Texto: Eduarda Bitencourt e Giulia Godoy
“Toda vez que me chamam para falar de fake news, eu caminho na contramão desse tema e da relevância a ele atribuída”. Foi assim que o jornalista Ricardo Boechat iniciou sua fala na manhã de quinta-feira, dia 23 de agosto, durante a 37ª Expoagas. Para um público atento, o apresentador mostrou como o fenômeno das notícias falsas pode ser, muitas vezes, fruto de uma sequência de acontecimentos históricos.
Antes de começar, o jornalista questionou o porquê de tratar notícias falsas com um nome estrangeiro. “Por que fake news e não notícias falsas?”, perguntou. Para Boechat, tudo é uma questão de poder. “Antes, quem ditava as regras eram os gregos, depois os romanos e, hoje, os americanos. É o império do momento, no campo cultural, econômico, militar, no comportamento: é o que mais exporta trejeitos, falas. Por que que nós estamos chamando isso de fake news e não do nome equivalente em grego? Porque a Grécia se foi, os Estados Unidos não”, explicou.
Para debater sobre o tema, Ricardo Boechat apresentou situações de um passado não muito distante, no qual regimes ditatoriais foram construídos sob países que se deixaram enganar. Ele afirmou que a notícia falsa pode ser explicada por apenas uma palavra: mentira. “A mentira ao longo da história já produziu flagelos monumentais, sempre associada ao poder. A escravidão, a qual eu já me referi, durou três séculos e tinha como base a economia global, a mentira de que o negro não era humano”, citou como exemplo.
Ao longo do discurso, Boechat expôs mentiras históricas prejudicais a humanidade. Nazismo, escravidão, ditaduras e Ku Klux Klan foram analisados pelo jornalista como mentiras universais aceitas por grupos de pessoas com grandes consequências. “Não há uma mentira maior do que aquela que distingue um homem e uma mulher de outro homem e outra mulher em função de sua raça. Distingue seus direitos, distingue a qualidade da sua vida, o seu direito ao amor, seu direito à procriação, guarda dos filhos, a soberania sob si mesmo, a qualidade de vida, o sofrimento pelo qual vai passar, o direito ao próprio corpo”, afirmou.
A mentira também é a base dos regimes autoritários, segundo o jornalista. “Por que todo o regime autoritário precisa da censura? Porque a censura preserva a versão única. O que é a mentira se não uma versão única que se impunha as demais e, portanto, vence a disputa do conflito, da discussão e do debate?”, instigou o público.
Saindo dos acontecimentos históricos para fatos recentes, ele comentou sobre eventos como Brexit e a eleição de Donald Trump. Para o jornalista, nenhum desses acontecimentos foi fruto das fake news como a imprensa afirma, mas de uma predisposição da população.
Ao mesmo tempo que reforçava o papel da mentira no dia a dia da sociedade, também enfatizava o fato de que atualmente estamos mais preparados para nos defendermos dela. Para exemplificar, relembrou crenças antigas e como o conhecimento científico era escasso e até mesmo inexistente em alguns casos. “A tecnologia que propaga a mentira é a mesma que permite difundir a verdade e desmascarar essa tal mentira. Essa é a nossa maior defesa. Sete bilhões de pessoas sujeitas a receber uma mentira através das redes sociais estão conectadas as mesmas redes sociais, ou sites de jornal, ou conteúdo acadêmico que desmascaram a mentira”, prosseguiu.
Ricardo Boechat afirmou que as notícias falsas não nos põem em risco e que a arma para combatê-la está, literalmente, em nossas mãos. “Não olhe para a fake news como uma ameaça, ela não ameaça vocês. O que ameaça vocês é a sua eventual passividade, o seu eventual desinteresse em valer se de recursos que estão no alcance da sua mão para entender que aquilo que estão te contando está próximo, distante, contrário ou a favor dos fatos”, finalizou.