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#cultura #farolsantander #música
“Lupi: pode entrar que a casa é tua” redescobre o maior músico da história do Rio Grande do Sul 
"Exposição no Farol Santander traz a vida e a obra de Lupicínio Rodrigues e encanta os olhos, os ouvidos e o coração"
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Logo na entrada do Farol Santander, em Porto Alegre, o visitante é apresentado a uma linha do tempo com toda a trajetória de Lupicínio Rodrigues, músico que nasceu em 1914 e teve uma vida cheia de boemia, trabalho e amor ao que fazia. Tudo sempre embalado em uma melodia melancólica e, ao mesmo tempo, animada, que só Lupicínio era capaz de criar. 

É através dessa linha do tempo que descobrimos alguns detalhes curiosos sobre o famoso cantor. Por exemplo, que ele sempre causou “problemas” nas instituições onde passava. Desde os 5 anos, estava mais interessado em cantarolar e batucar do que prestar atenção nas aulas. Seja na escola Liceu Porto-Alegrense, seja no Exército. Aliás, foi lá que, a partir dos 15 anos, o então soldado Rodrigues recebeu diversas punições por indisciplina. Para protestar contra a má qualidade da comida do local, a saída foi, claro, compor um samba. 


A exposição traz elementos visuais que enriquecem a experiência (Foto: Nícolas Suppelsa)

 



A Ilhota 

Lupi, como era chamado pelos íntimos, amigos próximos e admiradores, cresceu na Ilhota, uma ilha que existiu no século passado em Porto Alegre. Ficava localizada na área que hoje vai da Praça Garibaldi até a Avenida Ipiranga, se espalhando em direção à Rua Lima e Silva por um lado e, pelo outro, até a Avenida Getúlio Vargas. A região abrigava pessoas humildes, em sua maioria pretas. Como era um ambiente alvo de muitos preconceitos e isolamento social, os moradores viam na música uma forma de tornar mais leve a vivência naquele pedacinho da cidade. Então, essa experiência de morar na Ilhota e ter contato com o mundo boêmio desde sempre influenciou muito a obra de Lupicínio.  

Segundo informações da exposição, a Ilhota foi, aos poucos, sofrendo com um processo de gentrificação – mudança de paisagens urbanas em áreas populares que apresentam sinais de degradação física, transformadas por obras públicas em localidades mais bem estruturadas, que passam a ser ocupadas por grupos mais abastados –, onde os moradores foram sendo removidos. Muitos recorreram ao bairro Restinga, dezenas de quilômetros distante. Foi uma tentativa de “branqueamento” da cidade. Portanto, essa é uma parte importante da história não só de Lupicínio Rodrigues, mas da capital gaúcha também. 

“Ilhota, minha favela moderna,  

Onde a vida na taberna  

É das melhores que há. 

Ilhota, arrebalde de enchente  

E que nem assim a gente 

Pensa em se mudar de lá (…) 

Ilhota, a tua simplicidade  

É que dá felicidade 

Para o teu pobre morador.” 

(Composição de Lupicínio em 1937)
 

Vários Lupis 

Se vê, através da exposição, que Lupicínio teve diversas faces. Além de cantor e compositor, também foi


O que muita gente não sabe é que Lupi foi o autor do Hino do Grêmio. Ele era um apaixonado por futebol e, mais especificamente, pelo tricolor. Como torcedor, acompanhou assiduamente no estádio os jogos do clube do seu coração, assim como muitos outros gaúchos. Chegou a jogar nos dois times amadores da Ilhota: Lagarto e Ferreira. 
 

Em 1953, uma greve de motoristas e cobradores de bondes e ônibus dificultou o deslocamento da torcida para um jogo do time. A solução foi caminhar até o Estádio da Baixada. Foi assim que surgiu o primeiro verso do hino: “Até a pé nós iremos”. 


A torcida jovem do Grêmio reconheceu o amor de Lupi pelo time e prestou sua homenagem (Foto: Nícolas Suppelsa) 


Lupi e o rádio 

Lupicínio viveu o seu auge na época de ouro do rádio, entre 1930 e 1960, quando esse era o grande veículo de comunicação no Brasil. Vários artistas gravaram e regravaram composições do músico nesse período. 
 

A televisão toma o lugar do rádio na preferência popular a partir da década de 1960, momento em que também se solidificaram os gêneros musicais da Jovem Guarda, Bossa Nova e do rock como os preferidos dos jovens. O estilo musical de Lupi parecia não combinar mais com esses novos tempos. Apesar das gravações de suas músicas continuarem, é um período de relativo “esquecimento” de Lupi pela mídia.
 

Falando mais sobre as gravações por outros músicos, a obra de Lupi foi redescoberta e interpretada por vários cantores consagrados a partir da década de 1950 até os dias atuais. A exposição traz um apanhado dessas regravações e exibe um mural cheio das centenas de nomes que ajudaram a popularizar as canções. Além do mural, são disponibilizadas apresentações de diferentes épocas que relembram a obra de Lupicínio, como interpretações de Elza Soares, Gilberto Gil, Andréa Cavalheiro, Glau Barros e Pamela Amaro. 


Um mural com placas representa a infinidade de artistas que homenagearam Lupi através dos anos (Foto: Nícolas Suppelsa)



Ao final da trilha pela vida de Lupicínio, a exposição agracia o público com um show simulando uma performance ao vivo através de um holograma. Tudo isso com um ambiente muito bem preparado representando um bar, local que Lupicínio adorava. Tem até cardápio disponível. Mas não é um cardápio comum. Ao abri-lo, se vê, na verdade, um “menu dos amigos”, com nomes de diversos parceiros que passaram pela vida de Lupi. É uma forma singela de valorizar essas pessoas que se fizeram presentes e foram importantes para ele.
 

Nota do repórter: é muito indicado que os leitores desta reportagem façam uma visita à exposição, pois não há foto ou texto capaz de expressar ou chegar perto da experiência de estar no museu sentindo todas as homenagens e tributos que relatam a vida e a obra de Lupicínio Rodrigues. Uma ilustre figura da música nacional, muitas vezes esquecida pelas gerações mais novas. Aproveite até o dia 23 de julho para ir até o Farol Santander. Vale a pena conferir!


Você pode ter um gostinho e se preparar para a exposição ouvindo a playlist com os maiores sucessos regravados de Lupicínio Rodrigues e uma coletânea de músicas dele organizada em 2011

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