Dentre estudantes de Ensino Médio de todo o Brasil, existem aqueles que desenvolvem interesse pela pesquisa científica. A vontade de dar o primeiro passo rumo a um futuro como cientista faz com que alunos busquem por auxílio. O mais tradicional deles vem do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), instituição ligada ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações.
O Programa de Iniciação Científica Júnior (ICJ) é a modalidade que mais abrange adolescentes dentre todos os programas do CNPq. Mesmo assim, ele não é suficiente. Escolas e entidades desenvolvem métodos próprios que visam incentivar a pesquisa científica entre alunos e interessados. No Rio Grande do Sul, o Colégio Luterano Concórdia e a ONG Cientista Beta são exemplos disso.
A escola como porta de entrada
Em São Leopoldo, o Colégio Luterano Concórdia conta com atividades que fomentam a pesquisa científica. Uma delas, idealizada pelo professor Nelci Naor Senger, Diretor do Colégio, é a Feira Regional de Iniciação Científica do Colégio Luterano Concórdia (FEICICC) que em 2018 irá para a sua quarta edição. Desde 2015 foram apresentados 169 trabalhos por 458 alunos expositores. Os projetos da FEICICC podem ser escolhidos para participar da Mostratec, a maior feira de ciência e tecnologia da América Latina, que ocorre na cidade vizinha Novo Hamburgo, e também da CIENTEC, realizada anualmente em Lima, Peru.
A Coordenadora Pedagógica do Colégio, Francini Scipioni Belau, explica que a pesquisa científica da escola não é um componente curricular a mais e nem uma atividade extracurricular. O Colégio trabalha a ideia da pesquisa como um projeto inserido, e diluído, na carga horária regular. Desse modo, afirma, os professores trabalham junto com os grupos de alunos na construção teórica e prática da pesquisa e, após terem os projetos avaliados por diferentes bancas, a nota é compartilhada entre todas as disciplinas.
Para a Coordenadora, é importante incentivar a pesquisa científica porque ela amplia a visão dos alunos para questões sociais e do mundo. Ela comenta ainda que “muitas pesquisas partem do social, de algum problema que a gente tem na comunidade e que, de alguma forma, os alunos querem entender e propor uma solução. Proporcionar esse conhecimento é importante para que eles possam ter essa formação para vida, e não só para dentro da escola”.
O Colégio Luterano Concórdia tem a pesquisa inserida na rotina escolar desde a Educação Infantil. A partir do 6º ano do Ensino Fundamental os alunos precisam observar com maior rigor os passos do método científico. Anualmente o Colégio propõe um tema para as pesquisas. Neste ano, aproveitando reflexões realizadas pela ONU, o assunto gira em torno do plástico e a poluição causada pelo mesmo. Para estudantes do ensino médio, entretanto, o tema é livre
Mesmo com todo o incentivo, os estudantes ainda enfrentam problemas ao colocar em prática a pesquisa científica. “A grande dificuldade da questão científica, não só aqui, mas em várias escolas, é o tempo. Os alunos terem a disponibilidade dentro de tudo que eles ainda precisam vencer, toda a área do estudo que eles precisam dar conta, esse é um dos principais desafios”, explica a Coordenadora Francini.
O Colégio Luterano não tem vínculos com universidades. Isso faz com que os estudantes tenham que desenvolver as pesquisas em casa e não em laboratório. Por não ter ligação com o poder público, o trabalho feito pelo Colégio é inteiramente autoral. Sobre a possibilidade de implementar algum projeto do CNPq, como o ICJ, a Coordenadora diz que “é algo a ser buscado. Sabemos que a burocracia é grande, mas temos interesse, sim.”
O relato de uma cientista
O Instituto Cientista Beta é uma ONG cuja finalidade é fomentar a pesquisa científica. Dentro dela, há um projeto independente, o Programa de Iniciação Científica Decola Beta (PICDB), apelidado de Decola Beta. Tudo foi idealizado pela cientista Kawoana Vianna. O DB já fez parte da vida de 245 jovens em todo o Brasil. O programa foca em adolescentes a partir do 9º ano do ensino fundamental e todo o ensino médio.
A Coordenadora do PICDB, Mariana Rau, conheceu o Cientista Beta em 2016, na época em que a iniciativa ainda era um blog. Diz ter ficado encantada com o ambiente, “um espaço que tratava de ciência, mas de uma forma mais acessível e diferente”. Em pouco tempo, Mariana já era coordenadora do time de colunistas do blog. A partir de 2017, juntou-se ao grupo que coordenava e aprimorava o projeto Decola Beta, que em 2018 completa 3 anos.
