Fronteiras simbólicas também são atravessadas
“Quais os motivos os motivos que levam milhares de venezuelanos a atravessarem a fronteira com o único país do continente que não cultiva a mesma língua?”

Uma das principais respostas dá conta da proximidade entre os dois países. As cidades de Pacaraima no Brasil e Santa Helena do Uairén, na Venezuela, são vizinhas. A brasileira, localizada no estado de Roraima, extremo norte do país, tinha, em 2017, pouco mais de 12 mil habitantes, viu sua realidade completamente transformada com a entrada de 10 mil venezuelanos somente em 2018. Pacaraima configurou-se como principal ponto de entrada para refugiados do país vizinho.

O Brasil também acaba servindo como passagem para os migrantes que pretendem chegar a países mais ao sul do continente, como a Argentina e Uruguai. No continente sul-americano, o país que mais recebeu refugiados venezuelanos foi a Colômbia, com um somatório que ultrapassa 1,5 milhão.

O Brasil, com sua bandeira verde, amarela e azul representando as riquezas nacionais passa a impressão de ser o lugar certo para uma espécie de american dream sul-americano. “Há uma sensação na América toda, não é só na Venezuela, de que o Brasil é uma espécie de lugar condutor do futuro. Então isso é um encantamento. É a terra que emana leite e mel”, comenta o doutor em História Solon Viola.

Dessa forma, o Brasil é visto como um atrativo para os migrantes, principalmente latinos. Para Aline Passuelo de Oliveira, mestra e doutoranda em Sociologia pela UFRGS, um exemplo do encantamento vivido por muitos imigrantes é percebido pelo exemplo dos refugiados do Haiti. Frequentemente acometido por desastres naturais, o país já produziu uma grande população de refugiados e emigrantes. As Forças Armadas brasileiras têm um histórico de ajuda humanitário no local, o que ajudou na construção de um imaginário sobre o Brasil.

Em 2010, quando um grande terremoto destruiu Porto Príncipe, capital do Haiti, muitos habitantes viram no Brasil uma chance de recomeçar a vida, mas a realidade que encontraram no país sul-americano não foi a mesma imaginada. “O Brasil cumpre essa ideia do sonho americano. Os senegaleses ou haitianos jamais imaginaram que iam sofrer racismo aqui. Eles sempre tiveram essa imagem do Brasil de um povo muito amado e acolhedor, então eles não pensaram que seriam discriminados”, pontua Aline.

Interiorização surge como alternativa

O Brasil se divide com as obrigações políticas e morais no momento de receber refugiados. Políticas porque, enquanto nação, tem o poder soberano de decidir quem cruza seus limites de terra. Moral porque, apesar da soberania nacional, existe a carga moral enquanto país participante de tratados e organizações como a ONU. “O acolhimento, é o primeiro compromisso de um país”, discorre o professor Solon. Ele afirma que além de acolher os imigrantes e refugiados, é dever do país tentar a inserção destas pessoas na sociedade local. Surge assim, a partir desse pensamento, a ideia de interiorização dos venezuelanos proposta pelo governo brasileiro.

Além de uma primeira dimensão econômica da interiorização que faria com que os refugiados sejam responsáveis por si e suas famílias, existe a obrigação do país, uma vez que essas pessoas são acolhidas, de prestar assistência através dos serviços básicos ofertados pelo governo. Sendo assim, o processo é uma parceria entre o ACNUR, Governo Federal e Prefeituras Municipais. No Rio Grande do Sul, diversas cidades receberam refugiados em função desse acordo de interiorização: dentre eles, Canoas e Esteio.

A professora de Direito e Regimes Internacionais e coordenadora do Núcleo de Apoio e Assessoria a Imigrantes e Refugiados da UniRitter, Marina de Almeida Rosa, explica que nestes acordos a despesa principal com o transporte e realocação dos refugiados é da própria Agência da ONU para refugiados. “Esse projeto fomenta, também, as economias locais no momento em que a ACNUR aluga imóveis e paga o imposto municipal sobre esses lugares”, explica.

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