Matheus Butzke Piccoli
"“Me vejo fazendo outras coisas, mas não tão feliz”"
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“Hoje eu posso afirmar que é inacreditável e que eu me sinto muito realizado de ter tido essa experiência no meu primeiro trabalho como profissional. Eu acabei realizando meu sonho sem procurá-lo”, diz Matheus Butzke Piccoli, 25 anos. Natural de Farroupilha, ele descobriu que poderia expressar-se através da sétima arte aos 17, mas seu objetivo é aventurar-se por outras funções na carreira e em outros lugares do mundo.

Aos 15 anos, gostava de escrever despretensiosamente, criando histórias fantásticas. O geek de hoje foi o nerd de alguns anos atrás. O jovem jogador de RPG (Role-Playing Game, em português  “jogo de interpretação de personagens”) cobiçava cursar a faculdade de Jogos Digitais. O desejo durou pouco mais – até o momento em que soube que era necessário trabalhar com matemática.

“Me desmotivei, não é a minha praia”, explica. Após a desilusão, Piccoli optou por outro curso que fosse similar. Foi então que descobriu uma paixão: o cinema. Ele ressalta o fascínio quando afirma: “é um trabalho muito estressante e que demanda muita força de vontade, amor e compreensão com teus colegas.”

O cinema é a profissão que lhe permite realizar o sonho de viajar e conhecer novas culturas. Antes mesmo de ingressar no curso de Realização Audiovisual da Unisinos, o cineasta teve duas experiências na área.

Em 2009, quando foi fundada a TV Farroupilha, Piccoli foi contratado como editor do jornal. Porém, também fazia diversas funções como cameraman, operador de switcher master e atéparticipou da criação de um programa chamado “Super Sônico”, ao lado do seu amigo, Mateus Brites. No entanto, o programa teve poucas edições. Saiu em fevereiro de 2011 e, logo depois, em 2012, a TVFarroupilha fechou.

Em 2010, surgiu a oportunidade da segunda experiência durante o “È tutto vero!”, curso de extensão em produção audiovisual de documentário da Faculdade Cenecista de Bento Gonçalves. Com duração de um mês, tendo aulas aos fins de semana, Piccoli teve a chance de dirigir o documentário “Gigante de Ferro: a Ferrovia do Trigo”, que chegou a ser transmitido no programa “Histórias Curtas” da RBS TV, no início de 2011. O “Histórias Curtas” foi um concurso de produção de curtas-metragens promovido pelo Grupo RBS, entre 2001 e 2014.

Durante a realização do curso, conheceu Boca Migotto e Tiago Lopes, professores do CRAV, da Unisinos. Depois disso, decidiu cursar cinema na universidade porque era mais acessível em relação à Farroupilha e a cidade de São Leopoldo tinha um custo de vida mais razoável. Além disso, ele destaca que o curso de cinema em outra universidade era “apenas tecnológo e custava proporcionalmente a mesma coisa que a graduação na Unisinos”.

De fato, são poucas as instituições que oferecem a qualificação em audiovisual no Rio Grande do Sul. A outra opção do farroupilhense seria cursar a faculdade fora do Estado, mas havia receio de viver numa cidade grande. Por fim, percebeu que seria bacana ter a experiência quando prestou vestibular na Unisinos e conheceu os professores do curso.

Ao lado dos colegas do curso de Realização Audiovisual, da Unisinos. Foto: Arquivo Pessoal

Apesar do sentimento de dúvida sobre “não saber o que estava fazendo” – comum aos universitários -, Piccoli começou um estágio na TV Unisinos durante o 2º semestre e mudou-se para São Leopoldo. Diferente da TV de Farroupilha – que tinha apenas oito funcionários no total – ele admirou-se com o tamanho da estrutura da empresa, que também acabou fechando alguns anos depois.

Depois do estágio, em 2012, trabalhou por seis meses na TVE. Não poderia ser diferente: em 2017, a TVE faliu e fechou as portas, cumprindo a profecia das empresas nas quais Piccoli já trabalhou.

