Por dentro

#álbum #criação #música #produção #produção fonográfica
Papo de bastidor: como nasce um álbum
"Estudante do curso de Produção Fonográfica, Felipe Brandão, que também é músico, conta sobre os processos de uma produção realizada ainda no período de distanciamento social"
Avatar photo


Felipe Brandão tem 25 anos e está prestes a se formar em Produção Fonográfica pela Unisinos. Também cursa História da Arte na UFRGS. Além de já ter participado de inúmeros trabalhos musicais, Brandão é estagiário de audiovisual na Agexcom. Começou na música ainda pequeno, quando pediu à mãe para fazer aula de piano no colégio. Estava na primeira série. “Assim que comecei a pegar ritmo na coisa, com uns 12 anos, passei a me interessar sobre como gravar música”, contou, já emendando: “Tinha um desejo enorme de ouvir as coisas que eu compunha nas caixas de som do computador do mesmo jeito que eu ouvia os artistas que eu gostava”.  


Para começar, aprendeu sobre como sobrepor camadas sonoras a partir de programas que gravavam em multipista (método que possibilita trabalhar com múltiplas fontes de som), como o Audacity, o que ajudava a “misturar as ideias”. 


O depois 

Com a adolescência, veio a primeira banda, quando se reunia com colegas do colégio para tocar Blink-182 num estúdio do lado da casa dele, em Canoas. Naquele momento, segundo Brandão, se aprendia tocando junto. “Tinha o hábito insaciável de conhecer bandas de pop-punk e emo na internet”.  


Mas foi quando passou a frequentar rolês em Porto Alegre que a cena musical de grupos se abriu: “O primeiro deles, lembro bem, foi a apresentação do Chuva Negra na Cidade Baixa, em 2012, uma banda punk-hardcore de São Paulo, a convite de um amigo. Um ano depois, eu e ele formamos uma banda, que misturava toda essa energia do emo dos anos 1990 (guitarras limpas e tudo mais)”, lembra Brandão.  


A banda em questão se chamava Everyone Goes to Space (basta clicar para escutar). “Gravamos um EP (produção intermediária entre single e álbum) em 2014, que inaugurou o selo da Umbaduba Records, que mais tarde lançou bandas como Não ao Futebol Moderno, slsd, entre outras. Porém Felipe recorda que, apesar de ter encontrado pessoas com gostos e jeitos parecidos para a produção musical, manteve, ao mesmo tempo, a paixão por elaborar música sozinho e gravá-las, “quase como uma memória afetiva”, segundo ele.  


“É claro que a forma de encarar a coisa foi mudando à medida que aprendi mais e mais sobre os processos de gravação”, afirmou Brandão. “Não que eu prefira o processo solitário – cada formato tem seus prós e contras –, é que tem alguma coisa terapêutica em perseguir a vontade de ser o que se quer ouvir, mesmo que seja para criar sons novos e deixar eles envelhecerem dentro da gaveta”.  Mas nem sempre eles envelhecem lá dentro.  


Felipe, ou Pianocoquetel, durante o ensaio fotografado para a divulgação do novo trabalho (Foto: Leonardo Ramos)


Pianocoquetel: botando lenha na fogueira errada 

Para os sons que ele não queria que envelhecessem na gaveta, Brandão passou a colocá-los num projeto que chamou de “Pianocoquetel”, que é como o artista se autointitula hoje. “A ideia foi publicar mesmo o que tava afim, organizar trabalhos em coleções e lançar. Tudo gravado em casa”, conta. 


Dessa forma, o primeiro EP saiu em 2019, pelo selo fonográfico criado por Brandão, Antônia Kowacs e Alexandre Porto de Almeida chamado Operação Golfinho Records. O EP ganhou o título “Eu vou deixar a roleta girando” (clique para ouvir). Mas nesse ano, lançado no final de abril, ele lançou um novo disco cheio chamado “Botando lenha na fogueira errada”, disponível no Spotify, Bandcamp e outras plataformas musicais.

Capa de “Botando lenha na fogueira errada” (Imagem: Reprodução)


“O ‘Botando lenha na fogueira errada’ foi uma experiência única em questão de gravação, mixagem e masterização. Primeiro, porque o processo foi 95% realizado durante a pandemia”, relembra. Naquele momento, não poderia ser diferente, mas, consequentemente, isso mexeu em todos os âmbitos do trabalho, desde os pessoais da criação até os técnicos, como a execução.  


“Ironicamente, justamente num período de distanciamento social, foi o primeiro trabalho que gravei tudo sozinho, mas quis que alguém mexesse livremente nas gravações depois, tentando explorar novas formas”, disse. A pandemia atrapalhou principalmente a parte técnica, conta Brandão, já que compartilhar “arquivo pra cá e arquivo pra lá” sempre dá problema. Mas a pandemia também abalou coisas mais estruturais, como a composição: “Lembro de entrar num dilema (que muita gente entrou no início da quarentena) de ou compor sobre as coisas que estavam rolando e soar óbvio, ou compor fingindo que nada daquilo estava acontecendo e soar alienado”. 


A lenha na fogueira certa 

A proposta estética foi usar poucos timbres e fazer todas as músicas funcionarem dentro de um padrão pré-estabelecido; e limitar a quantidade de ferramentas – já que no mundo do áudio digital elas são infinitas. “Me apaixonei muito enquanto compunha por bandas que usavam timbres quase crus de guitarra, como o Gang of Four e o Devo. Alguns discos dos Titãs também, como o Cabeça Dinossauro. Quis fazer um contraponto a uma certa “regra” da música alternativa/independente atual, em que tudo precisa ter efeito e reverberação”, explica o artista. 


“Quis reproduzir essa estética do fim dos anos 1970 de cruzar instrumentos sincopados meio “duros” (eventualmente consequência da limitação tecnológica da época), recriando ela em 2020, em casa, no computador, intencionalmente”, conta Brandão sobre parte do processo. “Foi um vai e vem maluco tentando me autodisciplinar e manter um ritmo, não cansar muito rápido das coisas que eu fiz”.  


O álbum ficou pronto completamente em dezembro de 2021 e, com a pós-produção, foi lançado em maio de 2022. “Nunca tinha feito uma pós-produção tão longa, mas valeu muito a pena”, disse.


Num “espacate espacial” entre amigos 

A pós-produção contou com a ajuda de muitos amigos durante todo o tempo, mesmo que remotamente. “O Leo Mocca, do Estúdio Transcendental aqui de Porto Alegre, foi o escolhido pra pegar minhas gravações e manipular. Foi também o maior dos guerreiros desse processo, porque teve que me consolar e me motivar em dois momentos em que eu quase joguei tudo pro alto. Foi ele quem mixou”, revela Brandão. Depois, Bernard Simon, outro grande amigo, trabalhou na “cereja do bolo”, que foi a masterização. “Aí eu já estava com a cabeça limpa pela minha parte estar pronta, então, foi só alegria”, brinca. 


Para lançar o álbum, ele chamou a Voo Conteúdo para fazer a assessoria de imprensa (releases, mídia social, press kit), o que ele não tinha feito em trabalhos anteriores. Já a capa do álbum é uma arte em pixel feita pelo artista Felipe Veeck, e as fotos de divulgação foram tiradas pelo Leonardo Ramos


Para encerrar, ele afirmou: “Acredito que a coletivização do trabalho foi a melhor saída pra um disco grande, mesmo que num momento não muito oportuno. Tenho descoberto (e adorado) meios de manter minha criatividade rolando solta em casa, mas sem esquecer que a arte só faz sentido coletivamente”.


Você pode conferir o resultado completo do álbum abaixo:


Mais recentes