Mariana teve contato com pesquisa científica só na graduação em Biotecnologia, pela Ufrgs. Ela conta ter se deparado com um ambiente diferente do que imaginava. “Eu vi um negócio totalmente louco. Pessoas dentro do mesmo laboratório competindo, sendo rivais. Fiquei meio desacreditada”, relata.
Depois de vivenciar essa realidade, Mariana viu no Decola Beta a chance de evitar que futuros pesquisadores ajam como os antigos colegas de curso. “Os jovens ainda não foram estragados e a gente tem uma chance de contagiar eles com isso. Aí, eles vão levando essa mensagem adiante, depois vão chegar na universidade e já contagiar essas pessoas porque eles têm o jeito deles de fazer pesquisa”, explica.
Ainda assim, a coordenadora não deixou de tecer críticas à educação brasileira. “A escola, hoje, não ensina jovens a pensar, ensina a passar em provas. Ensinar o jovem a fazer pesquisa é um jeito de ensiná-lo a pensar, criticar coisas, entender o porquê das coisas. Ensinar a ser um cidadão com pensamento crítico que vai saber, ao longo de toda a vida, como resolver problemas.”
O Decola Beta divide seus participantes em mentorados, ou jovens cientistas, e mentores, cuja função é orientar e auxiliar o estudante. Para participar do programa, é preciso pagar uma quantia na inscrição. O preço da edição 2018 foi de R$ 300 reais. Contudo, mais da metade dos jovens não paga. Existe um sistema de arrecadamento. Doações vindas da sociedade que são revertidas em bolsas de estudo e financiam os seis meses de pesquisa do adolescente.
Outra forma de subsistência é participar de editais produzidos por entidades como o Instituto Serra Pilheira e a Petrobras. “A gente tá buscando isso. O nosso sustento vem principalmente de prêmios em que a gente se inscreve e ganha”, conta Mariana. Alguns deles são o Social Good Brasil, Prêmio Citi Jovens Microempreendedores e SciBr Foundation.
Entre escola e prêmios
Aluna do 2º ano do Ensino Médio do Colégio Luterano Concórdia, Maria Eduarda de Castro Estrella é apaixonada por ciência. Tem 16 anos e já participou de três feiras científicas fora do país, além de ser autora de oito projetos. O mais atual é uma parceria com o SAMU de São Leopoldo. O objetivo é a criação de um aplicativo que ajude a salvar vidas. Esse app vai possuir um geolocalizador para agilizar o início das manobras de ressuscitação em casos de paradas cardiorrespiratórias.
Nos anos passados, a estudante desenvolveu pesquisas em diferentes áreas: captação de água da chuva para regar plantas; reciclagem de resíduos; biomas do Brasil; Steve Jobs e a influência digital no mundo; doenças causadas pelo uso incorreto de agrotóxicos; câncer de mama e alimentação saudável; e hipotermia capilar. Um dos principais trabalhos de Maria, realizado em 2017, corresponde à hipotermia capilar. Trata-se da criação de uma touca térmica que reduz em 80% a queda de cabelos em pacientes durante o tratamento quimioterápico.
Todo o trabalho em pesquisa resultou em viagens pelo Brasil e internacionais. Maria participou da FEICICC, realizada no próprio Concórdia. Participou da Cientec em Lima, no Peru. Da Exporecerca em Barcelona, na Espanha. Da Milset em Fortaleza, no Ceará. Para este ano, já está credenciada para a FEBIC em Jaraguá do Sul, em Santa Catarina.
A estudante possui no repertório histórias sobre o alcance dos projetos realizados. Em Barcelona, um taxista agradeceu pela touca térmica. “A cunhada do taxista estava iniciando o tratamento de quimioterapia e ela não queria que os cabelos caíssem. Ele (taxista) pediu uma touca para ela utilizar e eu dei. Além deste fato, a primeira paciente que utilizou (a touca) tinha a minha idade e isso me marcou muito”, revela.
Maria Eduarda pretende seguir carreira na pesquisa, afinal, segundo ela, “nossa vida é baseada em pesquisas”. Ela até já decidiu a graduação. Vai fazer medicina e atuar na área desportiva. Pretende pesquisar e melhorar o desemprenho de atletas, auxiliando o Brasil a conquistar mais prêmio e medalhas. “Ver o sofrimento das pessoas e conseguir diminuir um pouco não tem preço, fico muito feliz”, conta.
