Cuidar da casa, dos filhos, dos netos. Da roupa, da comida. Se está doente, se precisa de colo ou carinho. Até aqui, não há nada de anormal para a matriarca de uma família tradicional. Já pensou, porém, em alguém que faz tudo isso, estando a cada duas semanas em um lugar diferente? Para Elisabete Guimarães Zanquetin a vida é assim.
Casada com Jaime Zanquetin há 37 anos, mãe de quatro filhos e avó de sete netos, Bete, como gosta de ser chamada, acumula todas essas funções dentro de um circo. Aos 17 anos, moradora de Francisco Beltrão, no Paraná, trabalhando com o irmão em um escritório de contabilidade, ela jamais imaginou o rumo que sua vida tomaria.
“Quando eu tinha 13 anos o circo passou pela minha cidade, foi então que eu estudei com o Jaime no colégio Mario de Andrade pela primeira vez”. Bete explica que as crianças que nascem no circo estudam onde ele passa. Às vezes uma semana, duas, um mês. “Eu gostei do Jaime desde aquele dia, mas éramos muito jovens. Em 1978, o circo passou novamente pela minha cidade, eu fui ao espetáculo e ele estava lá”, lembra.
A circense conta que naquele ano o circo ficou três meses em uma turnê pelas cidades de Francisco Beltrão, Pato Branco e Barracão. “Namoramos de longe. Ele tinha 19 e eu, 17 anos. Estávamos apaixonados e queríamos casar”. Mas as coisas não foram tão simples assim. “No começo meus pais não aceitaram muito bem. Depois que casamos fiquei seis anos sem vê-los”, lamenta. Quando questionada sobre a decisão, Bete, entretanto, não hesita: faria tudo de novo. “Eu acho que tudo tem a mão de Deus, talvez eu estivesse bem lá, mas eu sou muito feliz aqui e prefiro a vida que levo”.
Hoje em dia, a família está unida e, sempre que possível, todos se reúnem para matar a saudade. “No início trabalhávamos em um circo teatro. Era grande, e as coisas eram mais difíceis. Com o tempo resolvemos nos desligar e ter o nosso próprio circo, menor, porém com mais liberdade”, ressalta.
Pé na estrada
Ela conta que o sonho de ter uma família e zelar por ela foi o principal motivo para tomar a decisão. Aos 54 anos, atuando no próprio circo há 15, Bete diz que o trabalho exige esforço, desprendimento, dedicação, mas é recompensador. “Você viaja, trabalha se divertindo e, além disso, conhece muitas culturas diferentes”.
Ela diz que sempre vai aos pontos turísticos da cidade. “Antes eu levava meus filhos, agora levo os meus netos. Você conhece os costumes das pessoas, leva os sotaques dos lugares”, relata, dizendo, entre risos, que já está se sentindo uma gaúcha. “Estamos no Rio Grande do Sul há dois anos, levando o espetáculo a Porto Alegre e Região Metropolitana. Antes estávamos em Santa Catarina, há cinco anos”.
Segundo Bete, essa foi a forma que encontraram de proporcionar um estudo melhor para as crianças, além de tratamento médico e odontológico. “Normalmente definimos um lugar e ficamos lá o tempo necessário para concluir o tratamento. O Juan, meu neto mais velho, está no Ensino Médio, então vamos esperar ele concluir os estudos para irmos a outro lugar”, reitera.
Na casa todos recorrem a ela, que cuida de cada um com carinho singular. “Eu comecei a cursar Medicina Veterinária, enquanto estava no circo, mas engravidei e decidi me dedicar à família, mas eu sempre incentivei o estudo. A Isabela, minha filha mais velha, é formada em pedagogia e está fazendo pós-graduação em atividades acrobáticas do circo e da ginástica olímpica”, pondera.
Em busca de espaço
Embora a arte circense perdure há milênios, Bete relata que ainda existe muito preconceito. “As pessoas da cidade acham que a gente não paga nada. Nós pagamos todos os impostos, engenheiro, e não trabalhamos sem o aval dos bombeiros”, pontua.
Além disso, ela conta que quando os animais foram proibidos nos espetáculos, foi uma grande perda. “Achamos que o circo iria acabar. Quando anunciávamos o leão, macaco, cavalo, as pessoas vinham por causa disso”. De acordo com Bete, foi necessário adaptar o espetáculo às novas realidades. “Sempre tivemos teatro e variedades, mas temos que trazer coisas como Peppa pig, Frozen, para atrair o público”, destaca.
Bete, hoje aposentada, lembra com alegria do tempo em que subia ao picadeiro com seu esposo. Dona Eliza e Canetinha faziam a alegria da plateia, sintonia que se reflete na cumplicidade e parceira do casal há mais de três décadas. “Tentamos levar a vida de forma leve, nos ajudando mutuamente, acredito que esse seja o segredo da nossa felicidade”, completa.