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Moda: um olhar inclusivo
"As necessidades de pessoas com deficiência sempre ficaram em segundo plano para a indústria têxtil, mas este cenário está começando a mudar "
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Quem não gosta de se sentir bem e tendo sua aparência valorizada por uma roupa? O desejo é natural e legítimo, mas, infelizmente, não é uma realidade para todos, em especial para as pessoas com deficiência (PCD). Entre as tantas barreiras enfrentadas diariamente pelos PCDs está a moda. Em muitos casos, além de não oferecer autonomia aos usuários, as peças podem limitar a capacidade de expressão de quem as veste. 


A criadora de conteúdo digital e modelo Vitória Behs lembra sobre os “nãos” que recebeu, inclusive dentro do mercado da moda: “Na minha adolescência, eu era chamada para testes, mas os agentes diziam que, por andar com muletas, eu não poderia ser agenciada”. Vitória tem paralisia cerebral, e nunca se conformou com a estrutura dessa indústria. Por isso, em 2017, ingressou no curso de Moda no Senac-RS, para compreender como tudo isso funciona. Já formada, deu início à hashtag #muletinhaspoderosas, com o objetivo de ampliar a visibilidade de pessoas com deficiência. Atualmente, Vitória atua como personal stylist. 

Vitória acredita que moda pode transformar, melhorar mil vezes a autoestima e transmitir o que se quer passar para o mundo 
(Foto: Arquivo pessoal) 



Para incluir, é necessário apostar na formação dos profissionais da moda


O primeiro passo para que o mercado de moda seja de fato inclusivo é a capacitação dos profissionais. Esse é um dos compromissos que o espaço acadêmico assume na formação dos estudantes, garante a coordenadora do curso de Moda da Unisinos Luciana Borges. Ela explica que, ao longo da graduação, a inclusão é trabalhada dentro da sala de aula a partir de atividades que desafiam os alunos a criarem diferentes peças para diferentes deficiências. 

“A capacitação profissional naturaliza as diferenças”, enfatiza Luciana Borges 
(Foto: Arquivo pessoal) 



A professora destaca algumas adaptações mais recorrentes no vestuário para PCDs, como peças com aberturas nos ombros e frontais, para auxiliar pessoas com autismo, por exemplo. “Para usuários com nanismo, precisamos pensar no desenvolvimento da sua motricidade fina (a maneira como usamos os nossos braços, mãos e dedos) e criar peças com abotoamento de pressão. Assim, fica mais fácil vestir-se sem auxílio”, complementa Luciana. 


Adequações como essas fazem parte do trabalho da designer Drika Valério. Há 11 anos Drika atua com pesquisa e produção de vestuário através da Aria Moda Inclusiva, marca criada por ela. “O feedback que tenho dos clientes é muito valioso. Quando chega uma peça na casa do cliente e ele me fala como isso o ajudou no seu dia a dia, na sua rotina, é a parte que mais importa para mim”, avalia. 

Drika diz que as pessoas acham que moda inclusiva é caridade. Não para ela. “Isso é um negócio” 
(Foto: Arquivo pessoal) 



Com mais de dez anos de atuação no mercado, Drika revela que já ouviu muitos comentários do tipo “que legal o que você faz, mas pena que é para doente. Não é para mim”. Para a designer, ainda existe muito desconhecimento no que diz respeito à moda inclusiva. Um deles é achar que essa produção é exclusiva e limitada às PCDs, quando, na verdade, é para todos os tipos de corpos. 


Outra preocupação que deve nortear os profissionais da moda inclusiva é fazer peças que estejam de acordo com tendências e conversem com a atualidade, e não se restringir apenas à praticidade e ao conforto. Tão importante quanto isso é o fashion. “Não adianta desenvolver toda uma estrutura legal e funcional para uma peça adaptada sem olhar para o fashion. Isso já veio das minhas próprias clientes. Muitas diziam ‘Drika, vamos modernizar essas roupas, não é porque estou numa cadeira que eu não quero me sentir bonita’”, comenta a designer. 

Drika na apresentação de seu TCC, quando exibiu um vestido de noiva, criado por ela, adaptado para cadeirantes
(Foto: Arquivo pessoal) 


Além do desafio de encontrar um vestuário adequado, as PCDs têm que superar outra barreira: a falta de acessibilidade. Muitas lojas não oferecem estrutura para receber esses clientes. É comum a falta de provadores espaçosos, e os que existem ainda são lotados com caixas e cabides. Por não se sentirem minimamente confortáveis nesses ambientes, o público com deficiência acaba se distanciando, ainda mais quando não conseguem se ver em campanhas publicitárias de moda. Grandes marcas ainda hesitam em incluir corpos reais que fujam do padrão. 


Drika acredita que esse olhar inclusivo vindo das marcas ainda vai demorar a acontecer. “Já ouvi de grandes empresários esse estereótipo, de que ‘só quero pessoas bonitas vestindo a minhas roupas’. Como a gente sabe que os corpos de pessoas com deficiência são ditos como fora do padrão, acho que vamos continuar vendo apenas ações pontuais de alguma marca grande, mas não de fato investindo em inclusão”, critica a estilista. Por outro lado, ela ainda enxerga um ponto positivo nisso: a valorização das pequenas marcas que atendem esse público.

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