“A mente é mais vasta que o céu, pois se colocados lado a lado, uma pode o outro conter”, foi recitando Emily Dickinson que Miguel Falabella tratou de aquecer a manhã gelada de quarta-feira (22/8) em Porto Alegre. O ator, dramaturgo, diretor, escritor e cineasta palestrou para um auditório lotado e atento na Convenção Gaúcha dos Supermercados – Expoagas 2018, no Centro de Eventos da Fiergs.
Eternizado pela interpretação de Caco Antibes, no programa Sai de Baixo, Falabella subiu ao palco, no qual atuou e dirigiu diversas vezes, lembrando muito a irreverência do personagem. Sorriu, brincou e emocionou-se com as histórias que moldaram seus 61 anos de vida. Mas mais que suas narrativas únicas, a palestra “Viver e sonhar em voz alta” tratou de sonhos.
“Eu pensava: ‘eu preciso lutar por esse sonho, eu preciso dizer para eles (família) diariamente que o meu sonho é esse e que eu vou realizar. Então todo dia eu sentava na mesa e dizia ‘eu quero ser ator’. Eu vivi em um mundo de ‘nãos’. A máxima era: ‘você não pode dar um passo maior que a sua perna’. Mas você nem sabe qual é o tamanho da minha perna, eu quero dar esse passo”, lembrou.
Carioca da Ilha do Governador, não aceitou ter seus sonhos diminuídos ou até mesmo desacreditado. Para ele, os sonhos são espaços pessoais, inviolados e que é necessário deixar o aviso de ‘não perturbe’ na porta. “É ali que guardamos os nossos desejos mais secretos, os nossos sonhos”, acredita. E ele guardou o seu sonho com carinho, mas não o limitou a uma gaveta secreta, tratou de realizá-lo.
Aos 18 anos, depois de frequentar aulas de tablado secretamente, teve, enfim, a chance de apresentar-se como um profissional. E ali, naquela primeira experiência, que conheceu a perversidade e a sentiu a desistência bater na porta. “15 dias depois que eu havia começado a fazer a peça, o diretor me chamou e disse que ia me mandar embora. E disse: ‘Acho que você não tem talento, acho que você não tem o que é preciso para ser um ator de palco’”, contou.
Na volta para casa, de cabeça baixa, Falabella entendeu uma valiosa lição sobre a vida e fez questão de afirmá-la veementemente para quem o escutava na plateia. “Em nenhum momento da sua vida você pode se definir pelo olhar de uma outra pessoa”. E foi depois de uma longa viagem pela Europa que ele iniciou, de fato uma busca incessante por atingir seus objetivos.
Miguel Falabella não parecia acreditar no ditado que diz, “um passo de cada vez”. Voltou ao Brasil com uma mala carregada de sonhos ávidos por realização e com uma peça de teatro escrita, sobre a vida da mesma Emily Dickinson, que ele recita até hoje. Entregou a peça nas mãos da atriz Beatriz Segall, eterna Odete Roitman, convidando-a para atuar.
“Eu não tinha feito nada, mas precisava começar de algum lugar e eu não queria começar mal, eu queria começar com o que há de melhor”. “Emily”, o espetáculo sobre a vida da poeta de mesmo nome, rendeu a Falabella, e a Beatriz, o Prêmio Molière – concedido aos melhores do teatro no Rio de Janeiro e em São Paulo – e abriu as portar para o, então, jovem diretor.
A famosa receita que não existe
Tantas vezes questionado qual a fórmula para o sucesso, Miguel Falabella disparou: “essa fórmula não existe”, mas desafiou-se, junto ao público, a criar aquilo que chamou de receita inexistente pata o sucesso.
Em primeiro lugar: poesia, muitas colheres de poesia. Com um fã assíduo dos poemas, Miguel Falabella, no palco, o ingrediente inicial para fictícia, mas funcional, fórmula do sucesso recitada não poderia ser outra. “Por um momento a gente tem a possibilidade de ver a vida por outro ângulo. Olhar o mundo fora da caixa”
Depois, e extremamente importante: disciplina. “Eu escrevo todos os dias, uma hora por dia. Às vezes eu não aproveito nada, às vezes eu só aproveito uma frase de tudo aquilo que eu escrevi, mas todo dia eu escrevo”, conta. Todos os ingredientes vêm temperados com histórias de vida de Falabella.
Jogo de cintura e adaptabilidade, mais algumas pitadas na receita. Com tantos papéis, desafios, espetáculos e prêmios na carreira. O diretor acredita que nos momentos em que o mundo desabou em uma noite, conseguir de adaptar e pensar rápido na solução é imprescindível. “É possível, sim, transformar uma realidade em uma coisa mais positiva”.
Do mesmo pote dos últimos dois ingredientes, é necessário adicional praticidade. “A gente precisa ser prático na vida. A gente não tem tempo de a perder, o mundo corre muito rápido, então é fundamental a gente saber tomar decisões. Em vez de ficar no problema, eu resolvo ele”, incentiva.
Logo após realizar a palestra, Miguel sairia em direção ao aeroporto Salgado Filho e, de lá, desembarcaria em São Paulo onde passaria o restante do dia no teatro. E, para organizar sua vida, é necessário planejar-se. “Na vida a gente não faz nada sem planejamento. Eu tenho que dosar, senão eu não consigo fazer tudo o que eu tenho para fazer.
Originalidade. Talvez seja esse o ingrediente que mais encanta o diretor, e é característica fundamental para os integrantes de seus elencos. “Ser original, pensar diferente, trazer sempre um novo ângulo”. Seguir o fluxo, repetir padrões, trancar-se na caixa do pensamento, segundo ele, não interessam.
Já finalizando a receita, Falabella aconselha adicionar doses de “transmitir a todas as pessoas envolvidas no projeto o sentimento de que são donos do projeto”. E disso ele entende bem. No espetáculo que está dirigindo no momento, trabalha com mais de oitenta pessoas, e diz conhecer não somente o nome de cada uma delas, mas a história de vida. “É tão melhor trabalhar com educação, com gentileza”.
O último ingrediente é o mais forte, aquele que dá um gosto especial e essencial na receita: a persistência, grandes doses de persistência, sem moderação. Depois de compartilhar a sua história de vida, ninguém que estava naquela plateia seria capaz de duvidar que Falabella é um produtor de persistência.
Depois de dezenas de peças teatrais, Falabella ainda carrega o sonho de transformar um de seus espetáculos em filme. Emocionado, contou que “Veneza”, depois de 20 anos, está prestes a sair do papel. E, como uma ironia, a história da gravação do filme faz um paralelo com sua, passando pela quase desistência, aos enormes desafios e medos, para chegar enfim, ao sucesso.
A receita “inexistente do sucesso” funcionou para Miguel Falabella, que se denomina como um amante do trabalho, como alguém que apesar de uma rotina conturbada, não trabalha um único dia de sua vida. E, por fim, ele aconselhou: “A grande obra é a gente ser autor de si mesmo”.