Aluna, cientista, mentora
Jaqueline Dahmer Steffenon, 20, foi mentora do projeto Decola Beta em 2017. Acostumada com a prática da pesquisa durante o ensino médio, na Fundação Escola Técnica Liberato Salzano Vieira da Cunha, comentava com uma amiga sobre sentir falta de trabalhar com ciência. Durante essa conversa, Jaqueline descobriu o DB. Mentorou o trabalho do carioca Eder Luiz Gomez.
“Quando eu terminei o ensino médio, senti que aquela experiência tinha sido tão boa que eu precisava fazer com que outras pessoas também tivessem”, lembra Jaqueline. Hoje, além da graduação, ela atua no time de tecnologia do Cientista Beta. “Eu acho que a cabeça de quem faz pesquisa no ensino médio muda muito. Eu não vejo como seria a minha vida agora se eu não tivesse feito pesquisa. Eu não vejo mais as coisas como algo desafiador, mas algo que eu consigo fazer”, explica.
Tendo como modelo a frase “O pesquisador vale mais que a pesquisa”, Jaqueline conta que nenhuma pesquisa teve mais valia do que o crescimento pessoal que obteve. “As pesquisas me impactaram muito mais do que eu impactei elas”, reflete. Mesmo tendo atuado na área, Jaqueline não tem certeza sobre seguir carreira na pesquisa. Com um pé na ciência e outro no empreendedorismo, em 2017 tentou formar uma startup para um projeto pessoal, um aplicativo para pessoas surdas chamarem o SAMU.
Jovens cientistas
Amanda Bihenck Mendes, 18, e Luisa Adams Fank, 17, são estudantes da Fundação Liberato, de Novo Hamburgo. Em 2018, via internet e colegas, ambas conheceram o projeto Decola Beta e resolveram, juntas, participar. Tendo como mentora a paulistana Mariana Teixeira, a dupla desenvolve um projeto para combater Biofilmes.
Biofilmes são micro-organismos em conjunto e enredados. Na indústria alimentícia, essas formações são comuns e causam problemas quando consumidas junto do alimento. Durante o processo de fabricação de carnes embutidas, como o patê, biofilmes ficam encrustados nos equipamentos e dificultam todo o processo. O projeto de Amanda e Luisa visa otimizar esse trabalho ao acrescentar cloreto de magnésio na carne, evitando a formação dos biofilmes no alimento e equipamentos.
O projeto, que pode causar grande impacto, vem do gosto por ciência e pela pesquisa. Luisa teve contato com a prática durante a matéria de Projeto de Pesquisa. No caso de Amanda, o ensino fundamental não incentivou a área. Ela relata que “você não tem conhecimento desse mundo, e daí te apresentam pra uma coisa nova onde o que você pensa é importante. Você pode mudar alguma coisa. Acho que isso é o que mais motiva”.
Ela acredita que o contato com outros projetos e ideias é uma maneira de ver a ciência com outros olhos, em especial porque os primeiros incentivos escolares mostram uma ciência automática, engessada. Amanda também ressalta que, através do projeto DB, é comum encontrar adolescentes que, mesmo sem estrutura, fazem o possível para manter a prática. “Às vezes, eu paro pra pensar nas pessoas da escola que não aproveitam as oportunidades. A gente tem tudo que precisa ali ou a gente recorre pra Unisinos ou pra UFRGS”.
Cientista até dentro de casa
O apoio familiar, ou a falta dele, também serve como o combustível que incentiva as garotas. No caso de Luisa, mesmo que ela tente explicar, a família não compreende com clareza o projeto no qual trabalha e o que significa lidar com ciência. Mesmo assim, quando Luisa demonstrou interesse em participar do Decola Beta, a mãe foi firme ao incentivar, mesmo tendo de pagar. “Acho que no que podem, eles tentam ajudar”, comenta.
Para Maria Eduarda, o incentivo à ciência sempre existiu. Filha de um médico e de uma enfermeira, já nasceu com um pé na pesquisa. “Eles sempre estão me apoiando, seja financeiramente nas inscrições e viagens, seja através de apoio intelectual”, relata.
A realidade de Amanda é diferente. Em casa, quando se trata de pesquisa científica, a mãe não presta atenção na prática. “Ela não está muito presente, não faz muita questão”. Ainda assim, a falta de apoio não é motivo para desistência. “Isso não é uma coisa que me desmotiva. Pelo contrário, eu vou tentar crescer e mostrar pra ela. Eu me sinto desafiada”.