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Eliane Brum, Otávio das Chagas e os refugiados de Belo Monte
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O sol latente refletido no Guaíba e as curvas da Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre, formavam uma das paisagens mais bonitas da capital na manhã de quinta-feira (22). Foi lá que a jornalista Eliane Brum protagonizou o momento mais emocionante do TEDxPortoAlegre. Sob a fala “Os refugiados do Belo Monte: a memória submersa e os limites da palavra”, ela transportou o público para as terras alagadas pela construção da usina e, principalmente, para o lado de Otávio das Chagas, um ribeirinho arrancado de sua terra.  

Desde 2011, Eliane acompanha a trajetória dos ribeirinhos no processo de construção de Belo Monte, no Pará. “Dias atrás me perguntaram o que o rio falaria se pudesse falar. Mas o rio fala, a gente que não entende.  Eu conto histórias de vidas barradas, porque não entendo o Rio. Minhas histórias nascem desta possibilidade de alcançar a linguagem do Xingu”. E explicou: “Eu escuto as pessoas que mais perto chegaram de habitar o rio”.  

Foto: Giulia Godoy

Durante a palestra ela contou como Otávio havia sentido sua primeira fome, como fora retirado da ilha em que sempre viveu e como havia se tornado um homem sem palavras, mesmo conseguindo falar. “Eu já conheci um homem arrancado por Belo Monte. Não sei se vocês já viram um homem arrancado. É terrível. O horror não está em sua imagem, mas na sensação que lhe provoca. Porque o corpo está inteiro lá, mas lhe faltam partes”.  

Eliane relatou sua própria história e como fora modificada pela experiência. “As palavras cicatrizes de Otávio das Chagas me lançam num banzeiro de águas interiores e é lá onde estou até hoje”.  “Eu quero contar para vocês que escuto as vidas barradas do Xingu e fracasso em convertê-las em palavras. Fracassar é a condição de quem escreve. A vida sempre escapa, a vida transborda, a vida é maior. A vida flui na palavra, mas não aceita ser barrada por ela.

Foto: Giulia Godoy

 Eliane é conhecida por sua sensibilidade em retratar histórias. As reportagens escritas ao longo de sua carreira já viraram livros e motivo de estudo em todo o país. Mas foi em sua fala no TEDxPortoAlegre que ela mais uma vez deixou claro que vive em processo de aprendizagem. “Entendam o que eu demorei para entender. Quando alguém é obrigado a deixar seu país, sua pátria ou sua mátria, há algo que fica, há um resto. Mas quando alguém tem uma ilha afogada, como aconteceu com Otávio das Chagas, a memória vira água. Não há nada que dê materialidade a sua história”  

“Quem me ensinou que escrever é um ato do corpo, no corpo, foi o Xingu”, afirmou. As palmas demoraram a sessar após a fala de Eliane. Nelas, estava expressa a gratidão pelo seu relato. 

Foto: Gabriel Aita Ost
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