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Os efeitos da pandemia na vida universitária latino-americana
"Durante o isolamento social, alunos e professores de todo o continente precisaram adaptar-se à nova realidade"
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O ano de 2020 pegou todos de surpresa com a chegada da covid-19. O mundo precisou parar para frear a disseminação do novo coronavírus. Praticamente todas as atividades foram impactadas. O dia a dia, agora, é diferente. Casas viraram local de trabalho, escola, universidade. Apesar das aulas presenciais estarem momentaneamente suspensas, para evitar o contato físico entre os alunos, instituições de ensino conseguiram encontrar uma maneira de seguir com o ano letivo graças à tecnologia: aulas via internet.

Um problema ficou evidenciado com a mudança da sala de aula para a web. Muitos estudantes não têm acesso a um bom sinal de wi-fi ou sequer contam com um em suas casas, além daqueles que não dispõem dos aparelhos necessários para acessarem os conteúdos. Há universitários que perceberam uma redução de rendimento. Já outros se viram obrigados a desistirem de estudar.

Coordenadora do curso de Moda da Unisinos, Luciana Borges conta que a experiência das aulas em ambiente digital têm sido muito desafiadora. A professora lembra que vem desde 2007 aprimorando as metodologias presenciais de sala de aula e agora, segundo ela, em pouco tempo, foi necessário adaptar as aulas para o mundo virtual. Luciana diz que se surpreende em como, apesar das dificuldades, tem tido bons retornos dos estudantes, principalmente por ministrar disciplinas muito práticas. “Eu adquiri instrumentos de iluminação e aprendi a editar vídeos. Assim, mostro para os alunos o passo a passo da construção de uma modelagem, por exemplo, junto com textos e fotos. Muitos relatam que a qualidade das aulas não diminuiu, que eles estão adorando os vídeos, e alguns têm me estimulado a montar um canal com aulas online”, comemora. 

Por meio de vídeos com o passo a passo das atividades, a professora Luciana está conseguindo seguir com suas aulas (Foto: Arquivo pessoal)

Luciana conta que percebe os efeitos do isolamento social tanto nos alunos como nos professores, mas em momentos e modos diferentes. Segundo ela, no início da quarentena, em meados de março, muitos alunos estavam desesperados pensando que poderiam perder o semestre. Mas, agora, ela percebe uma mudança dessa situação, com os alunos já melhores adaptados com o ambiente virtual, e os professores, atarefados. “Os docentes tiveram uma mudança significativa em suas rotinas. O trabalho é constante, o que pode gerar, às vezes, estresse e ansiedade”, pondera. 

Um olhar para fora do Brasil

Essa não é a realidade só dos brasileiros. Os países vizinhos também enfrentam dificuldades ocasionadas pela pandemia. Um deles, o Peru, é a segunda nação do continente com mais casos de covid-19 per capita, ficando atrás apenas do Brasil. Apesar de ter aderido cedo ao isolamento social, são vários os motivos que levaram a um impacto tão negativo, como mostra reportagem da BBC. Manuel Chiroque, professor da Escola de Comunicação Social da Universidad Nacional del Santa, na cidade de Chimbote, conta que o semestre letivo no país geralmente começa em maio, mas, por causa da doença, o início das aulas foi postergado para o dia 1º de junho. “Isso ocorreu para que os professores pudessem ser preparados para as aulas em modo virtual”, explica.

Segundo Manuel, possivelmente não haverá aula presencial esse ano no país. Esse atraso, conforme diz o professor, ocorreu apenas em universidades públicas, onde a situação dos alunos é mais complicada. “Muitos estudantes não contam com acesso à internet e grande parte deles tem apenas um dispositivo dentro de casa que precisam dividir com o resto da família. Outros ainda dependem apenas do celular, que muitas vezes não suporta os aplicativos utilizados”, conta Manuel. Além disso, a previsão é de que sejam oferecidas apenas matérias teóricas, possíveis de realizar virtualmente. “Não é o meu caso. Dou aula sobre audiovisual, e nem todas os tópicos serão possíveis de ensinar virtualmente, pois precisam de implementos e laboratórios”.

Para o professor Manuel, uma das principais dificuldades é a falta de esquipamentos e uma boa rede de internet (Foto: Arquivo pessoal)

Franco Rodríguez Luna é recém-formado em Direito e Ciências Políticas pela mesma universidade. Segundo Franco, que é também um dos fundadores do Círculo de Relações Internacionais e Direitos Humanos ALEPH, as universidades estão se adaptando à nova situação, pois não estavam preparados para oferecer aulas online. “Isso dificulta o aprendizado do aluno, levando em consideração que muitos deles não terão uma carga de aulas completas, devido às circunstâncias”, observa.

