Texto: Eduarda Bitencourt e Natan Cauduro
À primeira vista, o conceito de colaboração na economia não se insere no mercado editorial. Contudo, no mundo das livrarias, a ligação entre ambos pode ser feita quando se analisa um sebo. Economia colaborativa significa reaproveitar ou compartilhar algo, desde bens de consumo ao conhecimento, e isso é algo que sebos fazem por definição.
História dos Sebos
A história mais comum é que os sebos receberam esse nome pelo fato de livros manuseados serem mais sujos e, portanto, ensebados. Entretanto, se as versões a respeito do nome se confundem e modificam dependendo do especialista ou fonte de referência, o consenso é que eles prestam diversos serviços para o mercado livreiro.
Segundo a monografia O Impacto da internet no futuro dos Sebos de Porto Alegre, de Daiane de Matos, os primeiros registros de sebos no Brasil aparecem em 1875. Na época, das 23 livrarias que existiam no Rio de Janeiro, oito eram sebos. Foi nesse tipo de comércio que também nasceram grandes editoras do país. A livraria e editora Saraiva é um exemplo. Ela começa sua história quando o fundador, Joaquim Inácio Saraiva, compra uma biblioteca usada de livros jurídicos ao se mudar para São Paulo.
Em Porto Alegre, a história desses estabelecimentos é mais inacessível e os primeiros registros só aparecem em 1956. Alocados principalmente no Centro Histórico e na rua General Câmara, os sebos são parte intrínseca do cenário cultural da capital gaúcha.
Se no início a história deles se confunde com a das livrarias e editoras, hoje, os sebos se sobressaem pelo sistema de trocas, preços mais baixos, edições raras e estrangeiras e facilidade para se encontrar livros que saíram de circulação. O mercado, antes considerado sujo, tornou-se opção para um grande grupo de leitores que buscam o reaproveitamento do objeto livro e o consumo consciente.
Em Porto Alegre, “Beco dos Livros”, “Ladeira dos Livros” e “Só Ler” são exemplos de sebos com visões distintas sobre fazer parte da colaboração na economia. No vídeo abaixo, donos e funcionária dos estabelecimentos contam sobre como é trabalhar em um sebo, o envolvimento diário com o público e de que forma o conceito de economia colaborativa pode aderir, ou já aderiu, o mundo dos livros usados.
Economia colaborativa
A Economia colaborativa é um conceito recente e vem se construindo ao longo dos últimos anos. Focada na colaboração e na troca de expertises de diversos profissionais, essa economia tem como característica evitar a compra exacerbada e focar no consumo consciente. Segundo Clair Puffal, gestora do Sebrae no projeto da economia criativa de Porto Alegre, é difícil definir a economia colaborativa dentro de apenas uma “caixinha”, ela pode ter várias definições.
Aline Bueno é mestre em Design estratégico pela Unisinos. Para caracterizar a Economia Colaborativa, Aline se baseia nos aspectos levantados pela jornalista e criadora do portal de economia colaborativa El Plan C, Marcela Basch. “Ser distribuída em um sentido forte, com capitalização, lucros, esforços, informação e controle compartilhados entre pares, sem mais-valia; que tenha responsabilidade, ética e esteja orientada para o bem comum, tanto em termos sociais como ambientais”, sintetiza.
Para Aline, essa economia nos ajuda a modificar a forma de consumo. “É uma economia que nos faz lembrar que temos outras opções além de comprar e vender itens. Podemos trocar, compartilhar, emprestar, doar. Podemos também usar moedas complementares. E ainda podemos fazer tudo isso nos organizando de maneira coletiva, em que todos compartilham as responsabilidades, mas também os benefícios” exemplifica.
Aline ressalta que, além de promover alternativas mais éticas e sustentáveis, as economias colaborativas promovem o alcance dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável elencados pela ONU em 2015. “Em especial, o ODS 8 – Promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo, e trabalho decente para todos – e o ODS 12 – Assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis”, afirma.