Fugindo um pouco do cinema, mas não das câmeras, em 2013, o estudante teve a oportunidade de trabalhar no laboratório de fotografia da Unisinos, onde ficou por dois anos e, depois de formado, por mais outros seis meses.

Dia da formatura, com colegas e professores. Foto: Arquivo Pessoal

A Croácia depois de Cinza

Quando se formou, Matheus Piccoli foi morar em Porto Alegre, onde trabalhou com alguns freelas durante um tempo até que surgiu “Depois de Ser Cinza”. Dirigido por Eduardo Wannmacher, o longa-metragem conta a história de um homem e três mulheres importantes na vida dele: a primeira é uma colega de faculdade que se mostra indiferente; a segunda, a sua terapeuta com quem tem um envolvimento; e a terceira, uma artista que conhece na Croácia e acaba mudando a vida dele. Este é o primeiro trabalho dele como profissional formado, atuando como segundo assistente de direção. Ao todo, são 40 pessoas trabalhando no projeto, sendo 4 delas alunos do CRAV da Unisinos. O filme é um drama da produtora Pironauta.

A princípio, Piccoli não estava cotado para fazer a viagem à Croácia, onde se passa parte do filme. Depois de uma conversa com os produtores, foi decidido que ele também participaria das gravações. “Foi a experiência mais louca da minha vida. Tudo isso tá sendo inacreditável e tudo está acontecendo de uma maneira orgânica, intensa e gratificante. Chegamos lá totalmente no escuro, mas acabou tudo dando certo”, conta o cineasta. A oportunidade de trabalhar no longa surgiu após uma experiência em 2013, na série de Curtas Gaúchos, “Para que Servem os Homens”, onde conheceu Eduardo Wannmacher.

Competências e objetivos

Das diversas funções e cargos existentes dentro do cinema, Piccoli afirma que já fez de tudo e gosta de fazer de tudo. “Posso dizer com segurança que eu sou um montador. Já montei alguns filmes”, afirma. Entretanto, sua experiência difere das suas metas. O ambiente fechado e intimista do trabalho de um montador não o agrada tanto quanto a ação existente no cotidiano de um set de filmagens.

O objetivo agora é se consolidar no mercado como assistente de direção para ter segurança ao arriscar outros cargos, como direção e produção. “Gosto muito do set de filmagens, de produção e direção. Dentro do set eu faço a assistência de direção, função que tem uma carga organizacional e metodológica bem grande. A equipe de direção é o centro de tudo, é a síntese de tudo e é responsável por executar o plano e se certificar que todos sigam o que foi planejado”, explica.

Equipe de “Depois de Ser Cinza”. Embarque no Rio de Janeiro rumo à Zagreb, capital da Croácia. Foto: Arquivo Pessoal

E o cinema nacional?

Quando se trata dos desafios de se fazer cinema no Brasil, Piccoli lembra do seu trabalho de conclusão de curso sobre “ECONOMIA CULTURAL AUDIOVISUAL: reflexos das formas de fomento cinematográfico em Porto Alegre”, período no qual afirma ter tido mais contato com a realidade do mercado do cinema brasileiro.  “O maior desafio é que o brasileiro, falando de modo geral, não tem consciência de que a cultura faz parte de uma cesta básica de existência, sendo que a própria existência da humanidade resulta um produto cultural. O brasileiro acha que a cultura é um luxo”, pontua.

Essa forma de pensar da sociedade contribui para a falta de estímulo à produção cinematográfica nacional. “A produção existe, mas é difícil de ser feita”, afirma.

Atualmente, a Globo Filmes domina o mercado de filmes brasileiros como principal produtora no país, depois do encerramento das atividades da Embrafilme, nos anos 1990. Ainda assim, Piccoli explica que “há resistência social ao cinema brasileiro, grande parte disso porque o parque exibidor brasileiro é muito pequeno. Não tem como competir mercadologicamente com produções estrangeiras que garantem o monopólio exibidor”. Filmes independentes brasileiros então, nem contabilizam um número minimamente relevante no parque exibidor. “Fora o problema de juntar dinheiro para fazer o filme (fora Temer), ainda há o problema de má distribuição”, conclui.

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