Por dentro

#AIDS #Caminho de Aline #Capuchinho #Didier Eribon #Frade #HIV #Marcelo Monti #Une Morale Duminoritaire
Viagem de 10 anos em prol da luta contra o HIV
""
Avatar photo

Nascido em Porto Alegre, Marcelo Monti, 40 anos, pode ser compreendido como um inerente peregrino. Mudou de cidade e escola com frequência na infância, caminhou e conheceu novas pessoas. Veterano quando se trata de viagens, Marcelo, nos últimos cinco anos, programou o maior de seus projetos. Por dez anos, caminhará por todo o mundo em busca de dois objetivos: a luta contra o HIV e a reflexão pessoal.   

Nomeado de “Caminho de Aline – uma volta ao mundo a pé pela vida e contra a AIDS”, o projeto do frade é uma homenagem à Aline, irmã mais nova dele e portadora do vírus HIV. Aline faleceu em 2008 aos 28 anos. Passada uma década, parentes de Aline têm dificuldade em tocar no assunto, algo muito pessoal para a família. “Existe uma barreira para o tema HIV ser abordado em casa. Percebe o quanto é sofrido?”, questiona.

Marcelo Monti e os equipamentos utilizados na viagem / Foto: Carlos Macedo / Agencia RBS

Na visão de Marcelo, um dos aspectos da AIDS é atacar “aqueles que não têm nada. Todos somos vulneráveis, mas as pessoas pobres são mais”. Na época em que Aline foi diagnosticada, já existiam tratamentos contra a doença. Os medicamentos chamados antirretrovirais foram criados em 1980 e distribuídos no Brasil pelo Sistema Único de Saúde (SUS) desde 1996. “Hoje, é possível ter uma vida mais ou menos estável se tu tens HIV. Por que ela (Aline) não se tratou?”, indaga Marcelo. Para o Frade, a resposta é a vergonha. Vergonha de ir ao posto de saúde, de todos a rotularem e saberem que Aline era portadora do vírus. 

Separados na infância, Marcelo descreve Aline como “uma das brasileiras que levou vida miserável de início ao fim. Nasce na desgraça e morre na desgraça”. Em tom de respeito, admiração e saudade, o frade usa a descrição de um livro, pois acredita que a mesma sintetiza a irmã e a história dela.  

 

Livro “Une Morale Duminoritaire” do escritor e filósofo francês, Didier Eribon. Nas palavras e tradução livre de Marcelo Monti:

“As estruturas desiguais da ordem social colocam certos indivíduos em categorias inferiorizadas. Mulher, gay, negro, pessoa com AIDS, deficiente físico. Pertencer a uma dessas categorias produz um tipo específico de psiquismo e de relação com o mundo. O autor descreve o que produz na consciência e no consciente o fato de ser insultado e estigmatizado e tratado como abjeto. O autor elabora uma análise histórica e sociológica da subjetividade minoritária que coloca em seu centro um dos efeitos mais poderosos da vida social: a vergonha.” 

 

Marcelo Monti / Foto: João Romanini

Durante os dez anos de viagem, o frade pretende conversar com comunidades e pessoas que, futuramente, irá encontrar. Quer falar de um modo informal sobre HIVAIDS e as formas de tratamento. Quer entender como cada país, cidade e indivíduo entende o vírus e a doença, como tratam pessoas que sejam soropositivos e quais trabalhos são feitos para ajudar quem mais precisa: a vítima da doença. 

Contudo, toda a jornada não está focada somente na AIDS. Para Marcelo, todas as caminhadas e peregrinações feitas ao longo dos anos contemplam também aspectos pessoais de sua vida. Nas palavras dele, existe uma busca, uma jornada para ser uma pessoa melhor. Retornar em dez anos sendo mais humano, compassivo, tolerante e amigo de si mesmo. Mudanças centrais para o próprio Frade.  

O momento da partida 

De todas as inseguranças, o que mais assusta Marcelo na jornada é o frio. Para se proteger da possibilidade de assaltos, o Frade decidiu midiatizar a viagem. Através da página do Facebook e do Instagram, Marcelo irá publicar fotos e vídeos mostrando todo o caminho percorrido.  

Mesmo tendo o objetivo de viajar por dez anos, Marcelo tem o roteiro para os primeiros três. “A ideia é fazer toda a América a pé e quando chegar no Canadá, se conseguir visto, quero ir para o Senegal. A minha previsão é, em 3 anos, estar na África, passando a Nigéria”, conta. 

No dia 28, às 9h, Marcelo deu início ao projeto. Com uma mochila para roupas, um carrinho para comida e botas para os pés, o Frade partiu da Usina do Gasômetro, em Porto Alegre, rumo ao Uruguai. No primeiro ano, Marcelo tentará passar por oito países: Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, Chile, Equador, Peru e Uruguai.  

 
 

Quem é Marcelo? 

O Frade teve uma infância simples e imersa na pobreza. “Venho de uma realidade de muito sofrimento. Eu era criança de pedir comida de porta em porta. Uma realidade de favela. Vivíamos numa miséria, numa casa que era invadida. Fazia gato para roubar luz, água não tinha, esgoto era entupido. É um pouquinho isso a minha história”, conta. Marcelo tem 15 irmãos e irmãs, doze por parte de mãe e quatro por parte de pai.   

Com 17 anos, Marcelo ouviu de uma prostituta, chamada Dona Eva, que padres viajavam, estudavam e moravam em casas boas, por isso ele deveria tentar ser um. Ele aceitou o desafio, mesmo sem ter a noção, na época, do que significa devotar-se à religião.  O Frade formou-se em filosofia pela Universidade Franciscana – Unifra, de Santa Maria. É formado em Teologia pela Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana – ESTEF, de Porto Alegre. De 2012 a 2015, viveu na França, em Paris, cursando o mestrado que nunca concluiu. 

Frade Capuchinho Marcelo Monti / Foto: Carlos Macedo / Agencia RBS

Além de Frade, Marcelo também possui o título de capuchinho. Capuchinhos são uma reforma da família franciscana – Ordem dos Frades Menores Capuchinhos (OFM.Cap), fundada por São Francisco de Assis e reconhecida pela igreja católica no século XVI.  Marcelo admira a história de Francisco de Assis pela liberdade que ali enxerga. Almejando este mesmo sentimento, decidiu entrar para a ordem. Capuchinhos vestem o hábito castanho e capuz pequeno – por isso capuchinho. 

 

HIV – Vírus da Imunodeficiência Humana: sigla que representa o agente infeccioso, vírus ou parasita que ataca seres vivos e tem a capacidade de transmitir doenças;  

AIDS – Síndrome da Imunodeficiência Adquirida: quando o vírus HIV atinge um estágio avançado, o portador pode adquirir AIDS, que é a doença; 

*As siglas HIV e AIDS representam a nomenclatura em inglês.

Mais recentes