Segundo Clair Puffal, os sebos representam uma parte da economia colaborativa que não percebemos. “O sebo entra na questão de trocas, mas principalmente na questão econômica também. Eu acho que é uma coisa que a gente não se dá conta, mas já existe há tempos e pode ser colocada como colaborativa sim”, afirma.
Aline utiliza a Sharing Business Model Compass para comprovar que sebos (tanto físicos, como virtuais) estão dentro do modelo da economia colaborativa. Desenvolvida por Boyd Cohen e Pablo Muñoz e publicada no site Shareable, a bússola é usada em Startups e ajuda a enxergar um espectro que vai de um modelo mais colaborativo para um nem tanto, mas que ainda assim se encaixa como economia colaborativa.
“Na área periférica, a bússola possui 6 dimensões presentes em modelos de negócios da economia colaborativa: tecnologia, transação, abordagem de negócios, recursos compartilhados, modelo de governança e tipo de plataforma. Cada dimensão é dividida por 3 aspectos” explica Aline.
Para os sebos, ela acredita que estejam no meio do espectro. “Praticamente não precisam de tecnologia para existir (a não ser para sua divulgação). A transação é de mercado, pois envolve compra e venda. A abordagem do negócio, podemos dizer que é híbrida, pois ao mesmo tempo que tem intenção de lucro, em muitos casos os sebos existem em função de uma “missão” (de persistência) de seus donos. Dão novas casas para itens usados. O modelo de governança não é nem de cooperativa, nem exatamente de uma corporação, e o tipo de plataforma é b2crowd.”
Sebos na Web
O mercado de livros usados não está só no físico, mas também na internet. Hoje, os sebos se proliferam pelas redes sociais e plataformas facilitando o acesso à leitura e ao livro. Um dos maiores representantes desse mercado é o site Estante Virtual, que reúne sebos de todo o país.
O site conta atualmente com um acervo de cerca de 17 milhões de livros, oferecidos por mais de 2.500 sebos e livreiros de todo o país. Fundado em 2005, a Estante já mediou 20 milhões de vendas de livros, sendo que três milhões foram no último ano. Erica Cardoso é Gerente de Marketing da Estante Virtual e comenta que o site veio para preencher um espaço vago no mercado. “Antes da Estante Virtual, poucos sebos tinham sites próprios e pouquíssimos tinham acervo online, como consequência aqueles livros não eram encontrados pelas pessoas que precisavam deles. Nós preenchemos esse espaço, de democratizar a leitura através de bibliodiversidade, preços baixos e empoderamento do pequeno vendedor”, enfatiza.
Para Erica, a Estante não se encaixa dentro da Economia Colaborativa. “Não nos identificamos exatamente como economia colaborativa, mas sim como comércio colaborativo. Ao reunirmos milhares de pequenos sebos e livreiros em um único site, ampliamos o alcance individual de cada um e juntos ganham força para competirem com grandes varejistas. Por exemplo, o sebo no Pará que através da Estante Virtual passou a vender para leitores do Sul e Sudeste, o livreiro de Santa Catarina que passa a vender também para o norte e nordeste. Além disso, através dos sebos, incentivamos o reuso e o consumo consciente, que caminham próximos de economia colaborativa”, afirma.
Segundo Aline Bueno, porém, a Estante participa da Economia Colaborativa. Ela justifica isso voltando ao conceito da bússola acima apresentada. “A Estante Virtual encontra-se mais próxima da periferia da bússola. Quanto à tecnologia, é ela que habilita a existência do negócio. A transação é de mercado e a abordagem do negócio é claramente orientada para o lucro. Assim como os sebos, dão novas casas para itens usados. O modelo de governança é corporativo, ainda mais agora que foi comprada pela Livraria Cultura. O tipo de plataforma também é b2crowd. Portanto, acredito que tanto os sebos quanto a Estante Virtual se encaixam no tema da economia colaborativa, entretanto, encontram-se em posições diferentes da bússola”, finaliza.