Deu certo

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Uma conversa com a jornalista egressa da primeira turma de Comunicação da Unisinos
"Marlene Branca Sólio conta como foi iniciar o curso em plena ditadura militar, em 1972, e os desafios de seguir a carreira desde aquele período "
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Branca, como prefere ser chamada, inaugurou o curso com outros 12 alunos. Destes, apenas um era homem. Quando a turma foi aberta, em 1972, o Brasil vivia sob o Ato Institucional n°5, que desde 1968 implementou a censura, o fechamento do Congresso, entre outras ameaças às liberdades civis. Emílio Médici era o presidente. Quando ela se formou, em1976, o governo era chefiado pelo general, também gaúcho, Ernesto Geisel, que esboçou sinais de abertura para a redemocratização.  



Hoje aposentada, Branca foi uma jornalista inquieta, e marcou presença em diferentes frentes de trabalho, desde o mercado profissional, passando pelo acadêmico, até se tornar escritora.  Trabalhou como assessora de imprensa em grandes empresas e quando poucos se interessavam por Comunicação Organizacional, ela empreendeu neste ramo constituindo uma empresa chamada, primeiramente, de “Corpo 2”, e depois “Pontuação”. Como ela mesmo diz, foram várias pontas lançadas ao longo de sua vida, que só mais adiante pareceram se unir e fazer sentido.  



O estudo foi uma atividade permanente. Além da graduação em Comunicação, somou uma pós-graduação em História Contemporânea, licenciatura em Estudos Sociais, mestrado em Ciências da Comunicação, até então, todos pela Unisinos, e o Doutorado em Comunicação Social, na área do Jornalismo Digital e Organização Editorial de Jornais, pela PUCRS. Em paralelo aos trabalhos que exercia, se tornou professora, um “segundo amor”, que só aumentou ao longo da sua trajetória e proporcionou uma vida acadêmica muito ativa, com várias frentes de pesquisa e com o lançamento de diversos livros. Foi no ambiente de ensino que se realizou de fato. “Consegui, então, unir aquelas pontas que antes pareciam soltas, quase desconexas”, contou Branca sobre o trabalho enquanto professora e pesquisadora.  



Nesse ambiente se descobriu como escritora, também. A dissertação de mestrado resultou na publicação do primeiro livro: “Jornalismo Organizacional – produção e recepção”. Do doutorado surgiu o segundo livro: “Comunicação, psicanálise e Complexidade – abordagem sobre as organizações e seus sujeitos”. Publicou, também, “Violência, um discurso que a mídia cala”, fruto de um projeto de pesquisa. Já a paixão pelo meio digital fez surgir mais uma das “pontas”, quando começou a escrever histórias da vida, e com o convite de uma editora de Curitiba, viraram uma incursão pela literatura: “Uma vida de amor”. O livro de contos nasceu de uma brincadeira com um blog, conta. 



Aliás, este é outro fato interessante desta “filha da casa”. Mesmo tendo começado sua vida acadêmica e profissional na era analógica, ela não só buscou se atualizar e entender os meios digitais, como trabalhou voltada para o jornalismo tecnológico e ensinou sobre, em sua vida como docente.  Ainda em paralelo a essas vastas atividades, investiu no estudo da arte e, especialmente, das artes gráfica (Design), o que “deu corpo”, segundo ela, a atuação, também, como designer gráfica, na área da comunicação organizacional, na qual editou e diagramou jornais e revistas, entre outros materiais impressos. Branca foi editora da revista “Conexão, Comunicação e Cultura”, no então Departamento de Letras e Comunicação da UCS. 




“Cada vez mais, as experiências acumuladas foram se amarrando e me permitindo levar para a sala de aula uma prática que podia mostrar as deficiências/dificuldades/exigências do mercado e a vantagem de se ter um olhar desenvolvido na academia.”  – Branca Sólio




Hoje, aposentada, mas ainda descobrindo “novas pontas”, distribui as horas dos dias entre curtir os filhos, ler, assistir séries televisivas e produzir bonecas de tecido para doação a crianças em vulnerabilidade social. “Vejo que, embora a carga pareça (e efetivamente seja) mais leve, a missão não terminou. Os tempos são difíceis e como num golpe doloroso teimam em brotar sementes de dor e sofrimento que julgávamos extintas”, assinalou. E se os jornalistas já costumam gostar de contar histórias, espere para ver a combinação de jornalista mais professora.  Branca interagiu com o Mescla, por WhatsApp.  As respostas, como vocês poderão ver, revelam uma comunicadora nata, que fez questão de dar respostas completas, literárias, recheadas de intertítulos, conexões e toda uma trama muito bem costurada.  




A jornalista hoje. Mesmo aposentada se sente chamada “para a luta”. (Foto: Milena Leal)



Ufa! Depois de uma longa apresentação, de uma incansável jornalista, vamos para a entrevista com ela: 


Mescla: Você entrou na faculdade e finalizou a graduação no período tenso da ditadura militar, que atacava diretamente a área. Como era isso pra ti?  

 
Branca: Num primeiro momento, somaram para meu percurso a conclusão do curso de Jornalismo e o interesse por questões ligadas à história e à política, num período em que a ditadura militar, iniciada em 1964, exigia de jovens estudantes como eu uma posição político-partidária alinhada ao pensamento de direita ou, em contrapartida, o silêncio. Assim que concluí o curso, e já ocupando o cargo de Assessora de Imprensa na Unisinos, iniciei um curso de pós-graduação em História Contemporânea, ansiosa por ampliar horizontes que me permitissem maior compreensão do contexto em que estava inserida. Concluída a especialização, iniciei o curso de Estudos Sociais, também na Unisinos, descobrindo, logo adiante, o quanto me sentia à vontade em sala de aula.  



