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Bruno “LeonButcher” Pereira conta como construiu sua trajetória profissional cobrindo e-sports
"O jornalista revela em entrevista quais são os desafios de ser um jornalista no moderno mundo dos videogames "
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Por Eduarda Cidade (*) 


Pessoas que dedicam suas vidas a jogarem videogames. Essa frase pode até ser vista por muita gente de uma forma negativa, mas, com a ascensão dos e-sports, esse tipo de pensamento tem mudado. Os e-sports são competições feitas em jogos multiplayer de forma online ou presencial, sendo, nesses casos, sediadas até mesmo em grandes arenas ou estádios. 


Essa categoria vem ganhando terreno com o passar dos anos, e hoje conta com times profissionais e campeonatos disputados, em que os vencedores levam prêmios milionários para casa. A final do Worlds 2021 do jogo League of Legends (LoL) bateu a impressionante marca de quatro milhões de espectadores simultâneos, provando que esse meio tem muito potencial.


Assim como nos esportes convencionais, os e-sports precisam de jornalistas especializados na área, e o nosso entrevistado é um deles. Bruno Luís Pereira, conhecido como “LeonButcher”, é natural e residente na capital de São Paulo. Hoje com 28 anos, se formou em 2016 na Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero. Ele é jornalista da The Enemy, que faz parte da Omelete Company. Em um de seus mais recentes trabalhos para o portal, produziu uma matéria, que demandou quase dois meses de apuração, para contar os bastidores da contratação de um famoso jogador de LoL. 


Bruno trabalhou por 4,5 anos na Riot Games, empresa criadora de League of Legends. LeonButcher, como ele prefere ser chamado nos jogos, descobriu a sua paixão pelo mundo competitivo de games ainda na adolescência e a levou para a sua carreira de jornalista. Na entrevista a seguir, realizada de forma remota pelo Microsoft Teams, ele conta detalhes sobre a sua trajetória e ainda deixa um conselho para os futuros jornalistas desse cenário. 


Eduarda – Quando você descobriu que poderia unir o jornalismo com a sua paixão pelos e-sports? 

LeonButcher – Eu sempre fui uma pessoa muito apaixonada por jogos e acho que o primeiro requisito é esse. Já narrava futebol quando começou a surgir os primeiros campeonatos de League of Legends, lá por 2012. Eu olhei aquilo como uma oportunidade e comecei a narrar LoL. Nessa época, também entrei na faculdade de Jornalismo. Nisso de escrever matérias e produzir conteúdo, tive certeza de que queria direcionar a minha carreira para falar sobre o mundo competitivo de jogos online.


Eduarda – Você parou de narrar partidas de LoL há 7 anos. Ainda tem vontade de, no futuro, voltar à atividade?

LeonButcher – Eu gosto muito e sinto saudades da adrenalina de estar narrando. Sempre fazia questão de, nos eventos, posicionar a bancada do locutor no meio da torcida, porque conseguia, dessa maneira, sentir a vibração dela. Também sinto falta de trocar uma ideia com a galera nos eventos. Mas, por outro lado, você tem que abrir mão de algumas coisas e trabalhar todo o final de semana e feriados, sem descanso. Eu gosto de balancear a minha vida profissional com a minha vida pessoal. Então, sinto falta sim, mas acho que não é uma coisa que se encaixa mais no meu futuro profissional.


Eduarda – Como foi fazer a cobertura do LoL World Championship e acompanhar o campeonato de tão perto?

LeonButcher – Eventos presenciais tem uma magia por si só, independentemente se for um mundial na Coreia do Sul ou uma final de CBLOL (Campeonato Brasileiro de League of Legends). Mas confesso que me acho um pouco “poluído” por estar no cenário há muito tempo. Então, vários desses caras que são ídolos para as pessoas, como o BrTT ou o Kami, para mim, é uma galera que já estou acostumado a ver. Às vezes, me sinto incomodado por ter pego esse costume com essas figuras grandes. Mas claro, quando chego perto de caras de fora do cenário brasileiro, como o Faker (maior jogador do mundo de LoL), a coisa bate um pouco diferente, porque sou muito fã, apesar de ter que ser profissional nessas horas. Visitei quatro continentes com League of Legends e foi uma experiência de vida incrível. É sempre maravilhoso quando existe a oportunidade de sair do país para fazer uma cobertura internacional. 