Com a crise provocada pela covid-19, muitos estudantes passam por dificuldades financeiras, e isso afeta os estudos. Aqueles que estão desempregados, por exemplo, não conseguem adquirir aparelhos eletrônicos, como celulares, tablets e notebooks, que poderiam auxiliar nesse momento, optando em suspender o curso. O professor Manuel conta que algumas universidades no Peru estão optando por oferecer chips com planos de internet para os alunos. “É uma alternativa válida. O problema é que alguns alunos sequer contam com dispositivos móveis. Há professores mais velhos que também têm alguma dificuldade para adaptar-se a esse novo sistema”, observa.

Para Manuel, esse momento cria uma barreira entre os conectados e os não conectados. O professor salienta que a universidade é um espaço de socialização, e isso se torna muito mais difícil através do virtual. Por outro lado, é em meio a dificuldades que nascem as redes de solidariedade, conforme destaca o professor. “Os alunos permanecem interessados em continuar estudando e estão se ajudando para poder dividir dados de internet, por exemplo. Isso nos dá esperança para seguir em frente”. 

Já Franco percebe uma falta de aceitação dos estudantes. Segundo ele, uma pesquisa na Universidad Nacional del Santa apontou que 60% dos alunos disseram ser contra as aulas virtuais. “Os principais medos são de perder o ano e se atrasar. Também têm temor de não conseguir aprender ou realizar os trabalhos, o que pode ser resultado da falta de dispositivos”, comenta. 

A adaptação universitária

Acadêmica de Jornalismo da Unisinos, Gabriele Conceição Soares conta que a universidade vem atendendo às demandas solicitadas dos alunos, como a padronização da plataforma virtual, o que ajudou bastante. “Hoje, acredito que já estão todos mais adaptados, apesar de ainda existirem algumas dificuldades”, diz. Gabriele é secretária geral do DCE da Universidade. Ela conta que foi criado um canal de ouvidoria via e-mail (emergenciasdceunisinos@gmail.com) para ajudar os alunos também na parte emocional. “Estamos recebendo bastante demanda”, observa.

Estudante da UFRGS, Stephanie não está tendo aulas online nesse momento (Foto: Arquivo pessoal)

Estudante de Design na UFRGS, Stephanie Mauhs conta que a maioria dos cursos da universidade federal gaúcha não teve aulas neste semestre. A estudante afirma que, quando tudo voltar ao normal, ela enfrentará algumas dificuldades, como o fato de não possuir uma webcam para participar de videoaulas. “Além disso, eu estava em processo de troca de curso. Eu finalmente estava conseguindo, mas tudo foi interrompido, e agora estou sem perspectiva”, lamenta. 

Argentina e Paraguai vêm mostrando melhores resultados com relação ao combate à covid-19. Com a implementação da quarentena, universidades daqueles países também tiveram de migrar as aulas para o mundo virtual. Natan Klenovsky, aluno de Música da Hogar de Bethania, instituição localizada na província argentina de Chaco, conta que a adaptação na modalidade online não foi tão difícil para os alunos da sua universidade. Isso porque, desde o ano passado, eles já tinham algumas aulas online. Segundo ele, o mais complicado são as matérias técnicas, em que é preciso gravar vídeos e enviar aos professores para avaliação. Outra dificuldade é conseguir acompanhar as aulas sem ter horários fixos. “Vejo que a falta de rotina, que é imposto pelo ritmo de vida em quarentena, pode afetar o rendimento”, acredita. 

Natan sente um pouco de dificuldade com aulas mais práticas (Foto: Arquivo pessoal)

Duani Moraes, de Campo Bom, se mudou para Buenos Aires no início do ano para estudar Medicina na Universidad de Buenos Aires. As aulas começariam no segundo semestre, mas antecipou a viagem para fazer um curso de espanhol. Por causa da covid-19, Duani precisou retornar ao Brasil. “Mas eu gostaria de estar na Argentina por causa do menor números de casos da doença”, revela. Segundo ela, ainda não há previsão para volta das aulas presenciais por lá. “Não vai ser possível eu iniciar o curso este ano. É uma pena, porque eu queria muito. Não sei quando vou poder voltar para a Argentina, porque as fronteiras estão fechadas”, lamenta. 

Nathalia Rodríguez Grácia estuda Fisioterapia e Kinesiología na UniNorte, em Assunção, no Paraguai. Lá, os estudantes ficaram um mês sem aulas para que os professores pudessem se preparar para a migração ao ambiente online. Segundo ela, após muitos pedidos dos alunos, a universidade deu um desconto de 25% na mensalidade. Com a alta do desemprego, Nathalia conta que muitos colegas desistiram dos estudos neste ano, pois não teriam condições de arcar com os custos. “Muitas pessoas estão sofrendo por causa dos sonhos que foram adiados, mas vejo também como outros conseguiram se reinventar e não deixaram se abater pela pandemia”, comenta.

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