Mescla: E sobre tua trajetória profissional, como foi de 72 pra cá?  

 
Branca: “Minha trajetória profissional começou a ser desenhada na década de 70, quando desenvolvi, concomitantemente, três frentes de trabalho: assessora de imprensa na Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos; professora de História e Geografia, no Ensino Fundamental (à época Ensino de 1º Grau); empreendedora na área de comunicação organizacional, e em sociedade com outras duas colegas jornalistas também recém-formadas. Eram tempos difíceis, de censura e insegurança. O empreendimento na área da comunicação organizacional, inicialmente uma forma de remuneração, foi crescendo em importância, principalmente a partir do início da década de 80, quando transferi residência para Caxias do Sul (RS), onde, em seguida, comecei a prestar assessoria em comunicação e jornalismo organizacional a uma série de empresas. Na mesma medida em que o trabalho se destacava, consolidando minha prática profissional como jornalista, surgiu o convite para ministrar aulas de Comunicação Organizacional e Design Gráfico no curso de Relações Públicas da Universidade de Caxias do Sul (UCS). Associar teoria e prática, considerando minha formação acadêmica na época (duas graduações e uma especialização), colocou-se como tarefa fácil. Foram dez anos de dupla jornada, que na verdade se complementavam e rendiam bons frutos. As aulas refinavam meu olhar sobre os processos aplicados no mercado, e a prática diária de trabalho me oferecia subsídios para aprimorar a teoria e as aulas desenvolvidas. 



Mescla: Como foi a virada quando se tornou professora? 

Branca: Um casamento e a consequente maternidade inverteram algumas prioridades, ao longo de alguns anos, interrompendo a carreira acadêmica por algum tempo. Na medida em que o novo milênio se aproximava, algumas inquietações foram provocando reflexões mais profundas. Era hora de uma nova virada. O desempenho profissional no mercado era muito satisfatório, mas era preciso voltar a regar a inspiração, a alma, com a seiva do conhecimento, da academia, que ao fim e ao cabo, nos faz perguntar, sempre, por quê? Acontece que já havia encontrado respostas suficientes. Precisava de novas perguntas. Além do mais, os filhos já haviam cortado o cordão umbilical. Estavam livres, independentes e felizes. Era hora de eu partir para uma nova missão.  

A decisão estava tomada: antes mesmo de saber se seria aceita para um retorno à UCS, tratei de disputar uma vaga para o mestrado em Comunicação na Unisinos. Em seguida, a UCS acenou positivamente. O investimento na vida acadêmica adquiriu sentido ampliado quando descobri um novo lugar onde poderia aplicar o que aprendia: a pesquisa. As atividades de mercado continuavam a ocupar espaço na minha vida profissional, mas com intensidade cada vez menor, na medida em que dedicava um tempo cada vez maior às reflexões acadêmicas, ao estudo, à descoberta de novos autores, paradigmas, teorias e um mundo que povoava minha cabeça num desejo quase febril de aprender. As atividades de pesquisa e a edição da revista abriram um novo olhar sobre o ensino universitário. Evidentemente, um doutorado e algumas especializações contribuíram nesse sentido, mas a percepção de que vivemos um novo paradigma e de que o perfil dos estudantes hoje é muito diferente, provocou muitas horas de reflexão sobre o exercício pedagógico. Durante algum tempo, incomodava ouvir alguns estudantes comentarem que minhas aulas “eram difíceis”. Mais tarde, essa sensação de mal-estar deu lugar a uma sensação de dever cumprido, principalmente quando muitos ex-alunos retornavam à Universidade, matriculados no curso de Especialização em Comunicação Digital, que passei a coordenar, a partir de convênio UCS/PUC, nascido de minha participação como aluna no mencionado Jornalismo Digital (PUCRS).  



Jogo rápido 

  1. Uma disciplina que te marcou?  Um professor especial? 

Fizeram-se valer as aulas de diagramação (como chamávamos na época) e as de fotografia (de longe as preferidas), com o Prof. Pe. Nedel, que foi Reitor na Instituição. 


  1. Um amigo que você fez no curso (ou na faculdade, ou ao longo da graduação)?  

Quando olho para trás, vejo aquela turma de jovens sonhadores, dos quais se destaca Dante Carravetta de Azevedo, um amigo do coração, lamentavelmente já falecido. 


  1. Um lugar especial na Uni? 

Vejo, também, um caramanchão na sede da Universidade, onde pequenos grupos se reuniam nos intervalos das aulas de fotografia aos sábados pela manhã. 


  1. Um acontecimento que te marcou no período? 

Lembro, ainda com certo temor, de algumas das aulas do curso de especialização em História Contemporânea e do fato de um dos colegas chegar a sair sempre acompanhado de um grupo buscando evitar que fosse capturado pela Polícia Federal, até chegar o dia em que ele não apareceu mais.  


  1. O que a graduação na Uni representou na sua vida? 

Olhando para trás, vejo o quanto a Universidade e especialmente o curso de jornalismo, foram importantes no desenho de meu destino. 
 


  1. Quais livros, filmes e séries você tem se dedicado recentemente?  

Sinto-me convocada a continuar na luta, o que me faz lembrar de um dos livros lidos recentemente: Torto Arado. 






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