Bruno durante o CBLOL, campeonato brasileiro de League of Legends. O jornalista está na área dos e-sports há dez anos (Foto: Bruno Alvares) 



Eduarda – Qual o cenário de competições que você fica mais animado em acompanhar e em escrever sobre?  

LeonButcher – Em toda a minha carreira de quase dez anos nos e-sports, oito deles foram somente cobrindo e falando sobre League of Legends, então, não posso esconder a minha preferência. Porém, tenho o comprometimento comigo mesmo de me manter atualizado sobre as competições de outros jogos, até porque acredito que um jornalista tem que saber falar com propriedade sobre vários assuntos da sua área. Então, hoje em dia, posso dizer que tenho conhecimento para falar sobre outros jogos, como Rainbow Six, Counter-Strike, entre outros. 


Eduarda – Como foi a experiência de trabalhar na Riot Games?

LeonButcher – Costumo dizer que a Riot foi o trabalho dos sonhos que eu nunca sonhei. Tive que fazer 13 entrevistas, sendo que duas delas foram em inglês. Foi um processo que demorou seis meses, uma coisa extremamente longa. No meu segundo ano na faculdade, consegui entrar e foi bacana, porque eu já conhecia quase todo mundo de lá por anteriormente narrar os campeonatos, mas eu nunca tinha pensado em trabalhar como jornalista para eles, até abrirem uma vaga. No começo, a empresa tinha uma energia de startup. O pessoal ainda estava entendendo como funcionavam as coisas e os gastos eram doidos. Só que em 2015, a Tencent, uma empresa chinesa, comprou a Riot, e tudo mudou da água para o vinho. Perdeu essa mentalidade de startup e os projetos começaram a serem escolhidos com mais cautela, o cenário se profissionalizou e o jogo acabou virando também algo para jogadores casuais. Fiquei na Riot por 4,5 anos, e só quando entrei para um novo emprego, no Omelete, vi o quanto que trabalhar lá foi como uma verdadeira escola. Aprendi a lidar com equipes e, principalmente, a ter uma gestão extremamente humana, que se importa com os feedbacks da comunidade. Na Riot, tínhamos muita liberdade de expressão, não precisava ficar naquela coisa quadrada que algumas empresas exigem. Sou muito agradecido e quero passar adiante essas lições que aprendi trabalhando lá.  


Eduarda – Qual é a maior dificuldade de fazer jornalismo no meio dos e-sports?  

LeonButcher – Vou separar em duas partes, a do pessoal que consome e entende do mundo dos videogames e a do pessoal que não consome e não entende. A galera que não entende sempre questiona sobre eu trabalhar com “joguinhos” de computador, e sinto que existe um preconceito formado em relação a isso, mesmo que esteja diminuindo. Meus pais não acreditavam na minha carreira até eu receber meu primeiro salário e eles verem, em um evento, o pessoal me reconhecendo. Aí eles me olharam e falaram: “Ok, isso aqui não é só você ficar trancado no quarto jogando”. Fico feliz que. hoje em dia. meus priminhos que gostam de assistir jogos não são mais criticados, porque meus tios sabem que aquilo pode dar um futuro e que é uma profissão por causa do meu exemplo e de mais vários outros profissionais da área. Já a dificuldade de dentro do cenário é que os jornalistas têm muito contato direto com a torcida e com os próprios jogadores. Às vezes, penso que perdem a essência do jornalismo em manter, dentro do possível, uma imparcialidade. Ocorre também a falta de ética em querer, a todo custo, descobrir furos ou rumores sobre os times. Qualquer pessoa pode publicar na internet informações verdadeiras ou falsas, e acho que os jornalistas desse meio precisam ser mais cautelosos com essas fontes duvidosas, pois é muito prejudicial para um cenário que está em desenvolvimento ainda ficar poluído por notícias falsas. Os jornalistas de e-sports precisam zelar pelo meio que eles também fazem parte.


