moreira Pacheco, explica os caminhos de acesso ao NAE. “O aluno pode vir a partir de um desejo individual dele, se ele sentir com alguma adversidade e quiser procurar uma escuta, um acolhimento, ele pode enviar um e-mail para assistência**”, explica. O Núcleo fica junto ao Atendimento Unisinos, no Centro Comunitário (redondo).  

Como o objetivo do NAE será sempre auxiliar o aluno, esse agendamento é feito rapidamente e em um horário acessível. No primeiro momento, conta Suzana, é feito um acolhimento com o aluno para entender o que ele precisa e para onde encaminhá-lo. O estudante que buscar o apoio poderá ter cerca de sete encontros gratuitos e sigilosos. Ela reforça que o atendimento com a psicóloga não tem procedimentos clínicos. É uma orientação, uma troca de ideias para entender a situação. O núcleo também pode auxiliar o aluno na procura de um atendimento psicoterapêutico na rede da cidade ou particulares (dependendo da condição do aluno) caso haja a necessidade.  

 

“A nossa ideia é, quando ele entrar em contato com o NAE, ser incluso numa rede. A gente só pode soltar essa rede na hora que ele realmente estiver bem. Esse é o nosso objetivo. O aluno precisa estar em condições de saúde física e mental para que ele possa ter sucesso na escolha que faz na universidade, na trajetória acadêmica que ele tem, mas vivendo bem e convivendo bem, consigo e com os outros”, comenta Suzana. 

 

O serviço do NAE é oferecido nos campi de São Leopoldo e Porto Alegre. O atendimento na Capital é realizado mediante a agendamento. “A gente também atende alunos que estão com uma questão pontual, urgente, naquele dia. Que teve uma crise. Nunca deixamos de atender”, explica Suzana. 

Já os alunos de inclusão, aqueles que possuem deficiências físicas ou limitações cognitivas, são acompanhados pelo NAE desde o vestibular. Antes da prova, é feito um contato para verificar a necessidade de algum atendimento especial. Ao identificar a situação do aluno, o Núcleo também faz o contato com os professores que irão recebê-lo.    

Outra forma de o aluno chegar ao NAE pode ser através de indicações. Seja dos coordenadores dos cursos, dos colegas ou até mesmo da família ao perceberem algo acontecendo com o estudante. “Sempre temos uma atitude respeitosa para com o aluno. Nós queremos acompanhar, mas não queremos invadir. Mostramos que estamos aqui e que vamos acompanhar a trajetória sua trajetória dentro da Universidade”, afirma Suzana.   

O NAE, atualmente, conta com o programa TCCendo (link interno) e pretende lançar o Viva Junto Unisinos, que buscará fomentar o convívio na comunidade acadêmica. “O que a gente via na base desses atendimentos todos, muito presentemente, estava a solidão, viver só, sentir-se só diante de determinadas problemáticas ou situações”, explica Suzana. A partir dessa constatação, o grupo pensou em revitalizar o ambiente, com uma ideia de cultura circular. O projeto pretende realizar pontos de encontro, em eventos que já acontecem na Unisinos, em atividades culturas nos campi, de maneira que os participantes aumentem suas relações e passem a não se sentirem só.   

 

O NAE realizou mais de 1.200 atendimentos em 2017. Entre os diversos serviços disponíveis, o mais procurado foi o atendimento psicológico. No total, 279 alunos buscaram esse tipo de apoio no ano passado.

 

Você também pode auxiliar uma pessoa que passa por essa situação 

Segundo Suzana, é fundamental dar atenção e também escutar aquele que passa por mudanças de comportamento e sinais de solidão, tanto pessoalmente, quanto nas redes sociais. Como dica para auxiliar pessoas que estejam passando por essas situações frágeis, Suzana esclarece, “O que não fazer? Calar. O que fazer? Mostrar que identificou algo. Não funcionou? Procura uma referência no curso, muitas vezes o coordenador é acionado por um colega, um amigo”, explica e ainda ressalta: “o que a gente não pode fazer é fingir que não vê”.  

Paula acredita que a saída para algumas situações existentes na contemporaneidade e, consequentemente, na universidade, é resgatar vínculos. “Tirar um tempo para conversar com o colega, convidar para fazer algo que sabe que ele gosta ou perguntar o que gostaria de fazer, se colocar como companhia, como uma presença sensível, que possa oferecer aquilo que talvez a pessoa não esteja conseguindo buscar sozinha”, comenta a doutora sobre soluções para o grande caos em que algumas mentes possam se encontrar.  

 

* Nome fictício para proteger a identidade da fonte 

**assistencia@unisinos.br  

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