Eduarda – A comunicação com os times profissionais para conseguir pronunciamentos ou notas é acessível? 

LeonButcher – Apesar de eu conhecer e ter contato direto com muitos jogadores por ter visto eles se tornarem o que são, acredito que a maioria das pautas que consigo hoje não são por isso ou por estar há anos no cenário, mas porque eu consegui cultivar um relacionamento com os times e suas assessorias de imprensa, o que transmite confiabilidade sobre o meu trabalho. Já recebi muitas informações de fontes confiáveis antecipadamente sobre coisas sérias ou sobre aposentadorias de jogadores famosos, porém, eu nunca fui lá e corri para fazer uma matéria de três parágrafos só para não perder o furo. Então, por eu fazer um new journalism, um jornalismo mais lírico e literário, procuro apurar muito bem as informações. Como, por exemplo, se descubro que o Kami vai se aposentar, vou ir atrás para falar com ele e com fontes próximas a ele para fazer uma crônica que homenageie a importância que ele teve para o cenário e não apenas postar uma notícia rasa para ganhar buzz em cima da situação. 


Eduarda – Qual o significado do seu nickname “LeonButcher” nos jogos?

LeonButcher – É uma história bem estranha, na verdade. Eu sempre gostei de filmes de faroeste e queria botar o meu nome no LoL de “Butch Cassidy”, que era um famoso bandido do Velho Oeste, mas alguém já tinha colocado. Então, acabei pensando em “Butcher”, que também já tinha alguém utilizando. Daí, a minha avó deu a sugestão de colocar “Leão” junto, só que, como era no servidor norte-americano, eu queria algo mais gringo. Aí, transformei em “Leon”. Engraçado é que Kami, BrTT, Takeshi, enfim, o pessoal que me conheceu antes de 2015, me chama de Leon, e o que me conheceu depois me chama só de Butcher. Acho que sou mais Butcher do que LeonButcher agora. 


Eduarda – Você já sofreu críticas ou ataques de torcedores devido a uma matéria ou análise?

LeonButcher – A confiabilidade que eu passo para os times profissionais chegou também na torcida dessas equipes. Então, nunca recebi nenhum tipo de ataque, mesmo já tendo publicado matérias que eu jurava que iriam gerar discussão. Mas o pessoal acabou entendendo e não interpretando como algo maldoso. Acho que é uma relação de troca. Eu ofereço um conteúdo bem apurado, confiável, e escuto as críticas construtivas. As pessoas acabam entendendo o meu ponto. 


Eduarda – Para finalizar com chave de ouro, que conselho você daria para os estudantes de Jornalismo que sonham em trabalhar com e-sports?

LeonButcher – É muito difícil dar conselhos (risos). Quando eu comecei, as coisas eram muito diferentes, mas sempre digo para fazerem um portfólio, mesmo que pequeno. No começo do ano, abrimos duas vagas de redator para a The Enemy, e recebi uns 150 currículos. Vi muitas pessoas mandarem mensagens dizendo que não tinham portfólio, não tinham matérias publicadas, mas que eram formadas em Jornalismo. Enfim, várias informações perdidas em que não conseguíamos analisar o conteúdo, a escrita e a capacidade da pessoa de fazer uma análise de um jogo. Então, não tenham medo de botar a cara: publiquem matérias em portais colaborativos, como o Baserush , ou então criem um blog, um Medium ou um canalzinho no YouTube para ir desenvolvendo a fala e as habilidades de edição. Tudo isso serve como uma vitrine para quando surgir uma vaga você ter conteúdo para mostrar. Não tenham medo de dar a cara a tapa, porque é disso que o jornalismo é feito, sempre temos que sujar as botas. 


(*) Aluna de Jornalismo. A matéria foi produzida originalmente no segundo semestre de 2021 para a disciplina de Profissão Jornalista. Todas as informações foram atualizadas recentemente por Eduarda. 

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